O primeiro Observatório da Imprensa da temporada 2008, exibido na terça-feira (12/2) pela TV Brasil, debateu a cobertura dos meios de comunicação no Brasil e no exterior na recente crise do sistema financeiro internacional. Apenas alguns meses após os mercados começarem a ser abalados pela débâcle das hipotecas americanas, surge um novo fator para gerar instabilidade no sistema: a megafraude engendrada pelo operador Jérôme Kerviel, funcionário do tradicional banco francês Société Générale.
Participaram do programa, em Brasília, o economista Carlos Eduardo de Freitas, que foi diretor do Banco Central, e Alex Ribeiro, repórter do Valor Econômico. No Rio de Janeiro, o debate contou com a presença de Márcio Garcia, professor do departamento de Economia da PUC-Rio. O jornalista Caio Blinder, comentarista do programa Manhattan Connection, do GNT, participou ao vivo, por internet, direto dos Estados Unidos, onde vive há quase duas décadas.
Caio Blinder
participa do programa Manhattan Connection desde o início em 1993. É correspondente da rádio Jovem Pan em Nova York, colunista do portal iG e assina uma resenha de livros de não-ficção no Estado de S.Paulo. Tem formação na área da Ciência Política. Márcio Garcia, PhD em economia pela Universidade Stanford, é professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e pesquisador do CNPq. Carlos Eduardo de Freitas, economista, foi diretor do Banco Central nas áreas Externa e Liquidações e Desestatização. Chefiou o Departamento de Operações Internacionais e o Departamento Econômico do banco. Alex Ribeiro é repórter do Valor Econômico em Brasília. Trabalhou na Folha de S.Paulo e na Gazeta Mercantil. É pós-graduado em Economia pelo Birckbeck College da Universidade de Londres.Alberto Dines explicou aos telespectadores que, nesta edição, o programa não contou com a participação da TV Cultura, que exibia o Observatório desde a estréia, em maio 1998. ‘No próximo dia 18, o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta decidirá como serão as relações entre a Rede Cultura e a TV Brasil, que produz este Observatório. Fazemos votos para que na reunião da próxima semana saia fortalecido o projeto de parcerias entre todos aqueles que apostam numa televisão alternativa de qualidade, comprometida com a cultura e o pluralismo’, disse o jornalista. Também foi informado que o programa será transmitido por internet, ao vivo, pelo site da TV Brasil.
Distração da mídia, prejuízo para o leitor
A crise financeira foi criada pelo próprio sistema, e não por causas externas a ele, na opinião de Alberto Dines: ‘A inadimplência do mercado imobiliário americano foi fruto de uma exuberância produzida pelo próprio mercado. Os operadores não são estimulados a serem prudentes e cautelosos, ao contrário, são estimulados a superar suas metas e fazer jus aos polpudos bônus’, disse no editorial que abre o programa. Para o jornalista, ‘a grande mídia internacional, inclusive a brasileira, distrai-se com o sobe-desce das cotações, mas não ousa tornar muito evidente a disfunção do sistema. O dispara-despenca das bolsas é um auto-engano coletivo onde o leitor que busca informações acaba sendo o maior prejudicado. O bônus de alguns é o ônus de muitos’.
No debate ao vivo, Carlos Eduardo de Freitas afirmou que há uma tradição no mercado financeiro de evoluir na regulação. Agentes de mercado estariam constantemente descobrindo formas de obter lucros maiores. Tais práticas, não necessariamente fraudulentas, poderiam causar prejuízos aos próprios mercados e obrigariam o sistema a evoluir nas formas de fiscalização. O economista usou como exemplo as quebras bancárias ocorridas no Brasil na década de 1990, quando instituições financeiras aprimoraram uma metodologia de falsificação de documentos contábeis. A partir do episódio, o Banco Central desenvolveu um novo sistema de fiscalização.
Dines perguntou ao repórter do Valor Econômico se a imprensa está conseguindo chamar a atenção do leitor para os problemas no sistema financeiro. Para Alex Ribeiro, quando o leitor abre o jornal, diariamente, a movimentação das bolsas de valores é a principal informação, mas os jornais têm se esforçado em trazer material analítico e artigos de comentaristas internacionais que possam orientar o leitor a agir durante a crise. Para Ribeiro, o processo está em andamento e ainda não existe uma solução definitiva.
A causa da crise hipotecária americana, para Márcio Garcia, é cultural. O economista explicou que um período de grande crescimento econômico, com taxas de juros baixas, estimulou a compra de imóveis nos Estados Unidos. ‘As pessoas conseguiam pagar a hipoteca enquanto o preço da casa continuava subindo e, com isso, elas continuavam tendo lucros e recebendo injeções adicionais de dinheiro para fazer outros gastos’, disse. Ao mesmo tempo, os bancos revendiam as hipotecas a outras instituições financeiras, quebrando a ligação entre quem fornece o dinheiro e quem monitora se o consumidor tem condições de saldar a dívida.
Para Caio Blinder, o desafio para os jornalistas é entender e transmitir a complexidade da questão ao consumidor normal de informação, que não é familiarizado com o tema. O jornalista afirmou que a crise afetou diretamente o dia-a-dia dos cidadãos americanos. Uma amostra disso é que o noticiário sobre o assunto tem competido nos jornais com as informações sobre as eleições presidenciais no país. ‘Não é uma crise ideológica do sistema capitalista. É o cidadão que está começando a ter problemas com a negociação da casa própria’, comentou.
O sistema brasileiro está protegido?
Os participantes do debate avaliaram a possibilidade de o problema atingir o mercado brasileiro. Carlos Eduardo de Freitas acredita que há chance de o país ser afetado – mesmo tendo uma posição externa mais forte que no passado –, mas isso irá depender da profundidade e da extensão da crise. Márcio Garcia observou que a questão do crédito no Brasil é distinta da dos Estados Unidos. Aqui, seria difícil ocorrer uma ‘bolha de crédito’ devido às altas taxas de juros. Garcia comentou uma frase do economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, que afirma temer processos muito longos baseados em um só produto. Nos Estados Unidos, o preço alto e em elevação das casas teria propiciado uma conjuntura que, com a queda dos preços, levaria bancos, seguradoras e consumidores a graves prejuízos. Para ele, essa ‘dinâmica nefasta’ faria parte do sistema.
Carlos Eduardo de Freitas avalia que os jornais brasileiros mantêm diálogo sobre o tema: ‘Há um debate intenso alertando sobre os perigos permanentes de uma crise internacional se abater sobre o Brasil’, disse. Para o ex-diretor do Banco Central, a imprensa brasileira geralmente apresenta vários ângulos das questões, permitindo que o leitor possa observar os diversos interesses envolvidos nos debates econômicos.
O repórter do Valor Econômico contou que, em 2007, o jornal adotou uma cobertura intensiva e crítica sobre a valorização da bolsa no Brasil. O periódico pretende mostrar ao novo consumidor, que não está acostumado ao jogo do mercado, que o setor não é só ganho e euforia, e que existem muitos perigos. Caio Blinder disse que a imprensa americana não se antecipou aos fatos e comparou a postura da mídia americana a um gigante adormecido: ‘Ela às vezes demora a reagir, mas quando percebe a dimensão do problema estende seus tentáculos e cobre muito bem.’ Os jornais especializados como Wall Street Journal e Financial Times adotam uma linha mais reflexiva, já os canais de televisão são voltados para a movimentação das bolsas.
Euforia e depressão na cobertura
Outro tema levantado no Observatório foi a chance de a crise financeira mundial ter implicações políticas, como ocorreu na Grande Depressão de 1929, a pior recessão econômica da história. Márcio Garcia acredita que, do ponto de vista econômico, não há indicação que a crise se agrave tanto quanto a do século passado. Os mecanismos de defesa e as instituições democráticas estariam mais evoluídos. Para Caio Blinder, não há um atrelamento do debate da crise econômica com desdobramentos políticos, a não ser que haja um agravamento do quadro.
Nas considerações finais, Caio Blinder avaliou a cobertura da mídia americana: ‘Eu sinto na cobertura da imprensa que existe uma `exuberância irracional´ tanto na euforia quanto na depressão – não no sentido econômico. Ela se alarma rapidamente, ela fica eufórica rapidamente. Ela parece que está vivendo o pregão da bolsa de valores’, observou o jornalista. Para ele, esta situação ocorre principalmente nas emissoras de TV. Os meios de comunicação impressos seriam mais comedidos.
Alex Ribeiro comentou que os profissionais de imprensa brasileiros têm experiência em lidar com grandes crises econômicas mundiais, ao contrário de outros países. Carlos Eduardo de Freitas ressaltou que as bolhas financeiras sempre vão existir, embora os bancos centrais tentem impedir que elas se formem.
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A crise financeira
Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV exibido em 12/2/2008
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Começamos hoje a temporada 2008, ano especialmente importante, tanto para os jornalistas como para os que são servidos pelo jornalismo. Vamos celebrar em maio, junho e setembro os 200 anos da imprensa brasileira. E dentro desta grande efeméride há outra não menos importante: o décimo aniversário deste programa.
Infelizmente, o retorno de hoje não contará com a participação da TV Cultura, que nos acompanha desde o início. No próximo dia 18, o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta decidirá como serão as relações entre a Rede Cultura e a TV Brasil, que produz este Observatório. Fazemos votos para que na reunião da próxima semana saia fortalecido o projeto de parcerias entre todos aqueles que apostam numa televisão alternativa de qualidade, comprometida com a cultura e o pluralismo.
A crise do mercado financeiro já completou um semestre. Não se sabe quanto tempo vai durar, se chegará aos emergentes e, sobretudo, se alcançará o Brasil. Uma coisa está clara: desta vez não foi um ataque especulativo, a crise não veio de fora, mas de dentro, é endógena, criada pelo próprio sistema.
A inadimplência do mercado imobiliário americano foi fruto de uma exuberância produzida pelo próprio mercado. Os operadores não são estimulados a serem prudentes e cautelosos – ao contrário, são estimulados a superar suas metas e fazer jus aos polpudos bônus.
O caso mais dramático e mais explícito foi o do operador Jérôme Kerviel, que causou um prejuízo de quase 5 bilhões de euros, não porque embolsou esta quantia mas porque seguiu as regras do jogo.
A grande mídia internacional, inclusive a brasileira, distrai-se com o sobe-desce das cotações mas não ousa tornar muito evidente a disfunção do sistema. O dispara-despenca das bolsas é um auto-engano coletivo onde o leitor que busca informações acaba sendo o maior prejudicado. O bônus de alguns é o ônus de muitos.
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Jornalista