O poeta Bruno Tolentino morreu na manhã de quarta-feira (27/6), em São Paulo, por falência múltipla de órgãos. Estava internado havia um mês no Instituto de Infectologia Emílio Ribas. Tinha 66 anos.
Tolentino ganhou o Prêmio Jabuti em duas ocasiões. A primeira foi em 1995, por As horas de Katharina. Quatro anos depois foi a vez da coletânea O mundo como idéia. Este ano concorre novamente, na categoria livro de poesia, com A imitação do amanhecer, publicado em 2006.
Nasceu em 12 de novembro de 1940, no Rio de Janeiro, em família de intelectuais. Os escritores Lúcia Miguel Pereira e Otávio Tarquinio de Sousa eram seus tios; os críticos Barbara Heliodora e Antonio Candido, seus primos.
Em 1964, exilou-se voluntariamente por conta do regime militar brasileiro. Foi à Europa, onde ficaria por quase 30 anos, retornando apenas em 1993. Além do português, escreveu em inglês, francês e italiano – as duas primeiras aprendeu em casa, antes mesmo do português. Lecionou literatura nas universidades de Oxford, Bristol e Essex e trabalhou com o grande poeta inglês W.H. Auden na editora de poesia em Oxford.
‘Não tenho onde escrever. Sou herdeiro, e me considero assim, da combatividade crítica de José Guilherme Merquior. Crescemos e fomos amigos juntos, tínhamos idéias convergentes embora nem sempre coincidentes. Quando ele morreu, em 1991, houve um grande suspiro de alívio entre nossos críticos e poetômanos. Infelizmente ele era embaixador. Eu não sou embaixador de nada. Essa gente está morta de medo de que eu venha a ter uma tribuna. Não me importa ser celebrado lá fora. Não faço falta lá, há muitos outros como eu. Aqui, com esta independência, cultura, erudição e combatividade, não tem outro que nem eu’, disparou em polêmica entrevista à revista Veja, em 1996, quando não poupou nomes consagrados da intelectualidade brasileira, dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos a Chico Buarque e Caetano Veloso.
Pé da letra
Não poupou nem a si mesmo. ‘Sou um vira-lata muito barulhento’, disse. ‘Não estou sendo duro com o Brasil. Quero saber quem seqüestrou a inteligência brasileira. Quero meu país de volta.’
‘Por suas atitudes polêmicas, Bruno Tolentino é visto menos como poeta do que como personalidade da vida literária, no que, creio eu, é a sua estatura que acaba prejudicada’, destacou em sua coluna em O Globo, em 1998, o crítico Wilson Martins – um dos poucos que Tolentino poupou, ainda que dele dissesse que ‘não tem lá muito gosto poético’.
Entre outros livros lançados por Tolentino estão Anulação e outros reparos (1963), Le vrai le Vain (1971), About the hunt (1979), Os deuses de hoje (1995), Os sapos de ontem (1995) e A balada do cárcere (1996).
Mais sobre Bruno Tolentino
Jornal de Poesia e Plataforma para a Poesia
O espírito da letra
[Um poema de A balada do cárcere]
Ao pé da letra agora, em minha vida
há a morte e uma mulher… E a letra dela,
a primeira, me busca e me martela
ouvido adentro a mesma despedida
outra vez e outra vez, sempre espremida
entre as vogais do amor… Mas como vê-la
sem exumar uma vez mais a estrela
que há anos-luz se esbate sem saída,
sem prazo de morrer na luz que treme?!
O monstro que eu matei deixou-me a marca
suas pernas abertas ante a Parca
aparecem-me em tudo: é a letra M
a da Medusa que eu amei, a barca
sem amarras, sem remos e sem leme…’
Bruno Tolentino
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