Leia abaixo a seleção de quarta-feira para a seção Entre Aspas.
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Folha de S. Paulo
Quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
CUBA
Folha de S. Paulo
A renúncia de Fidel
‘O IMPACTO da renúncia de Fidel Castro Ruz, 81, aos principais cargos que ocupava no regime cubano é acima de tudo simbólico. Em termos práticos, a abdicação apenas oficializa a situação que já vigorava desde julho de 2006, quando o ditador se afastou para tratamento médico.
Quem exerce o poder interinamente desde então é o irmão de Fidel, Raúl Castro, 76, secundado por um grupo de dirigentes mais jovens e supostamente mais pragmáticos. Sobre esse núcleo deverá recair a tarefa de dar continuidade ao que se afigura como uma transição lenta e gradual rumo, não à democracia, mas a uma economia mais aberta ao mercado e tutelada pelo Estado, nos moldes chineses.
No plano político, se os sucessores de Fidel Castro tiverem a oportunidade, conservarão intacta a natureza autoritária do regime e o sistema de partido único. É claro que estratégias como essa são mais fáceis de conceber do que de executar. Há variáveis que escapam ao controle até de ditadores, mas o apoio financeiro de Hugo Chávez, que faz as vezes da antiga URSS, é um elemento que ajuda os planos continuístas da ditadura cubana.
Cabe à comunidade internacional tentar influir para que a abertura econômica ensaiada por Havana se converta também em abertura política. Nesse quesito, o papel de Washington será determinante.
Por ora, o governo norte-americano anunciou que nada muda. O embargo à ilha será mantido. Só que em janeiro do próximo ano haverá um novo presidente na Casa Branca e ele terá a chance de rever o complicado relacionamento entre os EUA e Cuba.
O ideal seria que aliviasse as restrições econômicas impostas a Havana. Tal prática tem servido muito mais para Fidel e seus asseclas se justificarem no poder -imputando a Washington todos os males da ilha- do que para arrancar-lhes concessões democráticas.
Espera-se que o próximo presidente dos EUA consiga libertar-se da tão poderosa quanto contraproducente influência dos emigrados cubanos da Flórida e estabelecer um diálogo franco e produtivo com Havana. É muito mais fácil influir sobre um país participando ativamente de sua economia do que vociferando-lhe ameaças à distância.
Uma transição não-traumática é o que de melhor poderia acontecer para os cubanos. Sem pôr a perder os avanços no campo da educação e da saúde que o regime de Fidel Castro logrou obter, dariam adeus a uma tirania que durante quase meio século perseguiu e eliminou implacavelmente adversários políticos.
Se os números oficiais estão corretos, Cuba é um país com nível de renda de padrão latino-americano, mas que exibe indicadores sociais acima da média da região. Não que a liberdade seja uma mercadoria negociável. Mas não é o caso de jogar fora o que foi tão duramente conquistado apenas para marcar diferenças políticas.
Que a renúncia de Fidel seja o prenúncio de novos tempos para os cubanos.’
Clóvis Rossi
O ‘pop star’ se aposenta
‘SÃO PAULO – Por Fidel Castro ser o mais longevo dos governantes do planeta, tudo o que se poderia dizer sobre ele já foi dito, de bom ou de ruim. De ditador a ‘benefactor’, de herói a bandido, com todos os matizes intermediários, todos os rótulos já lhe foram aplicados.
Resta-me uma perplexidade: como o líder de uma pequena ilha, praticante de um modelo que caiu em desuso, conseguiu manter-se, ainda assim, como um ‘pop star’?
Conto o episódio que me aguçou essa perplexidade. Em 1997, comemorava-se, em Genebra (Suíça), o 50º aniversário do Gatt (o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, substituído pela Organização Mundial do Comércio).
A Genebra acudiram os suspeitos de sempre: chefes de Estado e chefes de governo, autoridades dos mais diversos calibres, diplomatas em cachos e os indefectíveis seguranças, ‘aspones’ e jornalistas que acompanhamos esse tipo de circo (sem nenhum desrespeito ao circo de verdade ou ao circo do ‘grand monde’ planetário).
Os suspeitos de sempre proferiram os discursos de sempre, enquanto a maior parte da ‘asponeria’, dos jornalistas e dos funcionários não tão graduados ficávamos na cafeteria no subsolo do Palácio das Nações.
Ninguém prestava atenção à discurseira, até que o mestre de cerimônias anuncia Fidel Alejandro Castro Ruz. O bruaaá das conversas é suplantado pelo arrastar de cadeiras na direção dos telões que transmitiam a cerimônia.
Feito o silêncio, na cafeteria e um andar acima, Fidel Castro abre o discurso com ‘la vida es sueño, y los sueños, sueños son’, um Calderón de la Barca que parecia profano naquele ambiente.
Ao terminar, uma chuva de aplausos, inclusive de seus pares, 101% dos quais não tinham nem nunca tiveram nenhum parentesco e/ou simpatia com o comunismo. Difícil entender o que aconteceu ali.’
Folha de S. Paulo
Fidel renuncia
‘O ditador Fidel Alejandro Castro Ruz, 81, anunciou ontem que renunciava à presidência do Conselho de Estado cubano, equivalente à Presidência da República, e ao posto de comandante-em-chefe das Forças Armadas. Em mensagem publicada pelo jornal ‘Granma’, disse não ter mais condições físicas para exercer os dois cargos.
Ele estava afastado de fato desde o final de julho de 2006, quando se submeteu a uma cirurgia abdominal. Desde então não compareceu a nenhuma cerimônia pública. Sua mensagem de ontem formaliza o desfecho de mais de 49 anos no comando do único país comunista latino-americano.
Sucessão no dia 24
No próximo dia 24 toma posse o novo Parlamento, escolhido por um regime que não tolera partidos de oposição. Ele terá agora por missão indicar uma nova cúpula do governo. Cuba vem sendo governada nos últimos 18 meses por Raúl Castro, 76, irmão do ditador e ministro da Defesa.
Formalmente Fidel continua a ser deputado. Não esclareceu, em sua mensagem, se também abria mão do posto de primeiro-secretário do Partido Comunista. Mas anunciou que sua ambição é a partir de agora ‘combater apenas como soldado das idéias’, publicando periodicamente ‘reflexões’, já reproduzidas pela mídia oficial desde março do ano passado.
Em sua mensagem de 1.033 palavras o ditador lembra que foi primeiro-ministro por quase 18 anos -ele ocupou o cargo entre 16 de fevereiro de 1959, seis semanas depois que seus guerrilheiros derrubaram a ditadura pró-americana de Fulgencio Batista, até dezembro de 1976, tornando-se presidente nos 30 anos seguintes.
Fidel era em termos mundiais, e sem contar os monarcas coroados, o governante há mais tempo no poder. Precedeu em nove anos o ditador do Gabão, Omar Bongo, em dez o líbio Muammar Gaddafi, e em 20 o das Maldivas, arquipélago do Índico, Maumoon Gayoom.
Aliado da hoje extinta União Soviética durante a Guerra Fria, Fidel foi objeto de tentativas de derrubá-lo de dez sucessivos governantes americanos. A mais dramática foi a fracassada invasão da baía dos Porcos, em 1961, durante o governo do presidente John Kennedy.
Apesar de bons indicadores sociais -baixa mortalidade infantil, altos índices de alfabetização- a Cuba de Fidel constitui unanimidade nos relatórios de entidades de direitos humanos, que condenam o regime pela falta de liberdades política e de expressão e pela repressão aos dissidentes internos.
Phil Peters, especialista em questões cubanas no Instituto Lexington, dos Estados Unidos, disse ontem que ‘Fidel está deixando o poder nas condições que ele próprio escolheu. Não houve invasão externa, operação clandestina, novo embargo, radicalização das sanções econômicas ou novas iniciativas americanas’.
Em sua mensagem, o ditador disse que há um ano e meio, ao ser operado, seus colegas na direção do partido e do Estado ‘relutaram em me considerar afastado’, apesar ‘do estado precário de minha saúde’. Mencionou os Estados Unidos, ‘um adversário que fez tudo de imaginável para se livrar de mim, e eu de maneira nenhuma gostaria de satisfazê-lo’.
Citou uma carta endereçada ao apresentador de um programa da TV cubana. Nela afirmou que ‘meu dever fundamental não é me aferrar a cargos, e muito menos obstruir a ascensão de pessoas mais jovens, e sim contribuir com experiências e idéias cujo modesto valor provém da época excepcional em que me coube viver’.
Disse em seguida pensar como o arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer: ‘É preciso ser conseqüente até o final.’
Havana
As emissoras cubanas de rádio e TV não interromperam sua programação e nem homenagearam Fidel como o fariam se ele estivesse morto. Limitaram-se a reproduzir nos noticiários trechos da mensagem em que ele anunciou seu afastamento formal.
Com certa indiferença, Esther, professor aposentada, disse em Havana que, para ela, é como se Fidel já estivesse há mais tempo aposentado, e que as coisas em Cuba prosseguiriam do mesmo jeito. ‘Ele não fala mais, mas escreve.’
Já Alba, 67, enfermeira aposentada, disse à France Presse que esperava que Fidel fosse presidente por toda a vida e que ‘morreria com as botas nos pés’. ‘Fidel está saindo? Impossível’, foi a reação de Dayron Clavellon, 20. ‘Sabíamos que isso aconteceria, mas só agora estamos realmente sentido o impacto’, afirmou ele.
Com agências internacionais’
Raul Juste Lores e Adalberto Leister Filho
Falta de liberdade é lado mais sombrio de regime cubano
‘Um cubano descoberto assistindo a um canal de tevê americano por meio de uma antena parabólica clandestina é condenado a três anos de prisão.
Se escrever críticas ao governo e for considerado opositor ou ‘colaborador dos EUA’, a pena pode saltar para 20 anos.
Por ‘atos contra a integridade e independência do país, rebelião, ajuda ao inimigo ou espionagem’, há pena de morte.
Desde 1961, todas as liberdades civis foram restringidas. Com exceção da tímida abertura econômica dos anos 90, a cada crise o regime endureceu a perseguição a dissidentes.
Organizações de direitos humanos estimam em mais de 200 os presos políticos no país. O número de presos e a aplicação da pena de morte não são divulgados – acredita-se que as últimas foram em 2003.
Segundo a organização não-governamental Human Rights Watch, execuções acontecem duas semanas após o veredicto, sem direito de defesa aos réus.
Para Maria Aparecida de Aquino, professora de história na USP, a saída de Fidel Castro não deve promover alterações bruscas. ‘É possível que haja ingerência, seja da União Européia ou da ONU, para um afrouxamento do regime e a libertação de presos políticos. Mesmo entre os defensores de Fidel Castro, a necessidade de democratização parece irrefreável.’
O sociólogo Francisco de Oliveira crê que o debate sobre o tema virá à tona com a transição. ‘Acho que pode melhorar a questão dos direitos humanos.’
Segundo Luiz Felipe de Alencastro, professor da Universidade de Paris, a conjuntura não é favorável a Raúl Castro tratar de temas mais delicados. ‘Ele está conversando com os americanos em surdina. Mas o momento é ruim porque nem democratas nem republicanos vão tomar alguma iniciativa antes das eleições’, afirma ele.
Por ora, os controles permanecem. Os jornais independentes foram fechados em 1961. Até para ter internet em casa ou TV por satélite é preciso autorização. Cuba tem menos internet per capita que o Haiti.
Entre 1959 e 1961, 1.600 opositores ou simpatizantes da ditadura de Fulgêncio Batista foram fuzilados no ‘paredón’.
Em 1961, ocorreu o primeiro êxodo da ilha. A classe média, que no início apoiou a revolução que derrubou a ditadura corrupta de Batista, não aprovou a reviravolta comunista. Mais de 50 mil pessoas fugiram para os EUA. Houve carência de médicos e engenheiros, que abandonaram o país.
Contra padres e gays
Homossexuais foram perseguidos nas primeiras décadas do regime. O falecido escritor Reinaldo Arenas conta em sua autobiografia ‘Antes Que Anoiteça’ que foi preso por ser gay.
Apoiador da revolução, Arenas foi enviado a campos de trabalho para ‘reabilitar’ homossexuais, chamados ‘Unidades militares de ajuda à produção’, mantidos nos anos 60 e 70.
Em 1980, no segundo grande êxodo, quando 125 mil saíram da ilha, o regime expulsou homossexuais, doentes mentais e criminosos, os ‘indesejados’.
Também houve perseguição religiosa. Em 1961, 131 padres foram expulsos. De 670 sacerdotes em 1957, o número encolheu para 200 em 1963. Escolas religiosas foram expropriadas. A repressão só diminuiu às vésperas da visita do papa João Paulo 2º em janeiro de 1998.
No entanto, o regime voltou atrás em algumas posições. Tanto gays quanto padres deixaram de ser vilões. Assim como a música dos Beatles -proibida nos anos 60, como ‘contra-revolucionária’. Hoje, figurões do partido se declaram fãs da banda inglesa. Em 2000, foi inaugurado o Parque John Lennon, em Havana.’
LEI DE IMPRENSA
PDT pede ao STF o fim da Lei de Imprensa
‘O PDT ingressou ontem no STF (Supremo Tribunal Federal) com pedido de revogação de toda a Lei de Imprensa, sancionada em fevereiro de 1967 por Castello Branco, primeiro dos generais-presidentes do regime militar (1964-1985).
Sob o argumento de que a lei ‘é incompatível com os tempos democráticos’, a ação assinada pelo líder do partido na Câmara, Miro Teixeira (RJ), pede aos ministros, no caso de eles não concordarem com a total revogação, que anulem ou interpretem vários dos 77 artigos da lei.
Em vigor há 41 anos, a lei já possui artigos que se tornaram letra morta em decorrência de jurisprudência firmada pelos tribunais superiores com base na Constituição de 1988.
Entre eles está o que previa teto de 200 salários mínimos para o pagamento, pelas empresas de comunicação, de indenização por dano moral (os tribunais entendem não haver limite para isso) e o que estabelecia prazo máximo de três meses para o ingresso com ação por dano moral (o entendimento é de que vale o previsto no Código Civil, ou seja, três anos).
A leitura da lei 5.250 mostra dispositivos como a possibilidade de censura a espetáculos e diversões públicas e a apreensão e fechamento de jornais que estimulem ‘a subversão da ordem política e social’.
No caso da apreensão, a lei dispensa autorização do Judiciário ‘quando a situação reclamar urgência’, relegando ao ministro da Justiça a autoridade para recolher material que considere ofensivo ‘à moral pública e aos bons costumes’ ou estimulador ‘da subversão à ordem política e social’.
A ação do PDT aponta que o artigo ainda foi usado em 1989, após a redemocratização do país, quando o então ministro da Justiça, Saulo Ramos, determinou a apreensão dos exemplares do jornal ‘Pasquim’ que traziam a frase do então candidato à Presidência Paulo Maluf (‘Estupra, mas não mata’). A decisão foi derrubada pelo STF.
Na decisão, o então ministro Carlos Velloso já apontava para a caducidade de alguns artigos da Lei de Imprensa sob o argumento de que a ‘jurisprudência do Supremo Tribunal é no sentido da revogação automática da lei anterior à Constituição e com esta incompatível’.
Em outros artigos, a Lei de Imprensa prevê penas de prisão mais duras, para jornalistas, do que as previstas no Código Penal por condenações por crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação).
O pedido protocolado ontem pelo PDT tem o nome técnico de ‘Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental’. Até o fechamento desta edição, ainda não havia sido escolhido um ministro-relator.
Caso seja revogada em sua totalidade, jornalistas e empresas de comunicação continuariam sujeitas à condenação por crimes contra a honra com base no Código Penal e ao pagamento de indenizações por danos materiais e morais com base no Código Civil e na Constituição.’
Partido solicita fim de processos contra jornais
‘Em sua ação no Supremo Tribunal Federal, o PDT também solicita liminar suspendendo todas as ações judiciais do país que tenham como base algum dos 77 artigos da Lei de Imprensa.
Como principal argumento para pedir a liminar (decisão provisória que, se não for cassada, vale até decisão final do tribunal), o PDT cita a recente atitude da Igreja Universal do Reino de Deus de incentivar fiéis a moverem ações de indenização, em diferentes cidades do interior do país, contra jornalistas e jornais, entre eles a Folha.
O partido traduz a medida como ‘a tentativa de censura por meio de múltiplas ações indenizatórias’.
Pelo menos em 50 das 56 ações movidas contra a Folha e a jornalista Elvira Lobato, os autores usam a Lei de Imprensa, entre outras, como base para o pedido de indenização.
Cinco das ações já foram extintas, sendo que, em dois casos, os juízes ainda condenaram os fiéis por usar o Poder Judiciário de forma indevida (litigância de má-fé). Cabe recurso.
‘A ‘ação orquestrada para intimidar jornalistas e empresas de comunicação’ promovida por ‘fiéis e pastores da Igreja Universal do Reino de Deus’ repercutiu nos principais veículos de comunicação do país’, diz o documento do PDT, que é assinado por Miro Teixeira (RJ).
Ao pedido encaminhado ao STF, o PDT anexou cópia de editoriais da Folha, de ‘O Globo’ e de ‘O Estado de S.Paulo’, condenando a orquestração das ações de indenização, além de cópia de duas das ações movidas por fiéis da Iurd contra Elvira Lobato, da Folha, autora de reportagem publicada em dezembro sob o título ‘Universal chega aos 30 anos com império empresarial’.
A reportagem revelava o patrimônio da igreja, formado por empresas de radiodifusão e empresas diversas.
O ministro que for designado para relatar o pedido do PDT (isso não havia ocorrido até o fechamento desta edição) pode decidir monocraticamente sobre a liminar, ou levá-lo para decisão do plenário do tribunal, composto por 11 ministros.’
IMPRENSA NA JUSTIÇA
TJ de SP caça liminar contra Juca Kfouri
‘Tribunal de Justiça caçou liminar concedida ao deputado estadual Fernando Capez (PSDB), que proibia Kfouri de ‘ofendê-lo’, sob pena de pagar R$ 50 mil.’
ASSASSINATO
Polícia indicia PMs em caso de morte de jornalista
‘Quatro PMs são acusados de participar da morte de Luiz Carlos Barbon, em maio de 2007, em um bar. Segundo testemunhas, dois homens encapuzados chegaram ao bar numa moto e um deles atirou duas vezes no jornalista -15 minutos depois, eles balearam um jovem próximo ao local. Foi decretada a prisão preventiva do acusado de ser o dono da arma usada no crime.’
ERRO
Incra reconhece equívoco em dados repassados à reportagem da Folha
‘O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) afirmou, em nota de esclarecimento enviada à Folha, que houve equívoco do instituto na informação usada como base para a reportagem ‘SP usa menos da metade de verba para reforma agrária’, publicada pelo jornal no último dia 6.
A reportagem relatou, com base nos números repassados pela assessoria de imprensa do Incra, que, de 2003 a 2007, o governo paulista usou R$ 26,2 milhões de um total de R$ 57,4 milhões repassados pelo órgão federal para a compra de áreas devolutas (suspeitas de terem sido griladas no século passado), uma das formas para pôr fim a conflitos agrários na região do Pontal do Paranapanema (oeste de SP).
Ontem, porém, na nota de esclarecimento (leia texto nesta página), o instituto informa que ‘o funcionário do Incra-SP confundiu os valores previstos no convênio como disponibilizados pelo Incra com os valores financeiros efetivamente repassados à Fundação Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo), os quais, retificando a informação anterior, somam R$ 38.073.318,38’.
A nota é assinada por Cristina Sato, assessora de Comunicação do Incra em São Paulo.
Consultada ontem pela reportagem, a assessoria de imprensa do Incra informou que o equívoco ocorreu no relatório da prestação de contas do órgão enviado à reportagem.
Ainda por meio de sua assessoria, o Incra disse que repassou, de fato, R$ 38,8 milhões ao governo do Estado de 2003 a 2007, e não R$ 57,4 milhões, como havia informado anteriormente. Os R$ 57,4 milhões, na verdade, são o valor total do convênio, segundo a assessoria.
O governo do Estado ainda alega que a verba utilizada no período foi maior que os R$ 26,2 milhões informados pelo Incra: R$ 34,4 milhões.’
Funcionário se equivocou sobre valores, diz órgão
‘Leia a nota divulgada pela assessoria de comunicação do Incra em São Paulo.
‘Em referência à matéria ‘SP usa menos da metade de verba para reforma agrária’, (publicado pela Folha de S.Paulo em 06/02/2008) a Superintendência Regional do Incra-SP vem esclarecer que houve equívoco na informação prestada pelo Incra-SP sobre o Convênio de Reversão de Terras Públicas do Estado de São Paulo. O funcionário do Incra-SP confundiu os valores previstos no Convênio como disponibilizados pelo Incra com os valores financeiros efetivamente repassados à Fundação Itesp, os quais, retificando a informação anterior, somam R$ 38.073.318,38 (trinta e oito milhões setenta e três mil trezentos e dezoito reais e trinta e oito centavos).
O equívoco do funcionário do Incra-SP decorreu de equívoco semelhante na confecção do relatório de prestação de contas do próprio gestor do convênio do Itesp na época, referente ao período de 2003, mas não se justifica sendo, por isso, o referido funcionário devidamente advertido.
Informa que, no momento, estão sendo repassados R$ 6.350.000,00 e estão previstos para repasse em 2008 e já empenhados mais R$ 25.000.000,00 para o citado convênio.
A Superintendência Regional do Incra-SP afirma ainda que em momento algum houve falta ou demora no repasse de recursos federais para atender quaisquer demandas apresentadas pelo Itesp para o referido convênio.’’
TODA MÍDIA
Nelson de Sá
Colunista-em-chefe
‘Desde a madrugada no site do ‘Granma’, a renúncia foi manchete o dia inteiro, do site do ‘New York Times’ ao ‘Jornal Nacional’. Mas ninguém foi às ruas em Miami, notou logo o ‘Miami Herald’, depois outros, ouvindo dos exilados que ‘tudo vai continuar na mesma’ e até ‘estava planejado’. Também em Havana ‘poucos esperam mudança’, destacou o ‘NYT’.
Fidel não era presidente havia ano e meio, só colunista. Agora, diz ele no ‘Granma’, ‘seguirei escrevendo sob o título ‘Reflexiones del Compañero Fidel’, não mais ‘Comandante’. José Dirceu, no blog, gostou do ‘companheiro’. Andres Oppenheimer, do ‘Miami Herald’, ironizou que ele vira ‘colunista-em-chefe’, com ‘poder de veto moral’ no país. Mudança maior, só mesmo ‘quando Fidel desaparecer fisicamente’.
Fim do dia e o blog de Tutty Vasques pergunta ‘que diabos a imprensa vai publicar’, depois de tanto ‘obituário precoce’, quando Fidel Castro morrer de fato.
MAIS OU MENOS
‘O comandante renuncia… mais ou menos’ foi a manchete no site da ‘Economist’. Já era a situação ‘de facto’ desde 2006 e pouco muda em Cuba ‘enquanto ele se mantiver vivo’ e com ‘poder de veto’, publicando ‘artigos regulares’.
CÃO-DE-GUARDA
Dos poucos a não adiantar obituário, o editor de América Latina do ‘Financial Times’, Richard Lapper, diz que Fidel até ‘voltou ao centro da política’ no último ano, com ‘colunas de jornal’, reunião com Lula etc. E agora se assumiu ‘cão-de-guarda ideológico’.
MUITO BARULHO?
Fim do dia nos EUA e o liberal ‘NYT’ muda de opinião -e destaca na home que, para ‘especialistas em Cuba’, a renúncia não foi ‘muito barulho por nada’, como espalhou a Casa Branca. Marca o fim do ‘personalismo’ e abre ‘oportunidade para mudanças’.
MESTRE DA HISTÓRIA
Já o conservador ‘Miami Herald’, também no fim do dia, sublinhou ainda mais que Fidel, mais uma vez, ‘controla a sua própria história’, ele que é o ‘mestre da narrativa’. O jornal colocou em dúvida se a a renúncia é, de fato, ‘notícia’.
US$ 100 E OS ‘SEGREDOS’
A submanchete por todo lado foi que o petróleo ‘atinge recorde acima de US$ 100’. Foi ‘a primeira vez’, com a explicação da explosão na refinaria de Big Springs, Texas.
Junto com o preço, o ‘Financial Times’ noticiou, afinal, que os ‘Segredos das grandes descobertas do Brasil são furtados’. Abriu dizendo que ‘executivos da Halliburton, a empresa americana de serviços, e da Petrobras serão convocados’ pela Polícia Federal para esclarecimentos.
‘FOI ESPIONAGEM’
Na Folha Online, ‘PF descarta hipótese de crime comum em furto de dados da Petrobras’. Na Reuters Brasil, ‘Roubo foi espionagem, diz PF’. Segundo a ‘Gazeta Mercantil’, em destaque no portal Terra, os dados seriam dos campos Júpiter e BM-S-08.
‘ALÍVIO DE ENERGIA’
O site do ‘Wall Street Journal’, agora atento, a exemplo do ‘FT’, à ameaça de racionamento, noticiou a abertura do gasoduto ligando o Espírito Santo ao Sudeste. No título, ‘Novo gasoduto da Petrobras e chuvas impulsionam suprimento de energia do Brasil’.
VALE E O ‘MONOPÓLIO’
Espalhou-se ontem a reação à Vale, após os acordos que elevam o preço do minério de ferro vendido a siderúrgicas de Japão, Coréia do Sul, Alemanha. O ‘WSJ’ se pergunta, em título, ‘Com aumentos de preço assim, quem precisa de monopólio?’. Acusa a mineradora brasileira de ‘agir como monopólio’ e sugere a atenção dos ‘reguladores’ para a eventual compra da anglo-suíça Xstrata pela Vale.’
TV PÚBLICA
Câmara aprova texto-base da medida provisória que institui a TV pública
‘Com os votos contrários da oposição, a Câmara aprovou ontem o texto-base da medida provisória que cria a TV Brasil. Por cerca de seis horas, DEM e PSDB tentaram impedir a votação, mas com 336 votos contra 103 e três abstenções, a base aprovou a MP sem alterações. As propostas de modificação serão votadas hoje. Depois disso, ela segue para o Senado.
Tereza Cruvinel, presidente da Empresa Brasil de Comunicação, que controla a TV, fez um apelo, em audiência no Senado, para que a Casa não faça alterações no texto da Câmara, o que prolongaria ainda mais a votação final da medida. No Senado, onde o governo não tem maioria sólida, a disposição é de discutir a matéria.
A oposição critica a criação da TV por MP e discorda de vários pontos do relatório do deputado Walter Pinheiro (PT). O que mais desagradou a DEM e tucanos foi a criação de uma nova fonte de receita para a TV: 10% da taxa de fiscalização de funcionamento paga pelas empresas de radiodifusão, o que equivale a cerca de R$ 150 milhões por ano, diz Pinheiro, além dos R$ 350 milhões previstos no Orçamento. O DEM ameaça ir ao STF contra a taxa.
Outra mudança é a exigência de que a TV privada que fechar contrato de exclusividade com um evento esportivo, e resolver não transmiti-lo, fique obrigada a ceder a transmissão para a TV pública caso haja participação de ‘equipes, seleções e atletas brasileiros representando oficialmente o Brasil’.’
TV DIGITAL
TV digital deve permitir gravação de programas
‘O governo decidiu que não vai tornar obrigatória a venda no país de adaptador para sinal de TV digital com dispositivo bloqueador de cópias de conteúdo. A decisão, que não foi anunciada oficialmente, contraria os interesses dos produtores de conteúdo, como emissoras de TV, que alegam risco de aumento da pirataria.
A decisão foi acertada em reunião ontem no Palácio do Planalto com os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Hélio Costa (Comunicações), Miguel Jorge (Desenvolvimento), Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia) e Paulo Bernardo (Planejamento). Um dos participantes da reunião disse à Folha que a não-obrigatoriedade no uso do bloqueador foi acertada para evitar que o preço do adaptador se torne inviável para a maioria da população.
A maior preocupação do governo com a TV digital é com os 80 milhões de TVs analógicas que precisarão do conversor.
O bloqueador de cópias piratas (DRM) serviria para preservar direitos autorais.
O vice-presidente da Gradiente, Moris Ardittie, um dos produtores no país do adaptador para sinal de TV digital, avalia que dificilmente um aparelho conversor de alta definição custará menos de R$ 500 no mercado. Segundo ele, os adaptadores produzidos no Brasil já têm o DRM, mas devem ser desativados.
No governo, a avaliação é que, com adaptador a R$ 500, dificilmente a TV digital emplaca. O Ministério das Comunicações busca preço em torno de R$ 200. Como também é um valor tido como elevado, o governo negocia com Estados a possibilidade de oferecer isenção do ICMS para o produto custar R$ 150.’
TELES
Anatel também vai analisar mudança na telefonia móvel
‘A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) não vai limitar seus estudos sobre mudança na regulamentação do setor a alterações que afetem apenas a telefonia fixa. O presidente da agência, Ronaldo Sardenberg, disse que serão estudadas mudanças também na área de telefonia móvel. ‘A intenção da Anatel é estudar tudo, de maneira conjunta.’
Segundo Sardenberg, não necessariamente as propostas de mudanças ficarão prontas ao mesmo tempo. Se a proposta de alteração do PGO ficar pronta primeiro, por exemplo, poderá ser implementada antes.
Na semana passada, o Ministério das Comunicações enviou documento à agência propondo a supressão de artigos do PGO (Plano Geral de Outorgas, decreto que divide o país entre as operadoras de telefonia fixa) que impedem a compra de uma concessionária de telefonia fixa pela outra. Com a mudança, a Oi (ex-Telemar) poderá comprar a Brasil Telecom.
O presidente da Anatel afirmou que, na sua avaliação, não deverá haver resistência da agência para aprovar esse pedido do governo. ‘Não falei ainda com os outros integrantes do conselho, mas avalio que não deve haver’, disse.
No mesmo documento, o ministério também recomendou que a agência revisse ‘restrições regulatórias constantes em outros atos normativos’ para ‘permitir a consolidação da operação de múltiplos serviços, viabilizando a plena integração de diferentes infra-estruturas de rede e a convergência digital em voz, vídeo e dados’.
Segundo Sardenberg, essa segunda recomendação é que dá margem a possíveis alterações em regulamentações da telefonia móvel. Ele mencionou que a Abrafix (Associação Brasileira das Concessionárias de Telefonia Fixa Comutada), em carta enviada a agência no dia 8, também havia pedido alterações no mercado de telefonia móvel.
Na carta enviada à Anatel, a associação que reúne as operadoras de telefonia fixa argumentou que mudanças no PGO poderiam ‘permitir consolidação de diferentes operadoras necessárias à prestação eficiente de múltiplos serviços’ no mercado de telefonia móvel.
Restrições
No dia 29, em evento no Rio de Janeiro, o ministro Hélio Costa (Comunicações) havia dito que as mudanças a serem feitas na legislação poderiam permitir a solução do ‘problema’ da Net, da Telefônica, da Embratel e da TIM.
A Embratel, do grupo mexicano Telmex, é acionista do sistema de TV a cabo Net Serviços, mas não pode ter o controle sobre as ações com direito a voto, que permanece com as Organizações Globo, porque há uma lei, de 1995, que exige o controle de capital nacional nas TVs a cabo.
A Telefônica, citada pelo ministro, está impedida por normas da Anatel de participar do controle acionário da TIM, por ser acionista controladora da Vivo. O grupo espanhol comprou participação no controle acionário da Telecom Italia (dona da TIM), na Europa, mas não pode receber dividendos nem participar das operações da TIM no Brasil.
Prazos
Para José Fernandes Pauletti, presidente da Abrafix, as modificações no PGO a serem feitas pela Anatel não ficarão prontas em menos de três meses. Ontem, Sardenberg não deu prazo, mas disse esperar que o processo de audiência pública durasse 30 dias.’
BrT apóia fim das restrições para virar múlti
‘Para o presidente da Brasil Telecom, Ricardo Knoepfelmacher, eliminar restrições à consolidação das operadoras de telefonia fixa é essencial para que a Brasil Telecom se torne uma multinacional.
‘Se o Brasil um dia pensa em ter grandes multinacionais, como já tem, ela [Brasil Telecom] com esse tamanho [o atual] não poderia aspirar a ser uma grande multinacional’, disse. Ainda de acordo com o executivo, as mudanças vão afetar também o mercado de telefonia móvel. ‘A tendência é uma consolidação geral’, disse.
De acordo com Knoepfelmacher, a mudança na regulamentação do setor acabará se impondo. ‘O Brasil está sendo atropelado por uma realidade inexorável’, disse, referindo-se ao processo de consolidação de empresas e oferecimento de pacotes de serviços múltiplos (voz, internet e TV). ‘Telecomunicações é um setor intensivo em capital e que precisa de escala.’
O executivo criticou a atual legislação de TV a cabo, que, segundo ele, impede a competição.
As operadoras de telefonia fixa não podem entrar no mercado de TV por assinatura usando cabo porque a Lei do Cabo (8.977/ 95) define que esse tipo de serviço é uma concessão e uma mesma empresa não pode ter duas concessões na mesma área.’
TELEVISÃO
Disney passa Cartoon e lidera na TV paga
‘O Disney Channel é o novo líder de audiência da TV paga brasileira. No final de 2007 e início de 2008, deixou para trás o Cartoon Network, que dominou o ranking durante anos, e o TNT, ambos da Turner (CNN).
O Disney aparece como líder na média diária de audiência (6h às 5h59), entre todos os públicos, no conjunto da medição feita pelo Ibope em São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba e Brasília. Nessas cidades, teve uma média de 17,6 mil telespectadores por minuto durante 24 horas de 1º de janeiro a 10 de fevereiro. Os dados não são oficiais do Ibope.
Em seguida, vêm TNT, Cartoon, Multishow, SporTV, Universal Channel, Globo News, Warner e Discovery.
O Disney subiu graças, principalmente, ao filme ‘High School Musical’, que, exibido na Globo, chamou a atenção para o canal. Além disso, virou canal básico na Sky e na TVA, além da Net (em caráter promocional durante as férias).
Já o ranking dos mais vistos na média diária por pessoas com mais de 18 anos é liderado pelo Universal Channel, canal em acelerado crescimento.
O Ibope não divulga audiência absoluta de TV paga. Prefere um outro índice, o de alcance (número de telespectadores que sintonizaram determinado canal por mais de um minuto). Nesse critério, o Multishow (impulsionado por ‘Big Brother Brasil 8’) é líder, seguido de perto pelo TNT.
GATILHO 1 O conselho curador da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura) aprovou anteontem aumento para Paulo Markun, presidente da instituição. O reajuste foi de quase 90% sobre o salário de presidente. Mas, como Markun recebia como apresentador do ‘Roda Viva’, seu aumento foi de 40%.
GATILHO 2 O presidente do conselho curador, Jorge da Cunha Lima, e os diretores estatutários também tiveram aumento. Enquanto isso, funcionários lutam na Justiça desde 2003 por um dissídio de 12%.
VITRINE Apesar da pressão de políticos desafetos, o deputado federal Celso Russomano será mantido como repórter do ‘novo’ ‘Aqui Agora’, no SBT.
PASSARELA A Globo juntará Cissa Guimarães, Renata Ceribelli, Ana Furtado, Mariana Hein, Ellen Jabour e Sarah Oliveira, ex e atuais apresentadoras do ‘Video Show’, para a gravação de um ‘Video Game’ comemorativo aos 25 anos do programa.
TESTE Os participantes de ‘BBB’ terão que executar uma tarefa, de hora em hora, durante todo o dia de hoje. A idéia é irritá-los.
COMPORTAMENTO Deu 23 pontos a estréia da boa minissérie ‘Queridos Amigos’. É menos do que o primeiro capítulo das últimas minisséries, mas a mesma coisa que registrou ‘Amazônia’ (2007) quando passou a ser exibida após ‘BBB’. Já ‘Beleza Pura’ marcou 32 pontos (quatro a menos do que ‘Sete Pecados’).’
Cristina Fibe
‘Retratos’ homenageia Affonso Beato
‘O diretor de fotografia Affonso Beato, 66, tem uma rara carreira no exterior. Depois de trabalhar, no Brasil, com diretores como Glauber Rocha, o carioca foi à Europa e aos EUA fotografar longas de peso, entre eles ‘A Rainha’ (Stephen Frears) e ‘Tudo sobre Minha Mãe’ (Pedro Almodóvar).
Beato é o homenageado da vez no ‘Retratos Brasileiros’ do Canal Brasil, às 14h, em documentário de Jorge Monclar.
Diretores que trabalharam com Beato, como Cacá Diegues, Zelito Viana e Bruno Barreto, rasgam elogios enquanto traçam a história do fotógrafo, que foi para o exterior nos anos 70, depois de fotografar ‘O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro’, de Glauber Rocha.
Foi esse o filme, segundo Beato, que promoveu seu encontro com Almodóvar, com quem fez três longas. ‘Ele se parece muito com o Glauber quando vivo. Os olhos esbugalhados, na ansiedade de resolver coisas, de entender coisas da vida, de se expressar’, diz, sobre o diretor espanhol.
‘Apaixonado por cor e por contraste’, Beato não é contra a tecnologia digital, ‘que vai tomar conta do mercado’. Embora prefira trabalhar com película até o fim de sua carreira. ‘O cinema digital vai ganhar terreno, maravilha. […] Mas eu pessoalmente gostaria de… como é que se chama isso? Me aposentar com o filme.’ RETRATOS BRASILEIROS – AFFONSO BEATO
Quando: hoje, às 14h
Onde: no Canal Brasil’
MÚSICA
A volta dos mortos-vivos
‘Um Michael Jackson despreocupado, seguro em relação ao que queria e que depositava total confiança nas pessoas à sua volta. Assim estava o cantor durante as gravações do disco ‘Thriller’, segundo o testemunho do percussionista Paulinho da Costa, o único brasileiro a participar do mítico álbum.
Lançado em novembro de 1982, ‘Thriller’ tornou-se um dos discos mais vendidos de todos os tempos. Segundo a gravadora Sony BMG, vendeu até hoje 105 milhões de cópias. Segundo o livro ‘Guinness’, foram 55 milhões. Em termos comerciais, seu único concorrente é o ‘Their Greatest Hits 1971-1975’, da banda Eagles.
Para comemorar 25 anos de lançamento, chega hoje às lojas brasileiras uma versão remasterizada e ampliada de ‘Thriller’: além das faixas originais, há reinterpretações de músicas como ‘Beat It’ e ‘Billie Jean’ por artistas como Fergie e Kanye West, além de um DVD com quatro vídeos.
Em abril de 1982, Michael Jackson reuniu-se com o superprodutor Quincy Jones para o início das gravações de ‘Thriller’. Convocaram um time variado de músicos experientes, rodados -entre eles estava Paulinho da Costa, que já havia trabalhado com o cantor na época do Jackson Five e no disco ‘Off the Wall’ (1979).
Hoje com 59 anos, Paulinho vive nos EUA desde 1973. Participou de discos de inúmeros artistas, como Sergio Mendes, B.B. King, Curtis Mayfield e Barry Manilow. À Folha, por telefone, de Los Angeles, falou pela primeira vez com um jornalista brasileiro a respeito das gravações de ‘Thriller’:
‘O Michael passava por uma época ótima da carreira, então ele estava bem relaxado, não se estressou em nenhum momento. Ele tinha muita segurança, sabia o que queria, como o disco deveria soar’. Paulinho tocou cuíca e percussão em diversas faixas do álbum, mas, na edição final, entrou apenas sua participação na faixa de abertura do disco, ‘Wanna Be Startin’ Somethin’.
‘Como tinha confiança nos músicos, ele não deu muitas instruções. Trazia o clima do disco, a sensibilidade que queria, e nós seguíamos em frente. Ele respeitou muito nosso trabalho. Eu fazia a percussão na música e ele aprovava depois.’
Após tantos anos, Paulinho afirma não se lembrar por quanto tempo trabalhou nas gravações de ‘Thriller’, mas disse que mantém contato com Michael Jackson: ‘Ainda converso com ele de vez em quando. Espero que esse relançamento ajude a carreira dele’.
Rei do pop
Se até 1982 a carreira de Michael Jackson seguia em curva ascendente, com ‘Thriller’ ela disparou como um foguete. Jackson deixava de ser um garoto prodígio da black music para se tornar o rei do pop.
Desde os tempos de Jackson Five e, principalmente, ‘Off the Wall’, sabia-se que Jackson era capaz de produzir grooves reluzentes da melhor estirpe.
Em ‘Thriller’, ele não apenas deu continuidade à tradição da música de selos como Motown e Stax mas também ampliou seu horizonte incorporando guitarras roqueiras (Eddie Van Halen faz o solo em ‘Beat It’), desconstruindo a disco music (‘P.Y.T.’), revigorando o funk (‘Billie Jean’) e animando bailinhos com baladas certeiras (‘Human Nature’, ‘The Girl Is Mine’). Uma audição de ‘Wanna Be Startin’ Somethin’ comprova a atualidade do disco.
E tem, claro, ‘Thriller’, a música. Se não é a melhor canção do disco, quebrou paradigmas com o estiloso vídeo de 14 minutos, dirigido por John Landis e com orçamento de espantosos (para a época) US$ 800 mil.
‘Até ‘Thriller’, havia no Brasil a música negra para os negros e a música negra para os brancos. Dificilmente algo que tocava nas rádios brancas ia para os bailes black da periferia’, lembra DJ Hum, 40. ‘Thriller’ quebrou essa barreira. O disco era ouvido por todos.’
Autor da biografia de Tim Maia, o colunista da Folha Nelson Motta considera ‘Thriller’ um álbum ‘extraordinário’. ‘Sempre fui fã do Quincy Jones como produtor. Esse disco é o resultado de um Michael Jackson maduro e da genialidade do Quincy.’ Ele continua: ‘É um disco perfeito, acabado, mas ao mesmo tempo não trouxe uma grande inovação, como alguns álbuns clássicos provocam.’
Após ‘Thriller’, Michael Jackson ficou branco e não fez nada que chegasse perto da qualidade daquele disco.’
FOTOGRAFIA
Magnum reconta sua história em 50 imagens
‘Com um olho na tradição e outro na renovação, a mítica e mais aclamada agência de fotografias do mundo, a Magnum, tornou-se sexagenária no ano passado. Para comemorar a efeméride foram realizadas 180 exposições por diversos países.
São Paulo recebe a partir de hoje, na Galeria Paulista da Caixa Cultural, uma versão diferenciada desta mostra, com curadoria assinada pelo pesquisador João Kulcsár. Fundada em Paris, em 1947, pelos fotógrafos Henri Cartier-Bresson, Robert Capa, David Seymour e George Rodger, a agência se notabilizou ao priorizar o flagrante, o momento decisivo idealizado por Bresson e a narrativa de forte acento autoral, tanto para retratar os grandes acontecimentos como o cotidiano mais banal observado nas ruas. Tal filosofia deu ao fotojornalismo uma dimensão humanística que ainda lhe faltava e ditou as regras da produção dos repórteres-fotográficos a partir de então.
As 50 fotografias que integram a mostra que chega agora a São Paulo são obviamente insuficientes para abarcar a diversidade do arquivo da agência, que conta com mais de 1 milhão de imagens.
Kulcsár optou por selecionar imagens clássicas, muitas das quais já fazem parte do nosso arquivo de imagens mentais da história, como a fotografia de Stuart Franklin em que um estudante chinês impede a passagem de tanques de guerra na praça Tiananmen, em Pequim, em 1989, ou a célebre imagem de Robert Capa que mostra o desembarque dos soldados americanos na Normandia, em 1944, conhecido como o Dia D, que culminaria com o fim da Segunda Guerra Mundial.
A magia inerente à fotografia, que a faz evocar tempos e espaços distintos do passado para reuni-los no exíguo espaço de uma galeria, permite ao visitante passar em revista, por exemplo, Fidel Castro no poder, o movimento estudantil em maio de 1968 na França, a Guerra do Vietnã, os conflitos em Gaza, o assassinato de John F. Kennedy, a guerra civil da Nicarágua e o ataque em Nova York em 11 de setembro de 2001.
Entre os módulos criados pelo curador, há flagrantes de pequenos gestos e imensa beleza, geralmente colhidos na rua, ao estilo dos ‘street photographers’, sobretudo nos trabalhos de Bresson e Elliot Erwitt, além de retratos de personalidades como Che Guevara, Marilyn Monroe, James Dean e Salvador Dalí.
Para contrapor as imagens de autores e acontecimentos de décadas anteriores, há alguns poucos trabalhos da nova geração de fotógrafos da Magnum, com destaque para o premiado fotodocumentarista italiano Paolo Pellegrin, 44, especializado em zonas de conflito, e o francês Antoine D’Agata, 47, um dos mais vigorosos fotógrafos da atualidade, com obra dedicada aos personagens que trafegam, traficam, se vendem e se drogam nas noites das grandes metrópoles.
MAGNUM 60 ANOS
Quando: abertura hoje, às 19h30 (convidados); de ter. a sáb., das 9h às 21h; dom., das 10h às 21h; até 6/4
Onde: Caixa Cultural – Galeria Paulista (av. Paulista, 2.083, tel. 0/xx/11/3321-4400)
Quanto: entrada franca’
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Agência fixou registro documental
‘O surgimento da Magnum se deu logo após a Segunda Guerra Mundial, quando seus fundadores perceberam o poder das imagens documentais, o impacto que elas exerciam sobre a opinião pública e a possibilidade de denunciar mazelas por meio de seus testemunhos.
Isso tudo, porém, só se tornou possível após uma das maiores revoluções ocorridas na história da fotografia, que foi a criação da câmera portátil de 35 milímetros, que permitia aos fotógrafos registrar cenas com baixa luminosidade sem o uso de tripé, o que também possibilitava que o fotógrafo se tornasse quase invisível na cena. Daí surgiram os flagrantes nos quais a expressão humana passou a ser captada em total naturalidade.
Henri Cartier-Bresson começou a fotografar em 1931, justamente no momento em que a câmera Leica passou a ser comercializada. Com a máquina portátil em punho, ele foi para a rua e, na busca de momentos decisivos, em que o mundo parecia entrar em total harmonia no visor de sua Leica, esboçou a síntese do fotojornalismo praticado até hoje.
Quando a fotografia contemporânea documental começou a se transformar, a partir dos anos 80, com maior uso da pose e da cor, por exemplo, Bresson votou contra a entrada na agência de fotógrafos dessa tendência, como o britânico Martin Parr. Foi derrotado e, aos poucos, deixou a fotografia e retornou ao desenho, que adotou como forma de expressão até sua morte, em 2004.
A Magnum funciona como uma cooperativa e representa 78 fotógrafos (entre mortos e vivos). Priorizam pautas próprias em detrimento de trabalhos por encomenda.
A nova geração de fotodocumentaristas incorporadas ao staff nos últimos anos injetou um novo fôlego à agência. Uma amostra disso foram os diversos prêmios ganhos pela equipe recentemente.’
INTERNET
Globo 3D do Yahoo! mostra onde acontecem as notícias pelo mundo
‘O mundo dá voltas, e o clichê fica visível no NewsGlobe (next.yahoo.net/download/newsglobe). O site, que foi lançado há uma semana, é um projeto que mostra onde se passam as matérias que ganham o status de Top Stories (principais histórias) no portal de notícias do Yahoo!.
Na página, um globo 3D fica rodando e mostrando onde acontece o que é noticiado no portal. Vai da independência de Kosovo às eleições norte-americanas. Uma coluna vermelha representa a quantidade de histórias referentes ao lugar.
O usuário pode optar por ver o globo rodando sozinho ou escolher os lugares sobre os quais quer saber. O projeto foi criado Lucas Shuman, engenheiro do grupo de inovações em mídia do Yahoo!. Para ele, o site ainda é ‘um protótipo viável para futuras visualizações 3D’.
Wikipédia
A Wikipédia é a enciclopédia famosa por ser editada por todo o mundo. E dá para acompanhar, quase em tempo real, de que ponto do planeta essas edições são feitas -pelo menos para os idiomas inglês, francês, alemão e espanhol.
O WikipediaVision (www.lkozma.net/wpv) aproveita os IPs (endereços dos computadores na rede) das pessoas que mexem na enciclopédia para identificar -com alguma precisão- os locais onde elas estão. As informações sobre as edições da Wikipédia são públicas, e uma página mostra quais as últimas feitas.
No site do projeto, László Kozma, criador do visualizador, diz esperar ‘que a WikipediaVision capture um senso geral do que as pessoas estão pensando em todo o mundo’.’
Cíntia Acayaba e Matheus Pichonelli
Internet deu fôlego a lendas urbanas, diz pesquisador
‘A mensagem chega em tom de alarde. É ‘urgente’ ou ‘confidencial’. Desodorante provoca câncer de mama. Jovem se envolve com homens para espalhar o vírus da Aids. Mulher de branco faz suas vítimas nos estacionamentos dos shoppings da cidade.
As mensagens recebidas na caixa de e-mail levaram um pesquisador da USP (Universidade de São Paulo) a dedicar seu doutorado ao estudo de lendas urbanas que, na internet, ganharam fôlego, velocidade e nova roupagem.
Durante dois anos, Carlos Renato Lopes, formado em letras, recolheu e analisou mais de 12 mil mensagens espalhadas pela internet -boa parte delas pesquisada em um site sobre o tema (www.snopes.com)- para seu estudo.
Concluiu que se tratam de histórias sem autoria definida e que envolvem, sempre, elementos do cotidiano das pessoas.
‘Sempre tem algo inusitado, quase absurdo, mas que soa como provável, como se tivesse acontecido. Por isso as pessoas ficam intrigadas e, na dúvida, espalham e transmitem as mensagens instantaneamente, o que faz com que alguns boatos se espalhem rapidamente. É como se a internet tivesse dado um novo fôlego às lendas urbanas, tradicionalmente passadas de forma oral ‘, afirma.
Um exemplo, diz Lopes, é a do sujeito que bebeu além da conta e acordou dopado, dentro de uma banheira cheia de gelo; teve os rins e fígado retirados por traficantes. Segundo ele, a história é contada desde pelo menos o final do século 19.
Para o pesquisador, a internet assegura aos autores das lendas, narradas quase sempre em terceira pessoa, um anonimato que lhe permite ‘moldar’ a história à sua maneira.
Segundo ele, as histórias são adaptadas a diversas cidades, e versões distintas que podem ser lidas em diferentes cenários, seja em Nova York, Paris ou São Paulo. O que as une são os assuntos do momento -medo de doenças, ataques, escândalos.
‘O autor da mensagem coloca elementos de sua região, de seu tempo, para fazer com que a história ganhe tons reais.’
Durante a pesquisa, Lopes identificou os tipos mais comuns de pessoas que discutem lendas urbanas em comunidades da internet: há quem tente ajudar pessoas que pedem socorro nas mensagens (usadas para aplicar golpes), há quem acredite piamente e também quem se mostre cético e se mobilize para desmentir as histórias.
O sucesso das lendas, porém, está nos temas das histórias, que delineiam contrastes entre segurança e violência, risco e conforto. ‘Tudo o que abala o cotidiano tem mais impacto.’’
NUA EM NY: TOP BRASILEIRA FOI FOCO DE UMA HISTÓRIA FANTASIOSA
‘Mesmo sendo comuns casos de histórias antigas que foram adaptadas para os novos tempos, algumas lendas urbanas surgiram -e se ‘encerraram’- na própria internet, segundo o pesquisador Carlos Renato Lopes. Ele cita como exemplo de lendas com vida curta a história espalhada pela rede de que a top Gisele Bündchen sairia nua pelas ruas de Nova York caso o time de seu namorado, Tom Brady, perdesse um campeonato de futebol americano. Outra lenda criada e encerrada pela rede mundial é a do Bug do Milênio, que previa o colapso nos sistemas de computadores em todo o mundo durante a virada do milênio, em 2000.’
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O Estado de S. Paulo
Quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
CUBA
O testamento de Fidel
‘Não foram poucos os observadores que estranharam o fato de Fidel Castro apresentar-se como candidato a uma das 614 cadeiras da Assembléia Nacional do Poder Popular, há pouco menos de um mês. Para muitos, isso só fazia sentido se o ditador pretendesse reeleger-se presidente do Conselho de Estado, como vinha acontecendo desde 1976, depois de ter exercido o cargo de primeiro-ministro durante os 18 primeiros anos da revolução cubana. Era óbvio, porém, que o estado de saúde de Fidel não lhe permitiria exercer o cargo, por isso mesmo entregue interinamente a seu irmão Raúl Castro desde julho de 2006.
Nesta terça-feira, Fidel Castro abriu o jogo. Em mensagem publicada no Granma, comunicou aos cubanos que ‘não pleitearei nem aceitarei – repito -, não pleitearei nem aceitarei o cargo de presidente do Conselho de Estado e Comandante-em-Chefe. E explicou porque, apesar de debilitado pela doença, não comunicou sua decisão há mais tempo: ‘Prepará-los para minha ausência, psicológica e politicamente, era minha primeira obrigação, depois de tantos anos de luta.’ Não se poderia esperar nada diferente de um autocrata que criou e nutriu o culto à sua própria personalidade e subjugou uma nação a seus dogmas e vontades durante 49 longos anos.
Seu herdeiro, Fidel nomeou há muitos anos. É seu irmão Raúl. Os rumos de Cuba, no que depender dele, também estão traçados e são os de sempre. Para mantê-los, confia nos quadros da velha guarda – naqueles que combateram a ditadura de Batista nas montanhas, para que ele pudesse implantar a sua própria tirania – ‘e na geração intermediária que aprendeu conosco os elementos da complexa e quase inacessível arte de organizar e dirigir uma revolução’. Esses quadros, afirmou, ‘contam com a autoridade e a experiência para garantir a sucessão’.
Há cerca de dez anos, quando se tornaram insuportáveis as agruras causadas pela interrupção da mesada que Cuba recebia da União Soviética, Fidel ensaiou uma modesta abertura econômica na Ilha, mas sem permitir a menor possibilidade de que houvesse uma fissura na couraça política da ditadura. Não gostou da experiência e voltou atrás. O testamento político que acaba de divulgar, se cumprido à risca, petrificaria Cuba por mais meio século. E esse não parece ser o plano de Raúl Castro.
Não se deve esperar, no futuro previsível, grandes aberturas no regime castrista. Na sessão da Assembléia Nacional que se inicia no domingo, os homens que constituem o núcleo principal do castrismo – Raúl, o vice-presidente Carlos Lage, o presidente da Assembléia, Ricardo Alarcón, e o chanceler Felipe Pérez Roque – certamente cumprirão o ritual de vassalagem ao ditador que se desapega dos cargos. Mas, mesmo fora da estrutura formal de poder – do Estado e do partido -, Fidel continuará tendo uma influência notável e, até sua morte, talvez decisiva sobre os destinos de Cuba.
Desde que substituiu o irmão, Raúl Castro tem manifestado publicamente o desejo de fazer reformas econômicas e de iniciar um diálogo diplomático com os principais países do Ocidente, inclusive os Estados Unidos. Quando apresentou seu programa de governo, por exemplo, surpreendeu ao reconhecer que os salários pagos na Ilha são insuficientes para uma subsistência digna, que são necessárias reformas estruturais e que a economia tem de se abrir para o capital estrangeiro. Diz-se disposto a acabar com o ‘excesso de proibições e de burocracia’ e a permitir o comércio de automóveis e imóveis. Depois disso, propôs um debate nacional sobre os problemas econômicos de Cuba, do qual participaram cerca de 5 milhões de pessoas.
Também manifestou o desejo de normalizar o relacionamento de Cuba com a União Européia – abalado desde a prisão de 75 dissidentes – e sugeriu a abertura de um diálogo direto, sem intermediários, com o presidente George Bush.
Embora tivesse condicionado todos esses avanços à manutenção do regime castrista – ou seja, das restrições às liberdades fundamentais -, as reformas não aconteceram. ‘Todos gostaríamos de marchar mais rápido, mas nem sempre é possível’, disse Raúl à Assembléia.
O obstáculo, como se sabe, era Fidel. E continuará sendo, enquanto ele for ‘uma arma a mais do arsenal, com a qual se poderá contar’.’
A renúncia do comandante
‘Fidel Castro, último líder comunista do Ocidente, renunciou ontem à presidência de Cuba. No poder há 49 anos – um recorde entre os estadistas vivos -, Fidel sobreviveu a dez presidentes americanos e a mais de 600 tentativas de assassinato, a maioria orquestrada pela CIA. Sete em cada dez cubanos vivos só conheceram um único presidente: El Comandante.
Aos 81 anos, Fidel comunicou sua aposentadoria por meio de uma carta publicada pelo diário oficial Granma. No texto, ele fala dos problemas de saúde e aponta para a necessidade de o povo cubano acostumar-se com sua sucessão. ‘Preparar (os cubanos) para minha ausência, psicológica e politicamente, era minha principal obrigação depois de tantos anos de luta.’
Fidel escolheu a dedo o momento para se afastar. Em janeiro, os cubanos elegeram 614 novos integrantes do Parlamento, que deveriam ratificar o nome de Fidel ou escolher um novo líder em votação marcada para domingo – provavelmente o de seu irmão Raúl Castro, que há um ano e meio governa o país em caráter temporário. Para dar ares definitivos à interinidade de Raúl, ele optou pela renúncia. ‘Comunico que não aspirarei nem aceitarei o cargo de presidente do Conselho de Estado e de comandante-chefe’, disse Fidel na carta.
Centralizador até na hora da despedida, foi assim, por vontade própria, com dia e hora marcados, que o velho revolucionário saiu de cena. Não foi um adeus, como deixou claro o próprio Fidel em sua carta-renúncia. Foi-se o comandante, mas ficou o companheiro, que continuará comandando o país dos bastidores.
Nas ruas de Havana, embora conscientes do momento histórico que representava a renúncia, os cubanos reagiram com uma discreta indiferença. ‘Isso não é notícia’, disse Elizardo Sánchez, um dos líderes da dissidência e fundador da Comissão Cubana para Direitos Humanos e Reconciliação. ‘A renúncia já era esperada e não muda a situação dos direitos humanos nem o sistema de partido único. Não há razão para comemorar.’
O ceticismo de muitos cubanos reflete o fato de não haver surpresas na sucessão de Fidel, que está afastado da presidência desde 31 de julho de 2006, quando passou o poder para o irmão Raúl em razão de uma grave crise intestinal.
Na época, a notícia foi recebida com muito mais surpresa pelos cubanos, que não sabiam o que seria da ilha sem Fidel e ainda tinham dúvidas sobre a capacidade de Raúl manter-se no poder.
Aos poucos, no entanto, depois do afastamento e de algumas cirurgias, ficou claro que a Cuba pós-Fidel não seria necessariamente o fim do regime. Enquanto Raúl assumia seu espaço e acenava com reformas, Fidel se recuperava, recebia chefes de Estado e se dedicava a escrever artigos, muitos deles dando sinais de que a sucessão estava próxima. Em dois deles, escritos em dezembro, Fidel dizia que não estava mais ‘apegado ao poder’, o que muitos analistas interpretaram como sendo um prenúncio da renúncia.
NYT, REUTERS E AP’
Íntegra
‘Esta é a íntegra da carta de renúncia de Fidel, publicada pelo jornal Granma.
‘Queridos compatriotas,
Prometi na última sexta-feira, 15 de fevereiro, que na próxima reflexão abordaria um tema de interesse para muitos compatriotas. Desta vez, a mesma adquire forma de mensagem.
Chegou o momento de postular e eleger o Conselho de Estado, seu presidente, vice-presidentes e secretário.
Desempenhei o honroso cargo de presidente por muitos anos. Em 15 de fevereiro de 1976, foi aprovada a Constituição Socialista pelo voto livre, direto e secreto de mais de 95% dos cidadãos com direito de votar. A primeira Assembléia Nacional foi constituída em 2 de dezembro do mesmo ano e elegeu o Conselho de Estado e a sua presidência. Antes, eu havia exercido o cargo de primeiro-ministro durante quase 18 anos.
Sempre contei com as prerrogativas necessárias para levar adiante a obra revolucionária com o apoio da imensa maioria do povo.
Conhecendo meu estado de saúde crítico, muitos no exterior pensavam que a renúncia provisória ao cargo de presidente do Conselho de Estado, em 31 de julho de 2006, que deixei nas mãos do primeiro-vice-presidente, Raúl Castro Ruz, era definitiva. O próprio Raúl, que ocupa também o cargo de ministro das F.A.R. (Forças Armadas Revolucionárias) por méritos pessoais, e os demais companheiros da direção do Partido e do Estado relutaram em considerar-me afastado de meus cargos, apesar de meu precário estado de saúde. Era incômoda minha posição frente a um adversário que fez de tudo para se livrar de mim, e em nada me agradava comprazê-lo.
Mais tarde, pude alcançar novamente o domínio total de minha mente, a possibilidade de ler e meditar muito, obrigado pelo repouso.
Acompanhavam-me as forças físicas suficientes para escrever por longas horas, que dividia com a reabilitação e os programas pertinentes de recuperação. O simples bom senso me indicava que tal atividade estava ao meu alcance. De outro lado, sempre me preocupei, ao falar da minha saúde, em evitar ilusões que, no caso de um desfecho adverso, trariam notícias traumáticas ao nosso povo no meio da batalha. Prepará-lo para minha ausência, psicológica e politicamente, era minha principal obrigação depois de tantos anos de luta. Nunca deixei de assinalar que se tratava de uma recuperação ?não isenta de riscos?.
Meu desejo sempre foi cumprir o dever até o último sopro. É o que posso oferecer.
A meus queridos compatriotas, que me deram a imensa honra de me eleger há alguns dias membro do Parlamento, em cujo seio devem ser adotados acordos importantes para o destino de nossa Revolução, comunico que não aspirarei nem aceitarei – repito – não aspirarei nem aceitarei o cargo de presidente do Conselho de Estado e comandante-chefe. Em breves cartas dirigidas a Randy Alonso, diretor do programa Mesa Redonda da Televisão Nacional, e divulgadas a meu pedido, foram incluídos discretamente elementos da mensagem que hoje escrevo, nem sequer o destinatário das missivas conhecia meu propósito. Confiei em Randy porque o conheci bem quando ele era estudante universitário de Jornalismo, e me reunia quase toda semana com os principais representantes dos estudantes universitários, vindos do que já era conhecido como o interior do país, na biblioteca da ampla casa de Kohly, onde se hospedavam. Hoje, o país todo é uma imensa universidade.
Parágrafos selecionados da carta enviada a Randy em 17 de dezembro de 2007: ?Minha mais profunda convicção é de que as respostas aos problemas atuais da sociedade cubana, que possui uma média educacional próxima de 12 séries, quase 1 milhão de universitários formados e a possibilidade real de estudo para seus cidadãos sem nenhuma discriminação, requerem mais variantes de resposta para cada problema concreto do que as contidas num tabuleiro de xadrez. Nem sequer um detalhe pode ser ignorado, e não se trata de um caminho fácil, se for para a inteligência do ser humano prevalecer sobre seus instintos numa sociedade revolucionária.
?Meu dever primordial não é agarrar-me a cargos, muito menos obstruir o caminho de pessoas mais jovens, e sim oferecer experiências e idéias cujo modesto valor provém da época excepcional que me coube viver.
?Penso como Niemeyer que é preciso ser conseqüente até o fim.? Carta de 8 de janeiro de 2008: ?…Sou firme partidário do voto unido (um princípio que preserva o mérito ignorado). Foi o que nos permitiu evitar as tendências de copiar o que vinha dos países do antigo bloco socialista, como a figura de um candidato único, tão solitário e ao mesmo tempo tão solidário com Cuba.
Respeito muito aquela primeira tentativa de construir o socialismo, graças à qual pudemos continuar no caminho escolhido.
?Estava bem consciente de que toda a glória do mundo cabe num grão de milho?, reiterei naquela carta.
Trairia minha consciência, portanto, assumir uma responsabilidade que requer mobilidade e entrega total quando não estou em condições físicas de oferecer isso. Explico sem drama.
Felizmente, nosso processo ainda conta com quadros da velha guarda, ao lado de outros que eram muito jovens quando teve início a primeira etapa da Revolução. Alguns quase crianças incorporaram-se aos combatentes das montanhas e depois, com seu heroísmo e suas missões internacionalistas, encheram de glória o país. Contam com autoridade e experiência para garantir a substituição. Nosso processo dispõe igualmente da geração intermediária que aprendeu conosco os elementos da complexa e quase inacessível arte de organizar e dirigir uma revolução.
O caminho sempre será difícil e exigirá o esforço inteligente de todos. Desconfio dos atalhos aparentemente fáceis da apologética, ou da autoflagelação como antítese. Preparar-se sempre para a pior das hipóteses. Ser tão prudentes no êxito quanto firmes na adversidade é um princípio que não pode ser esquecido. O adversário a derrotar é extremamente forte, mas o contivemos durante meio século.
Não me despeço de vocês. Desejo apenas lutar como um soldado das idéias. Continuarei a escrever sob o título ?Reflexões do companheiro Fidel?. Será mais uma arma do arsenal com a qual se poderá contar.
Talvez minha voz seja ouvida. Serei cuidadoso. Obrigado.’’
Gilles Lapouge
Ator ruidoso sai de cena
‘Desta vez ele se retira de cena. De verdade. Em dezembro de 2006, pensamos que ele estivesse morto. Mas Fidel se contentou apenas em ficar doente, uma doença que hoje faz com que se aposente. Sem lamentos.
O que se esvaece é uma imagem que nos acompanhou durante 49 anos e hoje está desbotada. Um homem que resistiu a dez presidentes americanos, de Eisenhower a George W. Bush. Um personagem mumificado, meio enterrado na sua poeira, que pertence à história passada.
Nas telas de nossas lembranças, duas imagens resumem esse destino extraordinário: a primeira, de um gigante de 33 anos, fascinante, majestoso, triunfante, o jovem guerreiro que acabava de expulsar o ditador Batista, em 1º de janeiro de 1959.
A segunda imagem é fúnebre: a cena que a TV cubana nos envia de tempos em tempos, desde a operação de Fidel em 2006: um velho de pijama que faz alguns pobres movimentos de braços para convencer a si próprio de que ainda está vivo, enquanto a morte parece já tomar conta dele.
Vimos Fidel, em seu quarto de hospital, entregar-se a essa última dança, uma ‘dança macabra’.
Este é o fim lúgubre de um homem que tumultuou as últimas cinco décadas. Ele não é nada mais do que seu próprio fantasma, assim como a revolução humanista anunciada em 1959, que rapidamente degringolou e se transformou em tirania.
Nos palcos do mundo, um ator ruidoso silencia. Sua ausência deixará um enorme vazio. Quem irá substituí-lo? Provavelmente seu irmão Raúl, que Fidel já tinha instalado no trono, após sua operação. Mas Raúl será capaz de preencher o espaço imenso ocupado por seu irmão? É certo que os dois são muito próximos (mesmos estudos com os jesuítas, mesmo ataque da caserna de la Moncada em 1953, mesmo exílio no México e mesmo desembarque do ‘Granma’). Mas as semelhanças param aí. O ‘líder mínimo’ não tem a amplitude do ‘líder máximo’.
Talvez nem mesmo sejam irmãos, se é verdade que ‘mamãe Ina’ o teria concebido em 1931 com auxílio de um policial mestiço de chinês na cidade de Biran, o que lhe valeu o apelido de ‘Chinito’. Raúl, aliás, tem outros apelidos, como ‘o Asno’, ou ‘modelo reduzido’.
Fidel é um parlapatão. Raúl economiza as palavras. Raúl é baixinho, um joão-ninguém, mal-humorado. Não tem nada da sedução diabólica do irmão mais velho. O escritor cubano Eduardo Manet, exilado em Paris desde 1960, diz que ‘o charme de Fidel era sem limites. Ele podia seduzir quem desejasse. O que ocorreu em Cuba é que o povo cubano caiu de amores por Fidel’.
As mulheres também não resistiram ao seu charme. ‘Ele era forte. Indestrutível. E rápido. Uma mulher que passou uma noite com Fidel disse que nem viu se ele tirou as botas antes de entrar em ação.’
Manet alerta contra esse ‘charme’. ‘Fidel era o Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Em particular, era um homem sensível, fino, divertido, muito culto. Mas, se o que estava em jogo era a Revolução, ele se tornava implacável, bárbaro.’
Essa barbárie fez estragos: 17 mil pessoas fuziladas desde 1959. Mandou matar até mesmo antigos companheiros, como o general Ochoa, herói da guerra de Angola, fuzilado em 1989.
Raúl continuará a linha flamejante, um pouco louca e bastante desumana de seu irmão? Ou colocará um fim na Revolução e buscará a calma e a pacificação? O chefe do conservador Partido Popular espanhol,Mariano Rajoy, disse esperar ‘que a partida de Fidel’ seja ‘o início da democracia’.
Raúl tem a reputação de ser menos brutal. Mas talvez seja uma ilusão.
Militar, organizador do corpo expedicionário cubano em Angola e na Etiópia, de 1970 a 1980, ele se apresentava como um ‘stalinista’. Não se pode dizer também que seja uma pessoa muito terna: quando governador da província do Oriente em 1959, mandou fuzilar centenas de oponentes.
É verdade que, mais recentemente, Raúl parece mais moderado do que Fidel. Em 1994, recusou-se a enviar o Exército para reprimir uma manifestação, como foi ordenado por Fidel.
Difícil imaginar que esse personagem insosso, tão sem história, possa chegar aos excessos de Fidel. Além disso, o mundo mudou radicalmente depois de 1960. Fidel soube enfeitiçar seu povo graças a seus talentos, mas também se aproveitando habilmente da Guerra Fria, da qual foi um dos principais atores. Mas, quando do colapso da União Soviética, em 1990, todo o edifício diplomático por ele criado desmoronou.
A ilha entra num ‘grande inverno’. Está arruinada. O povo tem fome.
Fidel aposta no turismo, retomando curiosamente o modelo daquele que ele derrubou, o ditador Batista. Cuba assemelha-se a, partir daí, a esses ‘paraísos tropicais’ do Terceiro Mundo: o povo em farrapos, e os ricaços gorduchos do Ocidente a se exibir. A queda do comunismo foi o fim da ‘utopia cubana’.
Certamente, Cuba sobreviveu. O desafio lançado por Fidel aos Estados Unidos perdurou. Mas o ‘messianismo lírico’ dos primeiros anos, que fez de Cuba o ponto de encontro de ‘rebeldes’, ‘esquerdistas’ e às vezes ‘sonhadores’ do mundo inteiro, é quase uma lembrança. Cinzas, apenas. O curso da história rejeitou desdenhosamente, jogando para a margem da estrada os obscuros sonhos cubanos.
A ilha continua, claro, atraindo alguns. Havana ainda é um lugar encantado. Chefes da América Latina, Chávez ou mesmo Lula, fizeram escala em Cuba, ou visitaram o velho guerreiro do Terceiro Mundo no seu quarto de hospital. Mas são gesticulações, peregrinações ou nostalgias.
Cuba, agora, é um astro extinto, porque o caminho aberto por Fidel era uma ‘via sem saída’, e porque o mundo entrou numa nova era.
* Correspondente em Paris’
Frei Betto
Não é o início do fim do socialismo
‘Fidel Castro, de 81 anos, renunciou às suas funções de presidente do Conselho de Estado de Cuba e comandante-chefe da Revolução. Entregue aos cuidados de sua saúde, prefere manter-se fora das atividades de governo e participar do debate político – que sempre o encantou – por meio de seus artigos na mídia. Permanece, porém, como membro do Birô Político do Partido Comunista de Cuba.
No próximo domingo, Raúl Castro, de 77 anos, será eleito, pelos novos deputados da Assembléia Nacional, para ocupar a função de primeiro mandatário de Cuba.
Esta é a segunda vez que Fidel renuncia ao poder. A primeira ocorreu em julho de 1959, sete meses após a vitória da Revolução. Eleito primeiro-ministro, entrou em choque com o presidente Manuel Urrutia, que considerou radical as leis revolucionárias, como a reforma agrária, promulgadas pelo conselho de ministros. Para evitar um golpe de Estado, o líder cubano preferiu renunciar. O povo saiu às ruas em seu apoio. Pressionado pelas manifestações, Urrutia não teve alternativa senão deixar o poder. A presidência foi ocupada por Osvaldo Dorticós e Fidel voltou à função de primeiro-ministro.
Estive em Cuba em janeiro deste ano, para participar do Encontro Internacional sobre o Equilíbrio do Mundo, à luz do 155.º aniversário de nascimento de José Martí, figura paradigmática do país. Retornei em meados de fevereiro para outro evento internacional, o Congresso Universidade 2008, do qual participaram vários reitores de universidades brasileiras.
Nas duas ocasiões encontrei-me com Raúl Castro e outros ministros cubanos. Reuni-me também com a direção da Federação Estudantil Universitária (FEU), estudantes da Universidade de Ciências Informáticas, professores de nível básico e médio e educadores populares.
Ilude-se quem imagina significar a renúncia de Fidel o começo do fim do socialismo em Cuba. Não há nenhum sintoma de que setores significativos da sociedade cubana aspirem o retorno ao capitalismo. Nem os bispos da Igreja Católica. Exceção a uns poucos que, em nome dos direitos humanos, não se importariam que o futuro de Cuba fosse equivalente ao presente de Honduras, Guatemala ou Nicarágua. Aliás, nenhum dos que se evadiram do país prosseguiu na defesa dos direitos humanos ao inserir-se no mundo encantado do consumismo…
Cuba não é avessa a mudanças. O próprio Raúl Castro desencadeou um processo interno de críticas à Revolução, por meio das organizações de massa e dos setores profissionais. São mais de 1 milhão de sugestões ora analisadas pelo governo. Os cubanos sabem que as dificuldades são enormes, pois vivem numa quádrupla ilha: geográfica, única nação socialista do Ocidente, órfã de sua parceria com a União Soviética e bloqueada há mais de 40 anos pelo governo dos EUA.
Malgrado tudo isso, o país mereceu elogios do papa João Paulo II por ocasião de sua visita, em 1998. No Índice de Desenvolvimento Humano de 2007 da ONU, o Brasil comemorou o fato de figurar em 70.º lugar. Os primeiros 70 países são considerados os melhores em qualidade de vida. Cuba, onde nada se paga pelo direito universal à saúde e educação de qualidades, figura em 51.º lugar. O país apresenta uma taxa de alfabetização de 99,8%, conta com 70.594 médicos para uma população de 11,2 milhões (1 médico para 160 habitantes), índice de mortalidade infantil de 5,3 por cada 1 mil nascidos vivos (nos EUA são 7 e, no Brasil, 27) e 800 mil diplomados em 67 universidades, nas quais ingressam, por ano, 606 mil estudantes.
Hoje, Cuba mantém médicos e professores atuando em mais de 100 países, incluindo o Brasil, e promove, em toda a América Latina, a Operação Milagros, para curar gratuitamente enfermidades dos olhos, e a campanha de alfabetização Yo si puedo (Sim, eu sou capaz), com resultados que convenceram o presidente Lula a adotar o método no Brasil.
Haverá, sim, mudanças em Cuba quando cessar o bloqueio dos EUA, forem libertados os cinco cubanos presos injustamente na Flórida por lutarem contra o terrorismo, e se a base naval de Guantánamo, ora utilizada como cárcere clandestino – símbolo mundial do desrespeito aos direitos humanos e civis – de supostos terroristas for devolvida.
Não se espere, contudo, que Cuba arranque das portas de Havana dois cartazes que envergonham a nós, latino-americanos, que vivemos em ilhas de opulência cercadas de miséria por todos os lados: ‘A cada ano, 80 mil crianças morrem vítimas de doenças evitáveis. Nenhuma delas é cubana.’ ‘Esta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma é cubana.’
* Frei Betto é escritor, autor de ?Calendário do Poder? (Editora Rocco), entre outros livros.’
TV PÚBLICA
TV pública é aprovada, com 3 anos sem concurso
‘A Câmara aprovou ontem à noite a medida provisória que cria a TV Brasil, emissora pública que está no ar desde dezembro. Foram 336 votos a favor da MP, 103 contra e 3 abstenções. DEM e PSDB orientaram suas bancadas a votar contra. Os pontos mais atacados pela oposição foram a criação de uma contribuição de fomento, que garante à TV uma receita adicional este ano de R$ 150 milhões, além dos R$ 350 milhões do Orçamento da União, e a possibilidade de admissão de funcionários sem concurso durante três anos.
Um acordo entre governo e oposição transferiu para hoje a votação de destaques ao texto-base. Entre eles, há propostas para acabar com a contribuição de fomento e para mudar a sede da TV pública do Rio para Brasília. Depois da votação das emendas a MP irá para o Senado.
Se a TV pública for aprovada pelos senadores, o DEM planeja recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a contribuição de fomento, com o argumento de que é um novo tributo e não pode ser criado por MP. O PT alega que se trata apenas de nova destinação para parte de um imposto já existente, o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). O relator, Walter Pinheiro (PT-BA), criou um desconto nas taxas pagas por empresas de telecomunicações ao Fistel e transferiu os valores descontados para a recém-criada Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública. Os R$ 150 milhões representam 10% da arrecadação do Fistel. Com isso, ficam garantidos pelo menos R$ 500 milhões para a TV Brasil este ano. ‘Não se cria uma TV sem recursos’, sustentou o relator.
‘A contratação sem concurso vai até o fim do governo Lula. É a TV do cabidão, a TV da boquinha’, reagiu Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR). ‘Daqui a pouco, será a TV do bilhão. Foi criado um tributo para financiar o que consideram prioridade. Se amanhã o governo achar que é pouco, manda uma MP aumentando a tabela. Isso vai acabar no Supremo’, reclamou Paulo Bornhausen (DEM-SC).
O PTB, que tem como primeiro vice-presidente Flávio Martinez, dono da TV CNT, chegou a reforçar a obstrução do DEM e do PSDB, mas na votação do texto-base da MP o líder do partido, Jovair Arantes (GO), anunciou a posição a favor da TV pública. Um dos pontos atacados pelas emissoras comerciais é a obrigatoriedade de que garantam à TV Brasil a transmissão de jogos de seleções brasileiras de qualquer esporte, se comprarem os direitos, mas optarem por não transmiti-los.
O relator disse que há mudanças para evitar que a TV Brasil seja usada para favorecer o governo. ‘As propagandas de autopromoção estão proibidas, não pode divulgar benefícios nem obras.’. O texto aprovado cria a função de ouvidor da TV pública, com liberdade para fazer críticas. Governistas negaram que a emissora estará a serviço do governo. ‘Terá uma posição independente, respeitando a pluralidade própria da democracia’, discursou o líder petista, Maurício Rands (PE).’
CENSURA
Egito proíbe venda de 4 jornais europeus
‘O governo do Egito proibiu ontem a venda de quatro jornais europeus por reproduzirem as charges dinamarquesas do Profeta Maomé com uma bomba no turbante. Segundo a agência de notícias estatal, os jornais banidos foram: Wall Street Journal, dos EUA; The Observer, da Grã-Bretanha; e os alemães Frankfurter Allgemeine e Die Welt.’
TELES
BrT diz que lei limita crescimento das teles
‘Presidente da empresa defende a mudança na legislação do setor
O presidente da Brasil Telecom (BrT), Ricardo Knoepfelmacher, disse ontem que eventuais mudanças no Plano Geral de Outorgas (PGO), que contém as regras da telefonia fixa, não devem ser ‘casuísticas’. Executivo de uma das principais interessadas no fim das barreiras regulatórias para a união entre operadoras de telefonia, o presidente da BrT afirmou que, para ser multinacional no setor de telecomunicações, uma empresa precisa ser grande e ter escala.
Knoepfelmacher defendeu o cumprimento, pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), de todos os procedimentos de análise do pedido de mudanças de regras. ‘Deve seguir todo o rito e a sociedade deve ter o direito de opinar’, disse o executivo, no seminário Políticas de Telecomunicações.
Ele disse que a Brasil Telecom continuará atraente, mesmo se não vier a se fundir com outra empresa. Mas observou que, se o Brasil pretende ter grandes multinacionais, precisa ter empresas maiores. ‘Certamente com esse tamanho ela (BrT) não poderia aspirar ser uma grande multinacional. Teria que se contentar com um trabalho de nicho, segmentado e regionalizado’, disse.
O presidente da Anatel, embaixador Ronaldo Sardenberg, que participou do mesmo seminário, afirmou que a agência pretende analisar ‘sem afogadilho’ o pedido de alteração no PGO. ‘Não há nenhuma intenção de enfiar pela goela de ninguém essa questão’, afirmou o embaixador sem marcar prazo para concluir a análise.
A expectativa do presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix), José Fernandes Pauletti, é que a Anatel levará pelo menos 90 dias para analisar a proposta. Pauletti não acredita que a Anatel colocará obstáculos às novas regras porque houve uma ‘forte indicação do governo’ de que quer as alterações.
O próprio presidente da Anatel sinalizou que a agência não deverá divergir da posição do ministério, que recomendou mudanças de regras.
‘Não conversei com os membros do conselho, mas imagino que não’, disse ele, ao ser perguntado se a agência poderia deixar de atender ao pedido do governo. Segundo Sardenberg, a agência analisará de maneira conjunta, mas em diferentes grupos, as recomendações feitas pelo ministério de mudanças de regras na telefonia fixa, na telefonia celular e do setor de TV por assinatura.
Durante a sua apresentação no seminário, falando de uma maneira geral sobre as atribuições da Anatel, Sardenberg disse que a agência não pode correr riscos de cometer erros técnicos que levem a ações judiciais. ‘Não podemos produzir milagres para não fragilizar as decisões’, afirmou.
LULA
O ministro das Comunicações, Hélio Costa, também não fez pressão. Disse que a Anatel levará o tempo que achar necessário para concluir a análise e assim que o ministério receber a resposta a enviará ao presidente Lula, a que cabe tomar a decisão final.
Costa contou que o presidente perguntou a ele o que o consumidor ganharia caso seja permitida a compra da BrT pela Oi. ‘Eu respondi: haverá economia de escala, avanço tecnológico e redução de custos’, disse.’
FUSÕES E AQUISIÇÕES
União entre Thomson e Reuters é aprovada
‘Autoridades antitruste da União Européia e dos EUA deram sinal verde, com restrições, para a compra da agência de notícias e informações financeiras Reuters pela canadense Thomson Corp. As empresas concordaram em vender cópias de suas bases de dados financeiras a terceiros, uma das determinações dos órgãos reguladores.’
Microsoft tenta mudar conselho do Yahoo
‘A Microsoft tentará convencer os acionistas do Yahoo a nomear um novo conselho administrativo a favor da venda do portal à gigante da informática, segundo o jornal The New York Times. Na semana passada, o Yahoo rejeitou oficialmente a oferta de US$ 44,6 bilhões apresentada pela Microsoft, com o argumento de que o valor subavaliava a empresa.’
TELEVISÃO
Reencontro marcado: os dias eram assim…
‘Foi uma estréia cercada de expectativas e com divulgação poderosa como são todas as superproduções globais. Uma semana antes, muita gente já tinha se emocionado até às lágrimas nas festas de lançamento, onde foram apresentados clipes da produção. A emoção foi o mote da propaganda e nem tinha de ser diferente para uma história de reencontro e lembranças de um passado barra-pesada. Mas Queridos Amigos, minissérie que a Globo leva ao ar desde segunda-feira, prometia ao público algo mais desde as primeiras chamadas. Esse ‘diferencial’ tanto podia funcionar a favor como contra, porque prometia aquela espécie de cumplicidade rara que faz com que cada telespectador se sinta como se fosse o dono da história.
A julgar pelo capítulo de número um, que deu 26 pontos de média de audiência na Grande São Paulo, segundo informou a Globo, a atração está entregando o que anunciou e o ibope pode subir, apesar de ir ao ar tarde demais para o público padrão – após as 23 horas, de terça a sexta, até 28 de março.
Audiência à parte, Queridos Amigos, da escritora, novelista e dramaturga Maria Adelaide Amaral, fez uma belíssima apresentação dos personagens. Ao investir nos diálogos, fugiu do tom burocrático que costuma deixar as estréias com cara de catálogo. Na grande maioria das vezes, revelou nuances profundas do perfil psicológico do grupo retratado e de cada um em particular. Usando como ponto de ligação as intervenções do protagonista Leo (Dan Stulbach), a autora deixou de lado o julgamento para mostrar que a grandeza humana é maior do que os fracassos, as frustrações e as concessões que a geração nascida nos anos 50 teve de fazer para sobreviver ao fim do maior de todos os seus sonhos: o da igualdade social.
O primeiro capítulo durou mais de uma hora – começou por volta das 22h30 e acabou 23h50. Não cansou, pelo contrário, teve um gostinho bom de cinema. Aliar qualidade cinematográfica com uma narrativa feita em cima de diálogos e não da ação foi um dos grandes méritos da estréia. Maria Adelaide Amaral domina a cena sem medo de conversar com o público. Sempre fez isso muito bem mesmo nas suas obras históricas, como JK (2006), A Casa das Sete Mulheres (2003) e A Muralha (2000), para citar algumas de suas minisséries e sem contar suas peças de teatro. Ela tem o dom e a coragem de levar o público a aceitar suas provocações sem parecer que está provocando.
Além da boa história, o elenco esteve perfeito e mostrou a sintonia essencial para o tom de afeto que move a trama. Nada sobrou, nada faltou, os diálogos cabiam redondos na boca de cada um, mas, mesmo com o desempenho geral excelente, alguns se destacaram.
Não poderia ser outro senão Dan Stulbach no papel do protagonista, personagem inspirado no jornalista Decio Bar, morto no início dos anos 90. Décio era amigo de Maria Adelaide e foi para tentar entender a morte dele que ela escreveu o romance Aos Meus Amigos, que deu origem à minissérie. Como diria a riponga da turma dos queridos amigos, Bia (Denise Fraga), algum aspecto de Saturno deve ter dado uma força nessa escalação. Foi Stulbach quem sugeriu a Maria Adelaide que transformasse seu livro em minissérie.
Débora Bloch está maravilhosa no papel da incompreendida Lena, artista plástica que carrega o estigma da rejeição como mulher, mãe e filha. Guilherme Weber, no papel de Beny, vai dar o que falar. E ainda bem que toda turma tem uma amiga lúcida – a da minissérie é a Lúcia, numa interpretação discreta e elegante da atriz Malu Galli.
Pedro (Bruno Garcia) foi outro destaque como o escritor que joga seus fracassos e frustações na morte insuperável da mulher. Imagem da decadência absoluta, fica impossível olhar para ele e não perguntar: ‘O que foi feito de nós?’ Só por essa reflexão já vai ter valido a pena ter aberto a caixa de fotografias dos queridos amigos.’
Etienne Jacintho
Audiência na média
‘Beleza Pura, a primeira novela de Andrea Maltarolli, estreou anteontem, na Globo, com uma audiência de 32 pontos de média, número inferior ao de suas antecessoras, mas na média do horário. Vale lembrar que Sete Pecados, de Walcyr Carrasco, entregou o horário com 37 pontos, média baixa em relação a Pé na Jaca, de Carlos Lombardi, e Cobras & Lagartos, de João Emanuel Carneiro.
Apesar do ibope mediano, a trama de Andrea deve seguir a tendência do horário e crescer em audiência nos próximos dias, afinal, o elenco não é de se jogar fora – e a mocinha das 7 tem mais carisma que a das 9. Divertido foi ver o esforço da autora para firmar Regiane Alves – famosa por suas personagens intragáveis – como mocinha. Na nova novela, Regiane abraça crianças órfãs e chora ao falar de sua infância. Ela é boazinha!
O jogo de cena entre Regiane e Edson Celulari deu humor ao capítulo, que só pecou ao mostrar o galã como uma espécie de Rambo conquistador. Mas a autora acertou ao exibir as situações que levarão os personagens principais a se conhecerem. Resta saber se a novata Andrea colocará o horário de volta à casa dos 40 pontos.’
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