Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A responsabilidade dos donos da grande mídia

Na trágica situação que vivemos em relação às questões de segurança pública, sobretudo da violência urbana, o envolvimento cada vez maior de jovens de todas as classes sociais – tanto como vítimas quanto criminosos – é um dado da realidade que desafia a compreensão e a capacidade de resposta de famílias, autoridades públicas e estudiosos.

Notícias recentes dão conta de que até um jovem e conhecido ator de novelas teria participado, com outros jovens, em ato de violência no Rio de Janeiro. Esse é mais um motivo de renovadas preocupações. Somos um país de forte tradição folhetinesca, onde a ficção das novelas e a realidade concreta muitas vezes se confundem nas telas da TV. Além disso, os atores estão em uma condição privilegiada de visibilidade e, mesmo involuntariamente, se transformam em modelos de comportamento, balizadores de tendências da moda, orientadores de consumo (vide o uso de atores na publicidade) para milhões de adolescentes.

A violência é um problema complexo, de causas múltiplas, que não se resolve com a transposição pura e simples de modelos importados de outras sociedades. Além disso, envolve interesses poderosos do crime organizado, do tráfico de drogas e do comércio de armas – que, aliás, teve importante vitória em recente plebiscito no nosso país.

Ecos de um seqüestro

Neste cenário complexo e assustador, não basta à mídia dar ampla cobertura jornalística às tragédias cotidianas de violência. Como serviço público e instituição que ocupa uma inegável centralidade na estrutura das sociedades contemporâneas, é preciso que a mídia vá muito além.

É exatamente por isso que chama atenção a omissão dos donos da grande mídia e de muitos jornalistas em reconhecer que a mídia – a televisão, o cinema, os videogames – é, ela própria, parte do problema e também da solução, e não apenas uma instituição que ‘mostra’ a escalada da violência e cobra providências das autoridades.

O embate ainda não resolvido entre concessionários do serviço público de radiodifusão e o Ministério da Justiça – em torno da Portaria 264, que regula a classificação indicativa dos programas de televisão – é um exemplo dessa omissão, ao mesmo tempo em que revela como, em algumas circunstâncias, o interesse comercial dos empresários – disfarçado de defesa da liberdade de imprensa – prevalece sobre o interesse público.

Há cerca de um ano, tratei dessa mesma questão neste Observatório (‘A violência urbana e os donos da mídia‘). Naquela ocasião, um jornalista havia sido seqüestrado por um grupo de criminosos que exigia a exibição de vídeo em rede de televisão.

Lembrei que, nos Estados Unidos, os National Television Violence Studies, financiados pela National Cable Television Association (NCTA) – equivalente à nossa ABTA – e realizados durante os anos 1990 por um pool de grandes universidades (Califórnia, Carolina do Norte, Texas e Wisconsin), confirmaram as hipóteses de correlação positiva entre exposição a conteúdo violento de programas de televisão e índices de violência. Esses estudos deram origem a uma série de recomendações sobre o conteúdo da programação para a indústria de entretenimento.

Contribuição efetiva

Os resultados de pesquisas realizadas em outros países – e algumas aqui mesmo, no Brasil – sobre as relações entre comportamento violento e programação de TV não são novidade para os executivos dos principais grupos de mídia. Dessa forma, a questão fundamental que permanece e que precisa ser respondida é: será que a programação comercial de entretenimento das concessionárias privadas de televisão no Brasil – e seus horários de exibição – não teriam alguma relação e/ou influência sobre a agressividade criminosa que vitima nossos jovens?

É oportuno, portanto, que se renove a proposta que fiz, aqui mesmo no OI, há um ano, e que, claro, não mereceu qualquer reação ou resposta: a exemplo de seus pares em outras partes do mundo, os grandes grupos de mídia privada no Brasil deveriam destinar parte de seus lucros para a pesquisa das causas da violência entre nós. Parcerias neste sentido poderiam ser feitas com universidades públicas e/ou privadas.

Os resultados forneceriam diretrizes às autoridades públicas, aos próprios donos da mídia e aos jornalistas para a identificação de iniciativas que podem e devem ser tomadas para contribuir de forma efetiva para a solução dos problemas de segurança pública que interessam a toda a sociedade.

Essas iniciativas não se reduziriam apenas à cobertura jornalística do violento cotidiano de nossas cidades. Há, certamente, muito mais que pode e deve ser feito.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: crise política e poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006)