Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A roda das candinhas anônimas

Tudo começou no sábado (9/2), na Folha de S. Paulo, com um artigo intitulado ‘0x0’, da lavra do jornalista Fernando de Barros e Silva, publicado na página 2 do jornal e cuja íntegra está reproduzida abaixo. Pouca gente deve ter entendido o comentário, especialmente a parte final, em que Barros e Silva critica severamente ‘certos blogs politicamente aparelhados por PT e PSDB’, em especial dois, o do ‘pequeno dândi que serve a Lula’ e do ‘grasnador a serviço do serrismo’.


O jornalista da Folha invocou uma frase do professor Demétrio Magnoli – ‘não direi seus nomes, assim como não jogo lixo na rua’ – para justificar a sua opção em deixar no ares alvos de uma crítica tão contundente.


No mesmo dia, o ‘grasnador serrista’ acusou o golpe e escreveu alguns comentários em seu blog sobre o assunto, devolvendo em grande estilo a crítica que recebeu:




‘Não tenho tempo para radicais de salão, esquerdistas de beira de piscina, filhotes bastardos e rejeitados do submarxismo uspiano, a engrolar em antíteses mesquinhas aqueles que seriam os contrastes profundos do Brasil. Não são a minha prioridade porque, de fato, não são nada além de contínuos das próprias irresoluções, vítimas das próprias angústias morais e prisioneiros de uma desordem mental incapaz de escolher entre o bem e o mal, o legal e o ilegal, o lícito e o ilícito, o moral e o imoral, a vontade e a imposição, a virtude e o vício. Poderia lhes recomendar leitura. Mas é um caso de remédio.’


Já o suposto ‘dândi lulista’ preferiu ignorar o assunto e não fez comentário algum sobre o texto de Barros e Silva.


Na segunda-feira (11/2) foi a vez do professor Magnoli escrever uma carta para o ‘Painel do Leitor’ da Folha esclarecendo que admira muito o ‘grasnador serrista’ e sequer lê o que o ‘pequeno dândi’. Na carta, Magnoli também não disse o nome de nenhum dos personagens da refrega, embora tenha se postado claramente em favor de um deles.


Este observador não muita tem certeza, mas começa a achar que está entrando em cena um novo tipo de jornalismo, no qual é possível contar histórias interessantíssimas sem nominar os seus protagonistas. Talvez seja possível também evitar dizer o lugar onde se passam as ações, o período em que os fatos ocorreram: ‘Há muito tempo, num reino bem distante, viviam brigando o grasnador serrista e o dândi lulista…’


Nome aos bois


Antes que o leitor comece a se perguntar se também este texto vai esconder o nome dos blogueiros em questão, é possível imaginar, com base nas posições defendidas por ambos, que o ‘pequeno dândi lulista’ referido pelo colunista da Folha seja o jornalista Paulo Henrique Amorim, apresentador da TV Record e titular do site Conversa Afiada; e, o ‘grasnador serrista’, Reinaldo Azevedo, colunista da revista Veja e titular de um blog que leva seu nome.


O jornalista Fernando de Barros e Silva talvez tenha preferido deixar os nomes dos colegas de lado para evitar processos judiciais. Afinal, se achou o assunto relevante e merecedor de um registro em sua prestigiada coluna na página 2 do maior jornal do país, não haveria outra razão para o jornalista da Folha deixar de dividir com seus leitores o alvo de sua pena ferina. Se a razão não foi esta – e Barros e Silva realmente despreza o comportamento dos tais blogueiros – fica difícil entender a razão pela qual ele resolveu escrever o texto. Falta de assunto?


Qualquer que seja a motivação do jornalista da Folha de S. Paulo, a reação de Azevedo e Magnoli veio na mesma toada. Os dois poderiam colocar um ponto final na conversa de candinhas iniciada por Barros e Silva, mas preferiram continuar fofocando ao lado dos leitores, sem comprar a briga e fazer o debate sobre o tema de fundo que a coluna tratou: as relações, partidárias ou políticas, que vigoram na blogosfera. No final, o debate ficou restrito aos iniciados e não cumpriu o que é a essência do jornalismo: servir ao interesse público.


A seguir, o texto que deu início à polêmica:




0 x 0


Fernando de Barros e Silva # copyright Folha de S.Paulo, 9/2/2008




PT e PSDB dividem e disputam a hegemonia política do país há muitos anos. Isso não é novidade para ninguém. Foi na eleição de 1994 que os partidos se consolidaram como pólos do jogo democrático. Tudo indica que em 2010 continuará sendo assim – embora, sem Lula, Ciro Gomes possa romper a monotonia dessa gangorra.


Fernando Henrique, que ao longo da vida – como intelectual e político – viu coisas importantes antes dos outros, disse certa vez que PT e PSDB competiam para ser a locomotiva das forças do atraso no processo de modernização do país.


É verdade. Resta saber o que exatamente resultou das alianças políticas firmadas e dos compromissos assumidos por tucanos e petistas. Ou quanto eles próprios revelaram ser identificados com o atraso que prometiam combater. Não é um jogo muito bonito e deve acabar 0 x 0. A história fará melhor balanço.


O fato é que tucanos e petistas, como lembrou Elio Gaspari, se parecem no essencial. Mais, talvez, do que gostariam. Convergiram para o centro, tornaram-se pragmáticos e cínicos no exercício do poder.


O efeito dessa hegemonia tucano-petista sobre o pensamento crítico foi devastador. Quantos radicais do nada, quantos Fla x Flus imaginários! Mas tudo sempre pode piorar. Em termos de degradação moral e miséria intelectual, nada supera hoje certos blogs politicamente aparelhados por PT e PSDB.


Farei como falou um dia Demétrio Magnoli: não direi seus nomes, assim como não jogo lixo na rua. O pequeno dândi que serve a Lula e o grasnador a serviço do serrismo são, no fundo, a mesma pessoa. Um não existe sem o outro. Funcionam, além disso, como seitas virtuais, mobilizando um restrito grupo de seguidores ruidosos que costuma mimetizar até jargões e cacoetes ofensivos dos gurus. É lamentável.


No caldeirão fervilhante desse parajornalismo rebaixado, é impossível discernir o que é engajamento, o que é negócio e o que é só lobby de si mesmo. PT e PSDB – tudo a ver.

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Blog do autor: Entrelinhas – Mídia e Política