Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Os primeiros ataques a Daniel Dantas



Continuação da série iniciada aqui.


Enquanto a guerra santa contra Lula campeava à solta, os novos diretores davam início a movimentos curiosos, mas que começariam a fazer sentido nos meses seguintes.


Um dos primeiros atos de Eurípides foi contratar o jornalista Márcio Aith, profissional respeitado, com passagens pela Gazeta Mercantil e Folha de S. Paulo. Pouco antes, Aith ganharam destaque pela matéria sobre o ‘dossiê Kroll’, publicada na Folha de S.Paulo, que implicava Daniel Dantas na espionagem de adversários e membros do governo


Nos meses seguintes, Dantas seria submetido a um tiroteio de denúncias. Era a primeira parte da estratégia da Veja, sob nova direção.


Poderia ser para atingir a concorrente IstoÉ – claramente alinhada com Dantas. Poderia ser uma forma de chamar o banqueiro para conversar.


No dia 28 de julho de 2004, saiu o primeiro petardo contra Dantas. Na matéria ‘Um negócio de espiões’, de Alexandre Oltramari, ele era frontalmente acusado de espionar autoridades brasileiras (clique aqui).


‘O caso mais explícito, e o mais grave, é a vigilância de espiões sobre os passos de Cássio Casseb, atual presidente do Banco do Brasil e ex-conselheiro da Telecom Italia. Nos relatórios divulgados na semana passada, fica-se sabendo que a Kroll Associates, a maior empresa de investigação corporativa do mundo, contratada pelo Opportunity, andou no encalço de Casseb por quase um ano, tendo, inclusive, monitorado suas contas bancárias pessoais – numa flagrante violação da lei brasileira.’


Nesses movimentos iniciais, nas matérias da Veja Dantas era o vilão; os demais, suas vítimas. 


As entradas de Dantas na revista se davam, apenas, através da seção ‘Radar’, de Lauro Jardim. Mas, de uma maneira geral, a linha editorial da revista continuava na direção oposta: atacar Dantas.

No dia 03 de novembro de 2004, outro petardo contra Dantas, a matéria ‘O dia da caça’, assinada por Márcio Aith. O subtítulo já era indicativo do tom da matéria:




‘A Polícia Federal deflagra uma operação contra a Kroll, que, contratada pelo banqueiro Daniel Dantas, pode ter espionado até o ministro José Dirceu’.


Na matéria se dizia que:




‘A Kroll, contratada pela Brasil Telecom dominada por Dantas, foi acusada de usar métodos ilícitos numa investigação que teria como objetivo levantar informações comprometedoras sobre a Telecom Italia. Os indícios de que a empresa de investigação vinha agindo à margem da lei foram reforçados à Polícia Federal pela própria Telecom Italia.


‘Conversas entre Verdial e seu chefe, o inglês que se apresenta como William Goodall, mostram também que fontes policiais e da Receita Federal foram pagas pela Kroll para facilitar o acesso da empresa a informações sigilosas de seus investigados.’


A matéria revelava as ligações jornalísticas de Dantas:




‘Os documentos repassados à Polícia Federal pela Telecom Italia incluem um e-mail que a PF atribui ao jornalista Leonardo Attuch, da revista IstoÉ Dinheiro. A mensagem foi enviada em setembro para Charles Carr, chefe do escritório da Kroll em Londres. Nela, o remetente, que se identifica por meio do pseudônimo `Silvio Berlusconi´, comenta em tom de intimidade uma reportagem que havia feito sobre a empresa italiana Tecnosistemi, ligada ao grupo Tim e envolvida em denúncias de falência fraudulenta [na edição datada de 14 de julho deste ano, a revista IstoÉ Dinheiro saiu com uma reportagem sobre o assunto, assinada por Attuch]. No fim da mensagem, o remetente afirma que gostaria de ter acesso `à informação que você tem sobre o Dirceu´. Conclui dizendo: `Tenho certeza de que renderia uma grande reportagem´.’


No final da matéria havia um boxe, ‘O gênio do mal’, de Lucila Soares e Monica Weinberg, traçando um perfil de Dantas.




‘Também seus colegas na corretora Triplic, onde trabalhou no início da carreira (quando ainda usava rabo-de-cavalo e bolsa a tiracolo), espantavam-se com seu talento, que lhe rendeu o apelido de `professor Gavião, o gênio do mal´. Era só uma brincadeira de jovens, mas já caracterizava um estilo marcado pelo hábito de `agir na fronteira´, na definição do próprio Dantas. A expressão traduz uma ousadia que, segundo amigos, é capaz de levar o banqueiro a atuar freqüentemente no limite da legalidade.’


Não foi a última estocada em Dantas. No dia 18 de maio de 2005 sairia uma terceira matéria grande, ‘A usina de espionagem da Kroll’, assinada por Marcelo Carneiro e Thais Oyama, em cima de uma operação da Policia Federal contra a Kroll. Anotem a data porque marca o fim da era de críticas a Dantas.


Dizia a matéria:




‘Até então, porém, suspeitava-se que a empresa havia atropelado os limites estabelecidos pela Constituição para atender apenas aos interesses da Brasil Telecom – até o mês passado comandada por Daniel Dantas, do banco Opportunity. O material reunido pela PF no curso da investigação, batizada de Operação Chacal, revela, no entanto, que pelo menos desde a década de 90 a Kroll se dedica a monitorar a vida de dezenas de pessoas, entre elas políticos e empresários – e nem sempre por meio de expedientes legais’. 


O simples fato de se saber que praticava ilegalidades já seria suficiente para ser tratado com cautela por qualquer jornalismo sério. A revelação de que comprava reportagens recomendava afastamento total.


Nos meses seguintes, porém, uma profunda transformação aconteceria na linha editorial da revista que denunciara, pouco antes, essas manobras de Dantas.


***


Os assassinatos de reputação


O assassinato de reputações, como arma comercial


Aí é necessário uma pausa para retornar ao tema do jornalismo de negócios.


No primeiro capítulo, mencionei o uso de matérias jornalísticas nos processos judiciais. Dentro dessa lógica, uma das ações mais abjetas praticada pelo submundo que orbita em torno de empresas de inteligência, como a Kroll, é o chamado ‘assassinato de reputação’.


Trata-se de manobras para levantar escândalos falsos ou verdadeiros, visando destruir a confiança da opinião pública em uma pessoa.


Dois episódios são bastante ilustrativos sobre esse tipo de manobra.


Um deles protagonizado em 2001 pelo jornalista Ricardo Boechat. Em abril daquele ano, assessores de Dantas procuraram várias mulheres jornalistas do Rio de Janeiro, com a história de que a ex-mulher de Demarco, que teria sido espancada pelo marido. Conversaram com Elvira Lobato, da Folha, Fernanda Delmas, de O Globo, jornalistas do Estadão e da Gazeta Mercantil.


O assessor levava uma parte do processo, onde havia um BO (Boletim de Ocorrência) lavrado em uma Delegacia de Mulher. BO, como se sabe, não representa nem julgamento nem apuração. É apenas uma denúncia de uma das partes. Qualquer pessoa pode ir a uma delegacia e lavrar um BO contra um desafeto. Depois, é que se irá conferir se tem fundamento ou não.


As jornalistas cumpriram um preceito básico do jornalismo: ouvir o outro lado. Procurado, Demarco mostrava o processo de separação. Como a denúncia não era clara ou confiável, ninguém deu nada.


Mas, no dia 22 de abril de 2001, aproveitando-se das férias do titular, os assessores do Opportunity conseguiram emplacar uma nota na coluna do Ricardo Boechat:




Caso de polícia


‘O empresário Luiz Roberto Demarco, que anda às turras com o Opportunity, tem um grande problema doméstico. Sua ex-mulher, a executiva Maria Regina Yazbek, entrou na Justiça de São Paulo pedindo a reintegração de posse do BMW Z3, que foi tomado depois de uma separação litigiosa.


‘O carro era um presente de aniversário.


‘Demarco espancou a ex-mulher, que ficou internada seis dias no Hospital Albert Einstein.


‘A agressão foi registrada na 2. Delegacia da Mulher em São Paulo.’ 


De volta das férias, Boechat percebeu a manobra e no dia 6 de maio de 2002 deu, com o mesmo destaque, a retratação da notícia.




Baixo nível 


‘É pesado o jogo contra Luiz Roberto Demarco, antigo sócio do banqueiro Daniel Dantas e hoje seu adversário em várias ações judiciais.


‘Semana passada, vários jornais receberam notícias inexatas sobre o processo de divórcio do empresário, tentando atingi-lo moralmente.


‘A manobra foi conduzida junto às redações por uma assessoria de imprensa a soldo do Banco Opportunity, do qual Dantas é proprietário.’ 


O episódio nunca passou de um BO que não teve seqüência. Se tivesse sido constatada a agressão, na qual a vitima supostamente teria ficado seis dias internada no Einstein, o BO teria evoluído para um inquérito policial. Ou não?


Alguns meses depois, Boechat foi abatido por um ‘assassinato de reputação’ cometido pela mesma revista Veja (e já mencionado no primeiro capítulo da nossa história). A revista divulgou um grampo, com uma conversa de Boechat com uma fonte, que em nada depunha contra o jornalista. A mão de Dantas estava por trás do dossiê.


Quando Dantas ainda estava no controle da empresa, na correspondência entre a Brasil Telecom e a Kroll, os americanos mencionam expressamente a tática do ‘assassinato de reputação (character assassination) (clique aqui).


Mas Dantas ainda estava na era dos pequenos assassinatos. Tinha pouca entrada na mídia – em função de sua biografia –, e precisou apelar para blogs contratados e para jornais fantasmas.


No dia 17 de março de 2004, um tal de O Povo, do Rio de Janeiro, tiragem de 2 mil exemplares, publicou uma matéria sobre seu arquinimigo Demarco, que acabou anexada ao processo que corre em Nova York – do Citigroup contra Dantas.


A notícia foi plantada em O Povo e em um site jurídico. Foi incluída no processo de Nova York. Nem havia como processar o tal jornal, que desapareceu na poeira.


Conto isso para mostrar qual era a situação de Dantas quando Veja começou a atacá-lo. Sua única perna na mídia – o jornalista Leonardo Attuch – estava sendo bombardeado pela revista de maior circulação do país. Os outros pontos de apoio – Giba Um e Cláudio Humberto, o tal de O Povo – eram utilizados nos processos judiciais, mas não conseguiam chegar até os formadores de opinião.


Por aqueles dias, Dantas vivia seus piores momentos.


Em julho de 2004 saiu a matéria de Márcio Aith, na Folha, sobre o caso Kroll. Em outubro de 2004, a Policia Federal deflagrou a Operação Chacal que pela primeira vez pegou Dantas. Hoje ele responde a três processos na 5ª Vara Federal: formação de quadrilha, corrupção ativa e espionagem.


No início de 2005, o Citibank demitiu Dantas por ‘quebra de confiança fiduciária’ – imputação gravíssima no mercado. Os fundos de pensão já tinham feito o mesmo. E, agora, Veja começava a torpedear seus únicos pontos de contato com a mídia.


O que fazer? Dantas procurou se aproximar da revista. A maneira como conseguiu penetrar no centro de comando da Veja merece um capítulo à parte.


***


O quarteto de Veja


Dantas se aproxima e a revista muda seu rumo editorial


Disparados os primeiros petardos, Dantas procurou se aproximar de várias frentes na Veja. Há tempos mantinha relacionamento com Lauro Jardim, editor da seção ‘Radar’, onde costumava plantar corriqueiramente balões de ensaio. 


Em meados de 2005, provavelmente entre maio e junho, a relação se amplia. 18 de maio de 2005 é a data do último ataque a Dantas; 15 de junho de 2005 o início ostensivo da mudança de rota.


Através de Jardim, Dantas se aproxima de Eurípides. Pareciam até movimentos concatenados da parte da direção da revista. Primeiro, os ataques a Dantas e a seus representantes na imprensa. Depois, a abertura para conversas. 


Nesse jogo, papel central passaria a ser ocupado por Diogo Mainardi. Pouco tempo antes, ele havia escrito algumas colunas falando de fundos de pensão. Por alguma razão, houve uma espécie de leilão no Rio de Janeiro para conseguir seu passe.


O mundo dos lobbies cariocas


E aí vale uma segunda pausa para falar do mundo de lobbies do Rio. São pessoas com bom trânsito com imprensa, empresas, políticos e judiciário. Em geral pulam de um lado para outro, oferecendo serviços especialmente em grandes embates empresariais ou políticos.


Nos últimos tempos se consolidaram dois grupos mais atrevidos. Um, comandado por Nelson Tanure, do Jornal do Brasil; outro, por Daniel Dantas.


Tanure foi o primeiro a perceber a importância empresarial das disputas judiciais. Elas não são um fim em si mesmo, mas um instrumento para abrir campo para acordos vantajosos. Foi assim que conseguiu vultosa indenização do Bradesco, para interromper uma ação contra a aquisição do Banco Boa Vista. 


Depois, passou a dar assessoria para empresas em luta contra Dantas, como a canadense TIW. 


Mainardi havia começado a ganhar destaque por subir vários tons nas ofensas contra Lula e também pelo uso de dramas familiares como tema de colunas – o que despertara simpatia em parte do público da Veja.


Adversário de Dantas, Nelson Tanure tentou levá-lo para o Jornal do Brasil. Veja acabou cobrindo a proposta, praticamente dobrando o salário de Mainardi. 


Não sei a razão objetiva desse assédio. Poderia ser o fato de Mainardi ter mostrado ser o ‘colunista sela’ – nome que se dá ao colunista pouco informado que se deixa ‘cavalgar’ pela fonte, tornando-se mero repassador de recados, em troca da repercussão que as notas proporcionam. Pelo menos no início, deveria ser esta a lógica que consolidava a parceria.


O fato é que os os lobistas perceberam em Mainardi um colunista em disponibilidade. Além disso, seu próprio papel de ‘para-jornalista’ na revista – papel que, na Folha, é exercido com muito talento por Zé Simão; no Globo, por Agamenon Mendes Pedreira – rompia com os limites do jornalismo e abria campo amplo para divulgar qualquer informação que lhe fosse entregue, mesmo sem a necessidade sequer de um simulacro de apuração jornalística. E Mainardi se revelaria com falta de escrúpulos suficiente para cometer qualquer assassinato de reputação que lhe fosse encomendado.


Naquele período, figura tipicamente carioca que transita por esses ambientes teve alguns almoços com Mainardi e me contou a impressão que ele lhe passou.


Pessoalmente tímido até o limite de não levantar os olhos para encarar o interlocutor; escassa informação em política, história e, especialmente, sobre o intrincado mundo dos negócios e das disputas empresariais. Mas ávido pelas benesses que a exposição jornalística trazia.


Obviamente nenhum colunista iria enveredar tão ostensivamente pelo mundo das guerras corporativas e ‘assassinatos de reputação’ se não tivesse respaldo de sua chefia maior.


O acerto de Veja com Mainardi foi precedido de uma aproximação entre Eurípides e Dantas, intermediada por Lauro Jardim.


A partir de então, Eurípides passou a ter ligação direta com o banqueiro. Conversam corriqueiramente, sem prejuízo dos contatos de Dantas com Jardim e Mainardi. O diretor abria espaço por cima; os colunistas entravam com a mão-de-obra.


E aí se completava o quarteto de Veja que, dali por diante, entraria de cabeça na campanha a favor de Dantas: Eurípides Alcântara, Mário Sabino, Lauro Jardim e Diogo Mainardi.


Nos meses seguintes, ocorreria uma mudança radical no tratamento dado pela revista àquele que, segundo ela própria, tinha por hábito grampear, montar dossiês falsos e comprar jornalistas.


Como vocês se recordam, os três grandes petardos de Veja contra Dantas tinham sido os seguintes:


** No dia 28 de julho de 2004, ‘Um negócio de espiões’


** No dia 3 de novembro de 2004, ‘O Dia da Caça’


** No dia 18 de maio de 2005, ‘A Usina de Espionagem da Kroll’


A mudança de linha se dá nitidamente na edição de 15 de junho de 2005, menos de um mês após a publicação da matéria mais dura contra Dantas.


Na edição daquele dia, Gushiken foi atacado em nota do ‘Radar’, segundo a qual Lula estaria atribuindo-lhe culpa pelos problemas de comunicação do governo. Outra nota, na mesma edição, fazia ilações entre Gushiken, as ações dos fundos e Delúbio Soares.


De vítima de Dantas, Gushiken começava, a partir de então, a se tornar seu algoz, de acordo com a construção jornalística que Veja começou a montar. 


Na edição seguinte, de 22 de junho de 2005, o ‘Radar’ soltava uma saraivada em cima dos fundos de pensão que disputavam o controle da Brasil Telecom. Uma nota ‘denunciando’ o aluguel de um jatinho pela Previ, para levar um companheiro (para poder chegar a tempo ao enterro do irmão). E outra sobre um suposto ‘gigantesco prejuízo’ do fundo Petros.




‘FUNDOS DE PENSÃO


Vôo polêmico


‘O aluguel pela Previ de um jatinho para que um de seus diretores voasse de Fortaleza ao Rio de Janeiro, ao custo de 62.000 reais, está agitando os corredores do maior fundo de pensão brasileiro. A Previ alega que bancar a despesa foi ‘um gesto humanitário’, já que seu dirigente necessitava voar com urgência para o Rio para o enterro de um parente.


Tempo quente na Petros


‘Acabou em tremenda confusão na semana passada uma reunião destinada a aprovar as contas da Petros, o segundo maior fundo de pensão do país: rachou o conselho fiscal do fundo, que administra um patrimônio de 90 bilhões de reais. No centro da discórdia, um gigantesco prejuízo. O potencial de barulho é tamanho que na madrugada de quinta-feira o diretor financeiro da Petros, Ricardo Malavazi, foi chamado com urgência a Brasília.’


Na mesma edição, nota sobre Gushiken insinuando que se preparava para ocupar o lugar de José Dirceu. Em uma edição, se tentava mostrá-lo fraco; na outra, todo-poderoso, com o claro intuito de jogá-lo no epicentro do terremoto político que se avizinhava.


Mas era apenas aquecimento. Embalada pela blindagem proporcionada pelo campanha contra Lula, Veja se desarmava dos cuidados necessários e caía de cabeça nos ‘assassinatos de reputação’.


Daniel Dantas conseguia sair de O Povo e passava a influenciar diretamente a maior revista semanal brasileira. 


***


O primeiro trabalho


Gamecorp e a estratégia de defesa de Dantas 


Como vocês se recordam, da leitura do capítulo anterior, o último ataque de Veja a Dantas foi no dia 18 de maio de 2005; a primeira defesa ostensiva, no dia 15 de junho de 2005. 


No dia 4 de agosto de 2005 publiquei uma coluna em que revelava que a ida a Lisboa de Marcos Valério – o publicitário do ‘mensalão’ – tinha sido a serviço de Dantas, e não de Lula, como insinuado em algumas notas de jornais (clique aqui).


A agência de Valério era contratada da Telemig Celular – controlada pelo banqueiro. Pouco tempo antes houve uma reunião entre o staff de Dantas e dirigentes brasileiros da Portugal Telecom (controladora da Vivo), onde lhes foram oferecidas as empresas Telemig Celular e Amazônia Celular.


Havia razões para essa ofensiva de Dantas. 


No dia 12 de abril de 2004, o Citigroup havia entrado com uma ação de perdas e danos contra Dantas na corte de Nova York (leia aqui).


Em maio, o presidente do Superior Tribunal de Justiça cassara a liminar que impedia a realização da Assembléia Geral Extraordinária do CVC-Opportunity – o fundo que controlava a Brasil Telecom –, na qual Dantas seria destituido.


O banqueiro corria contra o relógio para vender o controle das duas empresas, antes que perdesse o poder de mando sobre elas


Era esse o ambiente na época quando escrevi sobre Dantas. 


Dez dias depois, no dia 14 de agosto recebi o primeiro ataque de Diogo Mainardi. O pretexto foi uma nota em que criticava seu procedimento de ter revelado a identidade de uma fonte depois de lhe ter garantido o ‘off’


A reação foi desproporcional. O titulo da coluna de Mainardi era agressivo: ‘Chega de ética, Nassif’. O intertítulo, mais ainda (clique aqui): 




Chega de ética, Nassif


Um dos patrocinadores do site de Luis Nassif é o BNDES, coincidentemente o maior acionista da Telemar, concorrente direta de Dantas. Não surpreende que um paladino da ética como Nassif tenha defendido a compra, por parte da Telemar, da produtora de fundo de quintal do filho de Lula, Fábio Luís.’


A profusão de acusações lançadas – dentro do padrão Veja de ‘jornalismo’ – mostrava que a intenção não era apenas polemizar: era claramente praticar uma ‘assassinato de reputação’.


Me acusava de ter feito um ‘panegírico apaixonado’ a uma empresa que patrocinava o site do Projeto Brasil; de ter defendido o investimento da Telemar na Gamecorp em função de uma campanha publicitária veiculada em meu site pelo BNDES; e de copiar e-mail de Luiz Roberto Demarco, o arquiinimigo de Dantas. Os ataques encaixavam-se plenamente na definição de ‘assassinato de caráter’ das guerras empresariais ou políticas.


Pesquisando nos arquivos da Folha descobri que, uma vez, em quatro anos, escrevi um elogio de duas palavras ao fundador da empresa: ele tinha montado uma ‘gestão inovadora’. E nada mais.


Não havia relação causal entre a campanha do BNDES e meu artigo sobre a Gamecorp. Apesar de sócio da Telemar, o banco não tem por norma participar de decisões de investimentos de nenhuma empresa da qual seja acionista – menos ainda em valores tão insignificantes (para o porte da Telemar) quanto o que foi aportado na Gamecorp. E a campanha, de apenas um mês, tinha sido montada especificamente para sites na Internet, e contemplado dezenas deles.


Como Mainardi jamais havia escrito sobre tema intrincado como esse, era óbvio que estava sendo ‘cavalgado’ por Dantas, que lhe entregara o dossiê pronto. Aliás, como em praticamente todas as colunas que escreve sobre disputas empresariais.


As impressões digitais de Dantas eram tão óbvias que no dia 16 de agosto de 2005 respondi ao ataque de Mainardi em minha coluna, na própria Folha (clique aqui). No dia 19, a Folha publicou no ‘Painel do Leitor’ uma contestação à coluna assinada por Maria Amália Cotrim, porta-voz do próprio Opportunity, com os mesmos argumentos brandidos por Mainardi em sua coluna (clique aqui) – e na que sairia na semana seguinte.


De nada adiantaram minhas explicações ou a carta de Paulo Totti, do BNDES, à Veja:




‘A propósito da menção ao BNDES no artigo `Chega de ética, Nassif´, de Diogo Mainardi, é necessário esclarecer: 1) o site Dinheiro Vivo recebeu anúncios – no caso, banners – do BNDES como muitos outros meios de comunicação de todo o país: jornais, TVs, rádios, revistas e também portais e sites de internet, como UOL, iG, Terra, MSN, Globo.com. O critério da programação de mídia é exclusivamente técnico, sem interferência do BNDES no conteúdo editorial do veículo. 2) O fato de ser acionista da Telemar não indica que o BNDES interfira na gestão da empresa. Esse, aliás, é o comportamento do BNDES em todas as mais de 100 empresas brasileiras de cujo capital participou, participa ou venha a participar.


Paulo Totti


Assessor de imprensa, Rio de Janeiro, RJ’


A carta de Totti saiu escondida na seção de Carta dos Leitores.


Na mesma edição, outro artigo de Mainardi, repisando os ataques e passando ao largo das explicações dadas (clique aqui).


Mais tarde ficariam claros os motivos que o levaram a incluir a Gamecorp em seu ataque.


Na ação movida pelo Citigroup, uma das estratégias da defesa de Dantas era sustentar que o banqueiro estava sendo vítima de perseguição política. E apresentar como evidência o fato da empresa do filho do presidente ter recebido aporte de capital da Telemar, concorrente de Brasil Telecom. Por isso mesmo, qualquer análise que mostrasse lógica econômica no investimento estaria enfraquecendo a argumentação de Dantas no processo. 


Além disso, a Gamecorp era utilizada como forma de pressionar o governo (clique aqui), como o proprio Dantas admitiu tempos depois.


O espírito persecutório


A única informação correta era a respeito do e-mail de Luiz Roberto Demarco – um inimigo de Dantas, compulsivo até o limite da obsessão – que, de fato, havia me passado informações sobre reuniões do staff de Dantas com a direção da Portugal Telecom.


Inteligente, ousado, Demarco ganhou relevância por ter conseguido derrotar Dantas em um tribunal estrangeiro. Como a ação conseguiu bloquear um dos fundos de Dantas – que participava do controle das empresas de telefonia. Para poder liberar o fundo e retomar o controle, o Citigroup fechou um acordo financeiro bastante vantajoso para Demarco. Depois, o empresário passou a oferecer seu know-how anti-Dantas para outros adversários do banqueiro.


De um lado permitiu desmascarar o banqueiro, de outro sua obsessão ajudou a criar uma blindagem e a facilitar o trabalho de desqualificação patrocinado por Dantas, valendo-se principalmente de Mainardi. 


Qualquer pessoa que não se tornasse inimigo de Dantas era imediatamente apontado como colaborador por Demarco e jornalistas aliados. Da parte dos jornalistas de Dantas, qualquer crítica ao banqueiro seria parte de uma conspiração.


Esse clima persecutório produziu uma confusão monumental, que só ajudou a fortalecer o banqueiro. De um lado e de outro eram jornalistas e fontes levantando teses conspiratórias e acusações generalizadas. Separar o joio do trigo tornou-se tarefa inglória e em muito contribuiu para o silêncio com que a imprensa passou a tratar os escândalos de Dantas e as relações ostensivas com a Veja.


O que não significa que Demarco não fosse extremamente bem informado. Jamais forneceu uma informação incorreta. Tanto assim que, de posse de suas dicas, marquei uma reunião com Shakhaf Wine – um dos executivos da Portugal Telecom mencionado no e-mail. O encontro se deu no final da tarde, no escritório em frente ao shopping Iguatemi (clique aqui para ler a matéria).


Voltei em cima da hora para o meu escritório e, premido pelo horário de fechamento, acabei copiando trechos do e-mail de Demarco com os nomes das pessoas que tinham participado da reunião. Nada que pudesse ferir a ética jornalística. Nada que não pudesse ser explicado pela correria de um fechamento.


Mas o episódio passou a ser explorado de maneira a se criar a impressão de algo doloso.


Junto com o primeiro ataque de Mainardi, a edição de Veja saiu com seis páginas de publicidade da Amazônia Celular e da Telemig Celular – empresas controladas por Dantas, e de alcance regional. Era algo sem nexo, para alguém que não entendesse as circunstâncias: duas empresas regionais fazendo encarte em uma revista de circulação nacional. Quando levantei essa questão, a alegação do Opportunity é que, além da Veja, o encarte tinha saído no Valor Econômico – com uma tiragem e um custo infinitamente inferior ao da revista.


Na edição seguinte, com o segundo ataque de Mainardi sairiam mais seis páginas de publicidade da Telemig Celular, mas aí compartilhadas com outras publicações.


Estava claro que Veja tinha entrado no jogo de Dantas para valer, e da forma mais surreal possível: dois ataques virulentos em defesa de Dantas, em duas edições recheadas com 6 páginas de publicidade cada uma, programadas pelo próprio Dantas. Nem se teve o cuidado de separar as edições. Passava a se valer das mesmas práticas que denunciava em sua concorrente IstoÉ.


E uma das acusações que Mainardi me lançava era em relação a um adjetivo elogioso que empreguei, em quatro anos de coluna, para qualificar o modelo de gestão do fundador de uma empresa que patrocinava o Projeto Brasil, da Agência Dinheiro Vivo. E o fato de ter veiculado uma campanha que havia programado dezenas de outros sites para veiculação.


O jogo estava apenas começando. Dali para frente, novos ‘assassinatos de reputação’ seriam perpetrados de forma sistemática. Como a incrível ‘denúncia’ contra o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal.


Mas aí é assunto para o próximo capítulo, a partir do qual o jogo ficará cada vez mais claro.


***


O caso Edson Vidigal


Como criar escândalos sem crimes 


O segundo serviço de Veja foi a tentativa de ‘assassinato de reputação’ do Ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A matéria vinha com uma manchete dúbia: ‘Não pode pairar a dúvida. O presidente do STJ é envolvido em casos que precisam ser esclarecidos’.


Era uma matéria exemplar para se entender como fabricar um escândalo sem crime. A matéria não enfocava uma suspeita específica. Havia um estoque de fatos relacionados a Vidigal – o que demonstrava, nitidamente, que se tratava de um dossiê especialmente preparado contra ele.


A primeira acusação era um ‘esquentamento’ de fato banal, visando conferir tratamento escandaloso: a de que Vidigal viajara para o Chile, para um congresso patrocinado pela Amil, empresa de seguro saúde, sendo que, na semana anterior, havia liberado um reajuste de 26% para o setor de planos de saúde.


A viagem tinha sido em um final de semana, em um seminário para discutir a legislação chilena para o seguro saúde. A matéria procurava ressaltar aspectos de mordomia:




‘O seminário realizou-se em Santiago, no Chile. Foi uma curta temporada regada a bons vinhos daquele país e com todas as mordomias que costumam acompanhar esses rega-bofes’. 


O ‘prego sobre vinil’ esquentava a matéria com obviedades. É óbvio que qualquer congresso tem coquetéis e almoços e, sendo no Chile, vinhos chilenos.


Pouco importava se o patrocinador não tinha ingerência na programação, ou se um final de semana trabalhando em Santiago de Chile está longe de configurar suborno ou mordomia.


Para tornar mais estranha a acusação, não havia a prova do suborno: a matéria informava que, com sua sentença, Vidigal limitara-se a convalidar um parecer da Secretaria de Direito Econômico sobre o tema. Onde a relação, então, entre favor recebido e serviço prestado?


Dizia mais:




‘Muito provavelmente, o pedido da Amil é justo. Mas, depois da viagem ao Chile, também é justo levantar suspeita sobre o julgamento da liminar.’ 


Mas, para efeito de levantar a mancha da suspeita, dizia que…




‘…um observador de fora tem o direito de enxergar no episódio os contornos de improbidade administrativa. O caso deverá ser analisado pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão recém-criado com a incumbência de exercer o controle externo do Judiciário.’ 


De fato, a ‘denúncia’ foi feita por uma Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor… mencionando justamente a matéria de Veja.


Era de um amadorismo constrangedor. Como Veja poderia saber que haveria uma denúncia baseada na própria reportagem que sequer havia sido publicada? É evidente que havia uma armação da qual a revista participava. Não se contentava meramente em espalhar notícias falsas sobre os adversários de Dantas, mas em participar diretamente de armações bisonhas.


A denúncia nasceu morta. O corregedor Antonio de Pádua Ribeiro rejeitou-a por não estar ‘consubstanciada infração disciplinar nem violação dos deveres funcionais da magistratura’.


Marca indelével


A segunda denúncia do dossiê é que o nome de Vidigal aparecera em grampos com membros da quadrilha do argentino Cesar de La Cruz Arrieta. Como eram fitas de um inquérito sigiloso, era óbvio que o dossiê fora obtido de forma ilegal por membros do submundo que habita Brasília. 


A matéria reconhecia que a menção a Vidigal poderia ser apenas bravata de contraventores. Mas colocava como agravante o fato do apartamento de um enteado de Vidigal ter sido alugado para os bandidos.


Vidigal explicou que o apartamento tinha sido entregue a uma imobiliária, que se responsabiliza por quem aluga.




‘O apartamento, pelo que sei, estava entregue a uma imobiliária. E ninguém pede atestado de bons antecedentes quando aluga um imóvel.’ Mas a coincidência envolvendo um dos mais altos magistrados do país precisa ser esclarecida.’ 


Que tipo de favor Vidigal poderia ter prestado a Arrieta?


Consultando seus arquivos, ele constatou ter atuado em apenas um caso envolvendo Arrieta. E sua decisão tinha sido a de negar um habeas corpus a ele.


A troco de quê aquela marcação? 


Apenas os leitores mais bem informados entenderam a ginástica jornalística perpetrada por Veja


Pouco tempo antes, Vidigal havia dado a liminar que permitiu aos fundos de pensão e ao Citibank retomar o controle da Brasil Telecom das mãos de Daniel Dantas (clique aqui para a íntegra da sentença). Foi uma sentença dura contra o Opportunity.




‘`Com olhos voltados à defesa do interesse público, notadamente porque envolvidos vultosos recursos do erário, antevejo ameaçada a ordem econômica. Neste contexto, considero que eventual prejuízo sofrido pelos fundos de investimento, em última análise, será suportado pelo erário, com vistas a garantir a milhares de brasileiros, beneficiários dos mesmos – e que acreditaram nos fundos de pensões e deles dependem –, a necessária subsistência´, registrou o ministro Vidigal na ocasião.


‘`Considerei, também, nas razões de decidir, as informações trazidas pelo requerente que dão conta que a decisão objeto da suspensão entrega a gestão de mais de 10 bilhões de reais em ativos financeiros, materiais e societários ao Grupo Opportunity que, anteriormente, já fora destituído da gestão deste fundo por quebra dos deveres fiduciários, o que, também, recomenda a concessão da contracautela´, afirmou também o presidente do STJ.’


A sentença de Vidigal foi proferida no dia 15 de junho de 2005. A tentativa de um novo ‘assassinato de reputação’, por parte de Veja, em 21 de setembro de 2005.


No dia 16 de maio de 2006 – quase um ano depois –, acuado pela revelação do dossiê falso sobre as contas de autoridades no exterior, Dantas mostraria claramente as peças que se encaixavam nas duas tentativas de ‘assassinato de reputação’ da Veja.


Na entrevista à Folha, mencionada no capítulo anterior, Dantas disse o seguinte: 




‘O controlador do Opportunity, Daniel Dantas, disse à Folha ter recebido informações de que o governo pressionou o Judiciário brasileiro para favorecer os fundos de pensão na briga pela telefônica Brasil Telecom.


‘`Informaram a mim que teria havido uma intervenção do ministro Palocci [ex-ministro da Fazenda] junto ao ministro Edson Vidigal [ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça] para dar uma decisão favorável aos fundos de pensão´, disse Dantas em entrevista concedida no último sábado, por videoconferência. `Fui conferir e ouvi de uma pessoa que esteve com Palocci que o próprio teria dito não ter sido ele diretamente, mas alguém ligado a ele [que procurou Vidigal]´. 


‘(…) A versão segue as declarações feitas por advogados do banco em Nova York. Em documento público, eles lembram que o STJ tem 21 ministros, mas que os litígios entre o Opportunity e os fundos costumavam ser julgados por Vidigal (o ex-ministro assinou pelo menos três liminares favoráveis aos fundos de pensão).


‘No texto, os defensores do Opportunity ressaltam que Vidigal deixou o Judiciário e que concorre ao governo do Maranhão – pelo PSB, com apoio do PT.


‘(…) Questionado se o Planalto pediu que não fizesse declarações contundentes sobre o caso Gamecorp, Dantas confirmou. Segundo ele, o recado chegou por meio de Yon Moreira, então diretor da Brasil Telecom. Ele não soube dizer quem foi o emissário do governo. A empresa Gamecorp tem entre os sócios um filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 


Foi o segundo capítulo de uma longa série de matérias que, nos anos seguintes, marcaria de forma indelével a parceria Dantas-Veja.


A série continua. 

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Jornalista