Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um herói midiático

No dia 4 de julho, comemoram-se na Itália os 200 anos do nascimento de Giuseppe Garibaldi, que se tornou conhecido como o Herói dos Dois Mundos, pois entre os anos de 1835 e 1847 esteve lutando na América do Sul, primeiro no Brasil, com os Farrapos da República de Piratini, e depois no Uruguai, contra o argentino Rosas. Casou-se com uma brasileira (1842), Anita Garibaldi (Ana Maria de Jesus Pereira), com quem teve quatro filhos: Rosita, Menotti, Teresita e Ricciotti.

Ele nasceu em Nice, hoje França, mas que na época era o porto marítimo do Piemonte, região do Reino da Sardenha, uma vez que a Itália não existia como país – a península compunha-se de ducados, reinos, repúblicas e estados da Igreja. Sua carreira militar foi feita na marinha, na qual se alistou em 1821.

No século 19, teve início o movimento nacionalista italiano chamado rissorgimento e este seria o período que a historiografia define como aquele em que a península se tornou politicamente unificada, culminando com a Declaração do Reino da Itália, em 17 de março de 1861.

Esse movimento teve como protagonistas o conde de Cavour, Giseppe Mazzini, o rei da Sardenha, Vittorio Emanuele II, e Giuseppe Garibaldi – os chamados ‘pais da Itália’, embora o rei seja tratado ironicamente como ‘pai dos italianos’, devido ao grande número de filhos que teve fora do casamento.

Cavour e Mazzini foram os autores intelectuais do unificação, Vittorio Emanuele II, o elemento aglutinador em torno de quem se pôde criar um estado, e Garibaldi foi o braço armado do evento.

Este último foi o herói romântico por antonomásia – revolucionário e rebelde, santo laico, símbolo da unidade italiana. Mais que isso tudo, o ‘Herói dos dois Mundos’ foi o primeiro grande comunicador global dos oitocentos, um político natural capaz de usar os mesmo truques midiáticos a que recorrem os melhores líderes hodiernos. Com um detalhe: no tempo de Garibaldi, existia tão somente a imprensa escrita e mais de 50% da população italiana era analfabeta.

Habilidade política

Na semana passada foi lançado livro Garibaldi – A invenção de um herói [tradução de David Scaffei – Laterza 2007], da irlandesa Lucy Riall, docente de História Moderna no Birkbeck College de Londres e autora de diversas obras sobre o rissorgimento.

Esse trabalho, como poderia sugerir o título, nada tem de iconoclastia. Ela procurou uma opção diferente na enorme bibliografia sobre Garibaldi, que é composta dos ‘a favor’ e dos ‘contra’, uns abraçando totalmente o mito e os outros querendo destruí-lo totalmente. Nota-se que Lucy Riall quer analisar e compreender sua fama, a estratégia política atrás da criação do culto a Garibaldi, cujo objetivo era unificar uma Itália até então encontrada na literatura, na música, nas artes plásticas ou nos círculos clandestinos dos conspiradores.

Os hábeis manipuladores da própria imagem abundam nos oitocentos, de Napoleão à rainha Vitória, mas o que torna Garibaldi um autêntico herói global é sua popularidade internacional: foi realmente o herói dos dois mundos. Para consegui-lo, teve uma imagem aumentada através da imprensa, convencendo a opinião pública de que nada teria sucesso sem seu toque pessoal e humanizador. Isso o tornou pioneiro, com cem anos de antecedência, do estilo descontraído e confiável que os comentaristas de hoje associam aos políticos instintivos.

O livro não tira nem um momento os méritos militares de Garibaldi. Diz Lucy Riall: ‘Eu tenho por ele grande admiração e respeito. Como historiadora jamais tive tanto gosto em escrever um livro e espero transmitir essa sensação a quem o lê.’

Certamente ela o transmitiu, além de que faz com que ele seja levado a sério e que se compreenda melhor a grande habilidade política que usou para produzir uma imagem que mudou o mapa da Europa.

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Jornalista