A Chamada Geral pela Integração Latino-Americana realizou sábado (7/7), no Centro de Convenções de Curitiba, a Plenária Geral sobre Democratização dos Meios de Comunicação. O evento contou com a presença do jornalista Raimundo Pereira (CartaCapital), do professor da USP Laurindo Leal, do jornalista do programa Brasil Nação, Beto Almeida, e da deputada venezuelana Marelis Perez Marcano. Os trabalhos foram dirigidos jornalista da TV Educativa do Paraná, Edson Faxina.
O jornalista Raimundo Pereira contextualizou histórica e politicamente a evolução do sistema de comunicação brasileiro, dando destaque ao período getulista: ‘No Estado Novo havia oito jornais no Brasil. No segundo governo, prevendo os monopólios, Vargas criou o jornal Última Hora, que era um excelente jornal. A democratização dos meios de comunicação foi atropelada pelo regime militar que se instaurou em 1964 ‘, afirmou.
Pereira ressaltou o fortalecimento dos atuais monopólios de comunicação existentes no país como uma estratégia política dos militares: ‘Este sistema dos quais fazem parte a Veja, a Folha de S.Paulo, o Estadão e O Globo teve o apoio dos militares’, disse. O aparato ‘sustentado’ pelo Estado permitiu que estes meios criassem, com habilidade técnica e poder financeiro, um filtro sobre a realidade diária do país que se mantém até hoje: ‘Não dou uma importância absoluta para o poder que os monopólios têm, porque apesar da força que possuem não conseguiram impedir, por exemplo, a queda da ditadura, nem evitar as diretas ou a eleição do Lula’, explicou.
O jornalista também levantou questionamentos sobre a atual credibilidade dos grandes meios de comunicação nacionais e internacionais a partir da invasão ao Iraque, por parte dos EUA: ‘Os EUA convenceram os principais jornais do mundo de que o Iraque tinha armas de destruição em massa, o que se verificou não ser verdade’. Para Pereira, os monopólios da comunicação estão a serviço do ‘capital invisível’ que pertence a 5 mil famílias do país.
Subsídio vs. eficiência
O jornalista Beto Almeida questionou a suposta eficiência dos grandes meios de comunicação através da constatação de que estes sempre se utilizaram de recursos públicos: ‘Defendem o Estado mínimo e liberal nas suas linhas editoriais, mas sempre correram atrás dos financiamentos do BNDES’, disse. Outro exemplo citado por Almeida da dependência dos grandes meios de comunicação dos recursos estatais foi à utilização, durante muito tempo, dos satélites do governo para suas transmissões: ‘Em quatro anos consumiram mais de um bilhão em verbas de comunicação do Estado e afirmam que a criação de uma TV pública vai utilizar muito dinheiro do Orçamento. O que as redes privadas querem é que o governo gaste dinheiro só com elas’, argumentou.
Almeida denunciou a parcialidade ideológica das grandes redes afirmando que existe um acúmulo da ‘dívida de informação’ para com o povo brasileiro. Para confirmar sua hipótese, deu exemplos de informações que foram ‘sonegadas’: ‘Seis milhões de pessoas serão operadas gratuitamente da doença de cataratas na América Latina até 2010, em um convênio da Venezuela com Cuba. A Venezuela aboliu o analfabetismo. Alguém viu isto na manchete de algum grande jornal brasileiro?’, perguntou.
Almeida fez apologia das políticas públicas de comunicação: ‘Foi através da Rádio Nacional, criada na Era Vargas, que pudemos conhecer Elis Regina. Um levantamento revela que nas 5 mil FMs existentes, ouvimos somente 27 estilos de música. Os `anunciantes´ rebaixam o jornalismo e o entretenimento ao nível dos interesses comerciais e não da maioria da população. Precisamos de uma rede pública em todo o território nacional para a construção da brasilidade’, defendeu.
RCTV vs. democracia
A deputada venezuelana Marelis Perez Marcano saiu em defesa do governo de seu país que negou a renovação da concessão a RCTV: ‘Uma coisa é a concessão, outra é a apropriação por parte de um meio de comunicação do direito humano da informação’. Perez afirmou que os EUA não conseguirão separar a Venezuela dos demais latinos: ‘Não conseguiram nada na Organização dos Estados Americanos. No Parlamento Europeu, dos 780 parlamentares, acharam somente 80 da direita para assinar uma moção de repúdio à negativa da concessão’.
A deputada afirmou que na Venezuela existem 73 redes de televisão regionais e 200 emissoras alternativas e que a concessão da RCTV foi negada porque esta ‘promovia a insurgência civil contra a Constituição do país’: ‘No lugar da RCTV temos agora a Televisão Social da Venezuela (TSV), uma TV de serviço público necessária ao país, que conta com humoristas, atores, jornalistas e outros profissionais com seus direitos trabalhistas garantidos’.
Comércio vs. cidadania
O professor da USP Laurindo Leal frisou o retrocesso do debate sobre as políticas públicas de comunicação a partir a lógica dominante do neoliberalismo: ‘Abandonamos o fórum de debates da Unesco e passamos a discutir comunicação na Organização Mundial do Comércio’, explicou. Para Leal, a negação da concessão a RCTV, na Venezuela, foi um ‘marco no continente’: ‘Precisamos debater sim se as redes privadas estão cumprindo com seus compromissos constitucionais, já que as concessões são públicas e devem obedecer a critérios’.
Subsidiando sua exposição com a experiência que teve como pesquisador quando, por razões acadêmicas, freqüentou a redação da Rede Globo de Televisão, Leal descreveu o processo de escolha da linha editorial do principal jornal televisionado do país: ‘O editor-chefe comparou o telespectador ao personagem Homer Simpson, dos desenhos animados. Em trinta segundos, decidia o que ou não ia para a tela. A notícia que informava que a Venezuela estava fornecendo petróleo a preços baixos para os estados pobres atingidos por um furacão nos EUA não servia, mas a notícia que um juiz estava dando liberdade para presidiários por falta de vagas nas prisões foi celebrada por todos na redação’.
Leal também saiu em defesa da criação de uma rede pública de televisão no país: ‘O limite da TV privada é a audiência, não importando o que tenha que transmitir para conseguir isso. A rede pública vai além e pode incentivar a formação de um público mais exigente’. O professor lamentou que os brasileiros não tenham tido oportunidade de adquirir um acúmulo de consciência crítica com relação aos outros modelos de TV como os europeus: ‘O europeu já nasce tendo como parâmetro as televisões públicas para o resto das programações transmitidas pelos demais canais’, afirmou.
Quem elegeu este modelo?
Edson Faxina, da TV Educativa do Paraná, indagou sobre a legitimidade do processo de renovação das concessões sem critérios democráticos e legislativos: ‘Afinal, quem votou nas redes privadas? Qual a legitimidade democrática das grandes redes para que estejam acima das leis e da Constituição?’, afirmou. O argumento de Faxina ganha expressão diante da constatação de que Administração Federal de Comunicações (FCC na sigla em inglês), um órgão do governo dos Estados Unidos, fechou 141 concessionárias de rádio e TV entre 1934 e 1987. Em 40 desses casos, a FCC nem esperou que acabasse o prazo da concessão. Os dados foram levantados por Ernesto Carmona, presidente do Colégio de Jornalistas do Chile.
Embora tenham ocorrido centenas de casos de negação de renovações de concessões de canais de comunicação em diversas partes do mundo, como Reino Unido, Canadá, França e América Latina, em nenhuma deles houve um motivo tão escandaloso como o da RCTV, para qual a maioria da grande imprensa brasileira voltou seus holofotes e saiu em defesa, apesar da óbvia tentativa de burla das regras democráticas, registrada inclusive por documentários feitos por outros países.
Faxina também destacou a decisão da Rede Globo de Televisão de proibir na justiça a exibição em território brasileiro do documentário feito pelo Channel Four de Londres, Muito Além do Cidadão Kane, que conta a trajetória da emissora: ‘Estas redes posam de democráticas, mas utilizam de todo tipo de artifício, inclusive o da censura, para evitar que as informações cheguem ao público’, disse.
Em outubro ocorre o processo de renovação das concessões dos meios de comunicação brasileiros, e a mesa foi unânime em alertar para a necessidade da exigência de cumprimento de critérios constitucionais para a continuidade das renovações.
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Jornalista e escritor, Curitiba, PA