O que permitiu a detecção do problema foi a transparência do governo. Não podem transformar isso em culpabilidade, sentenciou o ministro da Justiça, Tarso Genro. Então, tá. Quebrar o espelho elimina a possibilidade de visualizar a face marcada pela corrupção. Por falar em corrupção, o PT não se cansa de apresentar eufemismos para acalmar a plebe ignara, na tentativa de deixar a ‘zelite’ sem assunto. Convenhamos, ‘recursos não contabilizados’, ‘erros administrativos’ etc., reduzem a pecadilhos insignificantes os desvios de um dinheiro cujo dono não é o governo.
E, para tornar mais confuso o meio-campo, a idéia vigente nas hostes governamentais é a obsessiva comparação com o governo anterior. Isso não passa de um terceiro turno ou, se assim preferirem, uma antecipação da campanha de 2010. É óbvio que, ao vasculhar as contas da administração tucana, serão encontrados desvios. Nem a falecida anciã de Taubaté contestaria isso. Como se esse fato trouxesse a absolvição automática dos ‘erros’ presentes! Ocorre que, além de investigar, é preciso acabar com as ‘práticas equivocadas’ – para usarmos mais um eufemismo. Essas são perpetradas pelos detentores do poder e é esse foco infeccioso que se procura eliminar. Não se trata de estabelecer um ranking de falcatruas, transformando a farra atual numa série de ligeiros equívocos consagrados pela tradição ‘republicana’ – outro termo usado ad nauseam. Vamos primeiro debelar infecção para, depois, exumar e autopsiar cadáveres.
Exemplo recomendável
Dito de outra forma – e para não fugir das metáforas, sempre presentes nos inflamados improvisos do nosso presidente – o bafômetro deve ser usado imediatamente com o condutor desse bonde chamado nação, não com os motoristas aposentados. Se fosse preciso esclarecer melhor esse conceito, bastaria dizer que os atuais detentores do poder são os responsáveis pela atual sangria. Atuar sobre eles, pode ter como resultado maior decência no trato com o dinheiro que não lhes pertence, pelo menos até o final dos mandatos. Não fica claro como o mergulho no passado, com possíveis descobertas constrangedoras, irá deter a farra atual. Servirá, quando muito, para punir (verbo em desuso) e afastar da política contraventores afastados do poder, excetuando-se aqueles que navegam tranqüilamente tanto em águas tucanas quanto nas petistas.
Quanto ao risível argumento da segurança nacional ou da segurança da primeira-família que impediriam qualquer investigação, há dois reparos. Quando o recém-eleito presidente Lula fazia questão de se misturar com a massa, ninguém se lembrou da tal segurança. Quando o presidente colocou, nos primeiros dias de seu primeiro mandato, toda a equipe ministerial num avião com destino a Guaribas, cidade símbolo do Fome-Zero, onde estavam os zelosos defensores da tese da segurança nacional? O perigo representado pela divulgação de compras como uma esteira ergométrica, uma picanha especial ou determinada loção pós-barba parece tolerável. Ao serem divulgadas tais informações, a pátria não correrá perigo algum.
Basta lembrar que um Luís, anterior ao ‘nosso Luiz’, o tal rei Sol, além de não esconder os alimentos que Sua Majestade deglutia, deixava à análise dos peritos os produtos da real digestão num real penico, à vista da Corte, num exemplo de transparência cuja aplicação presente não chega a ser recomendável.
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Autor, entre outros, de Almanaque Anacrônico, Versos Anacrônicos e do recente romance Não basta sonhar