É indescritível o nível a que podem chegar certos veículos da imprensa quando perseguem a meta de linchar determinadas personagens públicas. Deu semana passada no Jornal da Globo: ‘Palocci embarcou’. A reportagem sugeria enfaticamente (ou seria levianamente?) que o ex-ministro fazia alguma coisa errada, ao embarcar tranqüilamente para a Espanha num vôo da Iberia. Mas faltou informação.
Tal e qual uma Veja em vídeo, insinuava-se muito sem informar nada. O avião embarcou com um único passageiro? Se não, que fizeram os outros para embarcar? O que caracterizou/comprovou o privilégio de Palocci? Quais as evidências de favorecimento do deputado? Quem falou? Nada, rigorosamente nada.
Assim, o dito pelo não dito, terminou misteriosamente a reportagem. E os jornais ainda se deram ao trabalho de repercutir no domingo (8/7). A Folha de S.Paulo, dentre as notícias do ‘caos aéreo’, informou: ‘Flagrado pela TV, Palocci nega ter furado fila em Cumbica’. Ou seja, Palocci foi ‘flagrado’. Fazendo o quê? Embarcando. E lá vai o ex-ministro negar que fez o que ninguém teve a coragem de acusar às claras.
Os demais trechos são ‘esclarecedores’: ‘As imagens mostram Palocci, ex-ministro da Fazenda do governo Lula, durante conversa com funcionários. Ele apresenta documentos e obtém acesso à parte interna do aeroporto.’ E assim aprendemos como se pega um avião. Depois ficamos sabendo que, ‘em nota, a Iberia informou que Palocci, tal como outros passageiros do mesmo vôo, escutou o aviso da companhia e se apresentou para embarcar. ‘Esse é um procedimento habitual’, diz a nota da Iberia. Segundo a empresa, assim como as outras companhias aéreas, o aviso ocorre para evitar que passageiros percam o vôo. Outra intenção do chamado é evitar atrasos nas decolagens.’
Ah, bom! Fico pensando na quantidade de vezes em que qualquer um de nós, habituado a utilizar aeroportos, já chegamos no portão de embarque após a primeira ou segunda chamada e fomos recebidos por algum funcionário que, após rápida conferência de nosso bilhete, nos encaminhou imediatamente. A Globo e outros, sem se dar ao trabalho de investigar mais, viram nisso um problema, um ato imoral.
Horas a fio
Esse é apenas mais um episódio da péssima cobertura, histérica e esquizofrênica, que a ‘grande imprensa’ vem fazendo do chamado ‘caos aéreo’. Outros:
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Ninguém fala que o problema está ocorrendo em aeroportos do mundo inteiro, inclusive dos EUA;**
Ninguém fala que tem a ver, sim, com o rápido crescimento da economia e, em conseqüência, dos usuários desse meio de transporte; o ministro Guido Mantega disse isso e tentaram execrá-lo, como se tivesse dito alguma piada. Cadê os números? Por que a imprensa não mostra o gráfico com o crescimento dos números de vôos e de passageiros nos últimos 10 ou 20 anos, por exemplo?**
O tempo todo se propaga um sentimento de insegurança incompatível com os fatos: acidente, só o da Gol, por enquanto; voar continua sendo o jeito mais seguro de viajar;**
Mistura-se tudo, inclusive nevoeiros, que sempre ocorreram e impediram os vôos, num mesmo balaio de ‘caos aéreo’;**
Não se investiga a fundo a prática de overbooking, que as companhias estão praticando no lastro de outros problemas;**
Não se divulga, talvez pelas mesmas razões, as ações judiciais que os clientes têm ganhado das companhias;**
Em nenhum momento, o conjunto de fatores que motiva o atraso é mostrado. Quase sempre as matérias se resumem a exibir passageiros histéricos; não há princípio, meio e fim, não há histórico; fala-se, genericamente, em ‘caos’ e ‘crise’;**
Não se cobra a solução para cada problema, mas genericamente, ‘uma solução’. Se há uma crise e sabemos que tem várias causas, deve-se cobrar solução para cada uma delas individualmente, o que facilita o esclarecimento e acompanhamento do caso pelo leitor/telespectador. Exemplo: se um dos problemas é a carência de controladores… Foi feito concurso? Quando? Quantos admitidos? É o suficiente? Aaos novos, quando estarão aptos a atender?É isso. Para não mencionar o fato de que, todos os dias, morrem centenas em nossas estradas e o trabalhador comum acorda às 4 da manhã e mofa no ponto para dependurar-se em vários ônibus lotados por horas a fio. Rotina diária e inclemente, há décadas. E nenhum grande veículo se importou. Nunca acharam que isso configurasse uma crise. Ou o caos. Jornalista não anda de ônibus lotado.
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Jornalista, Brasília, DF