Para que ganhar um processo, se o simples fato de entrar na Justiça pode se
transformar, sem necessidade de condenação, no próprio castigo?
O foro privilegiado, tão criticado, já é uma reação a essa tática: para
evitar que um grupo mova dezenas de ações diferentes contra a mesma pessoa, cada
uma num lugar do país, obrigando-a a contratar um escritório inteiro de
advocacia ou a pagar inúmeras viagens, determinou-se que autoridades terão o
direito de responder diretamente no mais alto tribunal que exerça jurisdição
sobre o caso. OK; o caso das autoridades está resolvido. E no caso dos cidadãos
comuns?
Em reação a uma reportagem da jornalista Elvira Lobato, diversas pessoas
ligadas à instituição que se sentiu atingida abriram processos em diferentes
cidades – e, ainda bem, cometeram o erro de usar os mesmos argumentos e as
mesmas frases em cada uma das ações. Isso tornou mais fácil mostrar que havia um
plano conjunto para dificultar o trabalho da defesa.
Mas há outras maneiras de transformar a própria Justiça em castigo,
independente de culpa, independente do resultado do julgamento Este colunista,
por exemplo, está sendo processado por uma fabricante de produtos cancerígenos.
O processo deu entrada em Duque de Caxias, RJ, o que obrigará o colunista a
perder um dia inteiro para cada audiência.
Há alguns anos, um prefeito moveu 22 processos contra este colunista (perdeu
todos). E só parou quando alguém levantou a possibilidade de que ele não
estivesse preocupado em ganhar o processo, mas em incomodar os envolvidos. A
tese era correta: a defesa passou a exigir a presença do acusador nas
audiências, e os processos pararam como que por milagre.
O recurso à Justiça é sagrado; mas é preciso estudar uma maneira para evitar
que, em vez de se destinar a apurar quem tem razão, ele se transforme num fim em
si mesmo, atulhando o Judiciário com pilhas de ações desnecessárias.
Escândalo: e se não for?
Às vezes, a reportagem se entusiasma com algumas descobertas, de preferência
fornecidas por órgãos públicos, e esquece de fazer o trabalho básico: apurar.
Vejamos um caso: de acordo com o Tribunal de Contas da União, havia 27 notas
fiscais frias na prestação de contas do aluguel de veículos numa viagem do
presidente Lula a Ponta Porã, na fronteira com o Paraguai. Parece que eram
‘notas calçadas’: o cliente a recebe com um valor, a cópia do comerciante fica
com outro, mais baixo. Pode servir para o cliente cobrar um reembolso maior,
pode servir para o comerciante pagar um imposto menor.
De acordo com a prestação de contas, o governo gastou 206 mil reais em
aluguel de veículos; o dono da empresa diz ter cobrado 40 mil reais. É fácil
sair acusando o governo de superfaturamento, mas não é correto: o comerciante
também pode estar errado. Deve-se pesquisar um pouco. Quantos carros foram
alugados, de que marcas e modelos? Com ou sem motorista? Por quanto tempo?
Carros como os alugados pelo governo custam quanto por dia, no mercado
local?
É mais trabalhoso. Mas a informação fica bem mais
precisa.
Escândalo: novas placas
A matéria, como sempre, vem em tom de denúncia: os vereadores de São Paulo
propõem placas de bronze para seus carros, com o objetivo de burlar o rodízio
municipal de veículos.
Será a medida tão ruim como parece? Este colunista não tem a menor idéia. Mas
ouviu uma série de argumentos favoráveis à mudança.
Hoje, com placas comuns, é difícil identificar um carro da Câmara. O
vereador, sem grandes preocupações, pode passear à vontade. Com placa de bronze,
fica mais fácil identificar os carros oficiais. E, se levarmos em conta que a
atividade dos vereadores é importante para a cidade, tanto que se gasta uma boa
quantia para mantê-los, o rodízio não deve ser um obstáculo ao trabalho do
parlamentar. Uma reunião na periferia terá de ser transferida, porque é rodízio
de Sua Excelência? Casas em risco de desabamento devem esperar o horário
adequado para que o vereador as visite e leve o problema à prefeitura?
São argumentos que merecem análise. Talvez o correto seja manter as atuais
placas, e pronto. Mas não se pode tomar essa decisão a golpes de
manchete.
Escândalo: ajuda aos pobres
Está nos jornais: o programa do governo federal contra a pobreza rural
concentra a maior parte dos recursos 19 nos estados governados por petistas e
aliados. OK, pode ser favorecimento (não seria a primeira vez, nem surpreenderia
este colunista). Mas também pode ser que a pobreza rural não se concentre em
Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul, governados por tucanos, não é
mesmo?
Carne boa
A imprensa deixou a coisa correr frouxa, a ponto de provocar uma certa dúvida
entre os consumidores: se a carne exportada, teoricamente a que temos de melhor,
enfrenta restrições sanitárias de países desenvolvidos (e, segundo o ministro da
Agricultura do Brasil, as restrições são aceitáveis), que acontece com a carne
que comemos lá em casa? Se o Ministério da Agricultura diz que só pode
fiscalizar 700 propriedades em todo o país (e a União Européia acha que nem
isso), quem cuida dos boizinhos que abastecem o açougue da esquina?
Os meios de comunicação não foram fundo, preferiram discutir os aspectos
econômicos do problema. Mas um grande especialista em carne, Istvan Wessel, um
dos maiores conhecedores do tema no país, tranqüiliza o consumidor:
‘Não é a carne que não tem controle sanitário adequado, mas o boi é que não
tem. Ou seja, podem estar inspecionando mal o animal, mas a inspeção federal do
Ministério da Agricultura funciona muito bem nos frigoríficos, inspecionando a
carne dos animais que consumimos. Verificação das vísceras, pulmões, etc., está
sendo feita, sim. Parece um pequeno detalhe, mas não é.’
Ele sabe. Se o Wessel diz que a carne é boa, é porque a carne é
boa.
Sempre o macro
O ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia veio ao Brasil e, conforme o
previsto, disse que não conseguirá entregar todo o gás já contratado. OK: e que
é que este colunista vai dizer lá em casa? Vai faltar gás para o fogão? As
termelétricas ficarão desligadas por falta de gás? Vai faltar luz? E a indústria
onde o primo está empregado, que é que vai fazer?
Nossos meios de comunicação preferiram, também nesse caso, ficar na análise
macroeconômica (aquela que parece nada ter a ver com a vida real). Nosso
dia-a-dia, pelo jeito, não tem muita importância.
Como…
Frase do líder do governo no Senado, Romero Jucá: ‘Na Câmara, a maioria do
governo é maior’.
…é…
Saiu num grande jornal uma reportagem sobre o pessoal que prefere os discos
de vinil aos CDs. No meio, o tamanho da bolacha: 45 polegadas. O velho LP tinha
no máximo 12 polegadas. As 45 polegadas equivalem a cerca de 1,14 metro. Já
pensou no tamanho do toca-discos?
…mesmo?
Também de um grande jornal: ‘(Fulano) e (Fulana) foram um dos convidados
(…)’
Isso é que é um casal unido!
Cão voador
Já esta é de um portal, dos grandes:
‘Um labrador chamado Jet sobreviveu ao saltar seis andares sobre uma garagem
(…) ele pulou acidentalmente os cerca de 80 metros (…)’
Seis andares, 80 metros? Nem se fosse o prédio onde mora o Clóvis Rossi, onde
o pé-direito deve ser mais alto, para acomodar seus dois metros e alguma
coisa!
E eu com isso?
A Europa suspende as compras de carne brasileira, o preço do feijão explode,
tem gente do governo gastando com cartão até no carrinho de cachorro-quente da
esquina, mas ainda assim é possível obter notícias mais amenas, sem as quais nem
conseguiríamos dormir direito. Por exemplo: como anda o guarda-roupa de Britney
Spears?
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‘Britney é fotografada com meia-calça rasgada nos EUA’E o guarda-roupa de Gracyanne?
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‘De fio dental, Gracyanne vai à praia com Belo’Há mais, muito mais:
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‘Gianecchini e Paola almoçam juntos’**
‘Alinne Moraes e Sérgio Marone terminamnamoro‘
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‘Taís Araújo e Lázaro Ramos aproveitam intervalo para saborearacarajé’
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‘Rafinha, desinibido, mostra acueca’
Bom, nem precisa olhar muito bem para ver que não foi exatamente a cueca que
ele mostrou.
O grande título
A semana é concorrida. Comecemos com os hábitos pessoais vigentes em outros
países:
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‘Metade dos homens britânicos trocaria sexo por TV de plasmagigante’
Imaginemos que lá os programas sejam melhores, por que não?
E vamos para, digamos, a poesia desvairada:
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‘Imersoem luzes e telões gigantes,o maior cruzamento do mundo pulsa claustrofóbico no
coração de Tóquio‘
Deve querer dizer alguma coisa, com certeza. Pós-moderno, talvez.
O melhor título, na opinião deste colunista, é futebolístico:
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‘Fãs do Manchester United comemoram o 50º aniversário do acidenteaéreo no qual 23 pessoas morreram, incluindo 8 jogadores do time’
Até que não está errado: no sentido estrito da palavra, ‘comemorar’ significa
‘lembrar junto’. Mas, como diria meu primeiro chefe, o grande Woile Guimarães,
como é que vamos mandar um repórter a cada leitor para explicar isso?
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados