Dia de domingo, vendagem ampliada, O Globo estampa no coração da primeira página ilustrações toscas de táticas de combate acompanhadas da manchete: ‘Alemão usa manual de guerrilha feito por militar’. Na manhã do dia seguinte (segunda, 9/7), o secretário de Segurança Pública anunciou que o ‘manual’ apreendido pela polícia comprovava a necessidade das investidas policiais contra o Complexo do Alemão.
Taí, não deixa de ser uma metáfora curiosa. Justifica-se a matança promovida pela polícia a partir de rabiscos rudimentares que lembram o traçado de uma criança. Uma explicação infantil. Assim como infantil é esse joguinho feito entre O Globo e governo do estado, justo no momento em que os laudos comprovam que pessoas foram torturadas e executadas a sangue-frio, inclusive com tiros pelas costas, no dia 27 de junho. Interessante…
Isso prova que os moradores, nos quais O Globo nunca acredita, estavam falando a verdade. E a polícia estava mentindo. E o governo do estado do Rio de Janeiro e seus burocratas estavam mentindo. Mas O Globo deu 95% do espaço para sustentar essas mentiras, nos dias seguintes à matança. E os outros 5% eram coisas do tipo ‘moradores afirmam que teriam…’, assim, sempre no futuro do pretérito, que é o jeito do jornal publicar uma informação em que não acredita ou que deseja desqualificar. Mas de repente os laudos com provas gravíssimas saem de cena e entra esse ‘manual de guerrilha’.
Até quando?
Para completar o serviço, O Globo publica mais uma chamada na primeira página, onde se anuncia com espanto: ‘O manual `ensina até como monitorar as freqüências de rádio da polícia´’. Ora, ora, quanta hipocrisia… Qualquer foca sabe que os jornalões monitoram a freqüência da polícia. A ordem é ter sempre alguém na ‘escuta’ e quando ouvir um ‘triplo uno’, que significa homicídio, telefonar para a polícia, mentir dizendo que alguém ligou fazendo a denúncia, e pegar mais informações. Então que grande escândalo é esse?
Vamos brincar de sensacionalismo também: ‘Jornalões monitoram freqüência da polícia’. Aí, na seqüência, alguém telefona para a Polícia Federal, anuncia o ‘furo’ e pergunta: ‘Ei, vocês não vão fazer nada?’ Que tal?
Na edição de terça-feira (10/7), o tal manual de guerrilha continua rendendo. Manual, aliás, que a polícia conhecia havia dois anos. Mas de repente virou novidade para O Globo. Na terça, a chamada de capa, assustadíssima, avisa que o ‘chefe’ do tráfico tem mais seguranças (38) que o presidente da República, e quase o mesmo número de agentes (40) que protegem o maior tirano da história, George Bush.
Até quando O Globo vai usar esse manual? Até a polícia promover um novo massacre na favela, matando e ferindo pessoas que não têm nada a ver com o tráfico varejista? Se você quiser telefonar para O Globo para comunicar seu descontentamento com essa incitação ao crime, o telefone é (21) 2534-5000. Deixe um recado para Rodolfo Fernandes, o editor-chefe.
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Jornalista, editor do FazendoMedia