Vivemos rodeados por uma série de versões estapafúrdias da verdade. Muitas vezes temos a impressão de sermos considerados perfeitos idiotas, se é que há algo de perfeito neste planeta. O noticiário dos últimos dias ilustra à farta essa constatação.
Alguns exemplos.
Devastação da Amazônia. Sem querer colocar em dúvida o diagnóstico presidencial, que afirma não se tratar de câncer, e sim, de coceira, ou, no máximo de um tumorzinho, causa espanto o fato de um órgão do porte de um INPE, sinônimo de excelência, patinar da forma que os jornais estamparam.
Ora a sigla um encontra um resultado, ora a sigla dois – orientada especificamente para medir a devastação – fornece um dado diferente. Para variar, entre os ‘não sabíamos’ e ‘houve erro’, a notícia é digerida com dificuldade. Hoje, um internauta paciente dispõe de softwares que possibilitam visualizar áreas específicas com a precisão dos levantamentos aerofotogramétricos de outras épocas. Ninguém percebeu o que estava ocorrendo? Um fato é certo: a devastação existe. Determinar se é crescente ou não, não é um desafio intransponível, sendo que ambas as hipóteses devem ser rejeitadas. Devastar menos no ano X do que no ano X-1 não consola ninguém.
Bobagens e inverdades
O caso dos cartões corporativos. Só não vê quem não quer. A infeliz ministra Matilde Ribeiro não é a única culpada. De fato, por não ter seu Ministério uma estrutura adequada nos vários estados, ela teve de incorrer em despesas que no caso de outros ministros não precisariam desse expediente. Resta saber se as viagens de Sua Excelência eram realmente necessárias, para não perguntarmos com candura se o próprio Ministério possui alguma utilidade.
Eticamente, fazer compras em free shop com esse cartão é uma aberração. Ela foi mal orientada, perdeu o cargo e agora, vamos esquecer? Como? Na linha das balelas surge a justificativa para uma despesa de R$ 500,00 de outro ministro, nem importa mencioná-lo, que teria oferecido uma ágape a 30 visitantes chineses. Apesar da reputação de sobriedade dos comensais, a única hipótese viável é que ou racharam a conta, ou não eram 30 os convidados, ou foram ao Mc Donald’s.
O caso Vale+Xstrata. A possível compra da Xstrata encontrou uma forte oposição de segmentos nacionalistas, sob a alegação de que a nova empresa poderia sair do país e que a União perderia sua força. São os mesmos que vituperaram e até plebiscito promoveram, em momentos diferentes para se opor à privatização. O que se vê? Apesar de privatizada, a Vale não fugiu daqui deixando um buraco no subsolo e um bando de viúvas perguntando onde está Wally. Na montagem da compra seriam usadas ações preferenciais, o que não alteraria o controle, e, finalmente, por dispor de uma golden share, a União poderá sempre vetar a transformação da empresa numa rede de barbearias. Isso sem contar com o poder de ‘persuasão’ da União sobre a Previ e o BNDESpar, acionista de peso com assento no Conselho de Administração – quem duvida disso, pode levantar a mão. Falar bobagens faz parte do jogo democrático. Falar inverdades só se justifica em caso de desconhecimento – é a forma que encontro para pedir desculpas, caso tenha cometido algum escandaloso engano.
Um rico Febeapla
A lista não pára por aqui. E o nosso sistema de TV digital, cuja escolha deveria ter como contrapartida uma fábrica de semicondutores? E nossa TV Pública, que não decola e que seria uma BBC? E as juras de que não haveria criação/aumento de impostos depois da extinção da CP(?)MF? E o lepitopi de 100 dólares? E a normalização do caos nos aeroportos com prazos jamais respeitados? E…
E para evitar que a locução adverbial ‘Nuncaantesnestepaís’ seja apenas privilégio nosso, vale notar mais um absurdo galáctico. Alguém em sã consciência pode acreditar que o talentoso Jerome Kerviel agiu sozinho, manipulando algo como 50 bi – já nem importa mais saber se de dólares ou de euros – sem que os superiores tenham notado? Não foi uma operação que tenha levado um dia. O novo Leeson – aquele que quebrou o banco Barings – mexeu com um Itaú de grana e não houve quem fizesse uma verificaçãozinha. O garoto brincava, não era hora de perturbar.
Fatos como esses enriquecem o Febeapla (festival de besteiras que assola o planeta), parafraseando o saudoso Stanislaw Ponte Preta, e mantêm, ou deveriam manter, em estado de alerta nossas mentes.
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Autor de Almanaque Anacrônico, Versos Anacrônicos, Apetite Famélico, Mãos Outonais, Sessão da Tarde, Desespero Provisório e o recente romance Não basta sonhar (Ed. Totalidade)