Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Olha: estão falando da gente!

Está certo que tirar um jornal em um feriado de quinta-feira não é para qualquer um. (Na semana passada, a salvação da lavoura foi Ray Charles ter morrido na quarta: ele teve todo o espaço a que a sua genialidade tinha direito e mais um pouco, por falta de concorrentes, vivos ou mortos.)

Mesmo em dias de absoluta secura, porém, é preciso preservar um mínimo de senso jornalístico de medida na escolha do que publicar e como; quanto mais não seja para não dar na vista do leitor pouquinho menos distraído.

Foi o que o Estado decerto achou que não era o caso no preparo da edição seguinte ao Corpus Christi, ao gastar 126 linhas de coluna com um artigo da Economist sobre a política externa do governo Lula, ao lado de uma imagem capturada da internet – e sob um título de página inteira.

Por pouco não transcreveu o artigo de cabo a rabo. O qual, diga-se, está nos conformes, mas não traz nenhuma revelação, nem contém revelações, aspas ou pensatas de parar as máquinas.

A Folha também registrou a matéria – em decorosas 24 linhas.

O vazio noticioso pode ter contribuído para o derramamento desproporcional do Estadão. Mas, a julgar pelo retrospecto, o jornal parece cultivar uma questionável atitude de reverência pelo que a Economist tem a declarar sobre o país.

Este ano, a revista publicou 16 reportagens centradas no Brasil. Nove delas saíram no Estado, quase todas já no dia seguinte a sua aparição na internet, às quintas. Por saíram entenda-se a publicação de burocráticos resumos dos textos originais – mera cozinha.

Nela, aos substantivos Economist, revista, semanário, publicação, seguem-se os verbos característicos: registra, considera, lembra, assinala, afirma, ressalva, cita, salienta, comenta, destaca. Além dos inevitáveis de acordo com, segundo, conforme…

‘Lugar muito sombrio’

A Economist pode ser a revista semanal de informação mais importante do mundo. [E este leitor é seu fã assumido.] Nem por isso, tudo que nela aparece – sobre o Brasil ou o que se queira – espelha essa grandeza ou é a verdade revelada.

Além disso, é difícil acreditar que aqueles dos seus leitores que mais se interessam pelo Brasil – ou pelos quais o Brasil mais se interessa – dependam exclusivamente da Economist para formar opinião a nosso respeito. O que poderia ser um motivo para um jornal brasileiro ficar tanto de olho no que ela diz do país.

Se ao menos o Estado ‘dialogasse’ de alguma forma com os textos da revista em vez de apenas cozinhá-los, poderia prestar um serviço ao leitor. Como não o faz, é como se se limitasse a dizer-lhe: olha, estão falando da gente!

O Estado não é a única publicação brasileira a se abrir costumeiramente para o que falam de nós. Nem é a única a que parece faltarem critérios para saber quando transcrever esse tipo de material do exterior.

Exemplos óbvios são atos ou manifestações de autoridades brasileiras envolvendo política ou economia internacional e acontecimentos de impacto (positivos ou negativos) no país.

Sem falar de matérias como a do New York Times sobre a suposta ‘preocupação nacional’ com o presidente e a bebida – e da repercussão no estrangeiro sobre a reação do governo.

Ou quando a matéria ‘brasileira’, não importa do que trate, seja de aplaudir em cena aberta. A propósito, este leitor não se lembra de reportagem mais forte sobre o Carandiru e a violência em São Paulo do que a de Roger Cohen, do New York Times, atualmente baseado em Londres, publicada em 29 de abril de 2000.

Sob o título ‘ A Brazilian convict´s path from poverty to `a very dark place´’ (O percurso de um condenado brasileiro da pobreza a ‘um lugar muito sombrio’), tem robustas 3.100 palavras e um personagem, o jovem assassino Leandro Luis Bernardo Dias, que não deve nada ao Zé Pequeno, de Cidade de Deus.

Este leitor tampouco se lembra de que ela tenha saído aqui.



A prova da abdicação

O colunista Ancelmo Gois, do Globo, informou no último sábado que o Jornal do Brasil resolveu suspender a publicação do artigo semanal de Alberto Dines ‘por causa das críticas ao jornal feitas pelo jornalista no site Observatório da Imprensa‘.

Dines escreveu: ‘O JB abdicou de fazer jornalismo. Parece jornal, tem periodicidade de jornal, tem os atributos formais de um jornal, tem uma história incorporada ao jornalismo brasileiro, mas neste momento é movido por dinâmica e prioridades diferentes das de um jornal’.

A represália prova que ele estava certo.