Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A agência de publicidade e a crise ética

A evolução da empresa capitalista, que passou do culto fordiano à fábrica e ao produto até chegar à fase atual, em que o mecanismo das transações financeiras domina suas estratégias, determinou, como não podia deixar de ser, o comportamento do marketing, da publicidade e a sua relação com o consumidor. A história da empresa, a partir do século 19, começa pelo reinado do produto. Todos os esforços estavam voltados para a engenharia, a qualidade e a durabilidade do que se produzia. Depois veio a fase das vendas, massificando-se a distribuição na busca de aumentar o volume de negócios, crescer e conquistar mercados, até chegar à era do marketing e da segmentação dos mercados, voltada para o consumidor e os seus caprichos. Logo em seguida veio a revolução comandada pela globalização, no impulso da era tecnológica e do enorme desenvolvimento das comunicações.

As empresas mundializadas de hoje são antes de tudo empresas financeiras. Trabalham para aumentar o preço das suas ações nas principais bolsas de valores do mundo e remunerar o capital dos seus investidores. Os principais executivos são especialistas na arte de glamourizar seus produtos de modo a que possam contribuir para o valor acionário da empresa. Para isso, eles são bem treinados e muito bem remunerados.

Essa história provocou mudanças, como não podia deixar de ser, também no mercado publicitário, hoje também globalizado. As agências artesanais dos anos 60, cuja característica era a valorização da criatividade dos anúncios, desapareceram. Os critérios de remuneração dos serviços publicitários mudaram dramaticamente e o modelo padrão de empresa publicitária, no Brasil e em todo o mundo, é cada vez mais o da filial dos grandes grupos internacionais que ganham mais dinheiro nas bolsas do que no próprio negócio de fazer anúncios.

Difícil sobrevivência

A pulverização das mídias ligada à necessidade de redução de custos fez surgirem agências especializadas em áreas promocionais diversas, o chamado below-the-line, que identifica todas as ações que não sejam propaganda para as grandes audiências. Além das agências voltadas exclusivamente para planejamento, compra e venda de mídia, controladas por bancos e outras entidades financeiras que identificaram commodities altamente lucrativas no espaço e tempo dos veículos.

Não se trata de coincidência que chairmen e CEOs dos maiores grupos de agências de publicidade e serviços de marketing globalizados sejam homens originários da área de contabilidade e finanças. Os publicitários foram substituídos no comando dos grandes grupos pelos articuladores financeiros, interessados no volume de dinheiro que passava pelas mãos daquela gente que pensava o negócio da publicidade como uma atividade cujo objetivo era o de apenas fazer anúncios.

Sobrevivem no Brasil algumas agências nacionais. Sofrem grandes dificuldades de adaptação às grandes mudanças ocorridas no mercado. Os anunciantes descobriram que poderiam cortar custos também nas despesas de marketing. Impõem remuneração cada vez menor às agências e exigem maior quantidade de serviços. O lucro das agências só é possível se elas operarem em grande escala, de preferência no cenário internacional. Daí, a dificuldade de sobrevivência das pequenas agências e a força cada vez maior dos grandes grupos mundiais.

No epicentro da crise

As agências que sobrevivem dentro do modelo tradicional conseguem esta sobrevida devido à inexistência no Brasil, pelo menos até agora, das agências especializadas em compra de mídia – que lhes retirariam 85% da receita – e pela importância do Estado como anunciante.

O governo, de alguma forma, procura proteger as agências nacionais, mas a dependência da burocracia e das práticas viciosas da política pode levá-las a escândalos de natureza ética, como tivemos oportunidade de acompanhar há muito pouco tempo, quando vimos, pela primeira vez, agências de publicidade no epicentro de uma crise ética, provocando também uma enorme crise política.

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