A realidade tem se mostrado cada vez mais estereotipada. A liberdade de ser quem se é tem sido comprometida por padrões estéticos que ‘selecionam os mais aptos’. O cumprimento desses padrões deixa implícita a necessidade de participação e inclusão na sociedade. Logo, a busca pelo corpo perfeito não é questão de bem-estar pessoal, vai além. É a ilusória recompensa de ser o melhor, não para si, mas para o outro. No século da ditadura da magreza e dos padrões arianos de estética, o espelho social está sempre a distorcer a imagem refletida, ocasionando a insatisfação de si e a obsessão por uma errônea perfeição. Bem-vindo à era do corpo como embalagem!
O corpo, enquanto produto, não envelhece, não padece. Ao contrário, deve manter-se atraente e moderno, deixando de lado a sua complexidade: as características psicológicas que integram o ser humano. Portanto, vislumbramos a busca pela eterna juventude em detrimento da ação do tempo, fato verificado através do crescente apelo tecnológico e midiático. Em tempos de botox e peelings, as rugas já podem ser extintas antes mesmo de aparecerem e a pele adquirir textura de porcelana. Nesse ínterim, a mídia mascara os ‘defeitos do produto humano’ através de sua varinha de condão: o extraordinário photoshop, recurso que possibilita que os corpos sejam moldados e esculpidos como se fossem estátuas renascentistas.
Palavras de Sêneca
Com isso, percebe-se a predominância da minoria. Em outras palavras, a beleza real é sobreposta pela beleza ideal – aquela que diz respeito a uma seleta parcela populacional e que atende aos interesses mercadológicos, como se a vida fosse uma eterna passarela. Assim, ser belo já não é mais questão da ação da natureza e, sim, do investimento que se faz. Em decorrência, a ‘verdade’ e o ‘verossímil’ se confundem numa única coisa. O verossímil é a semelhança com a verdade, uma meia ou falsa verdade. Dessa forma, o padrão de beleza imposto não representa a verdade, ou aquilo que seja o certo e ideal. Este padrão se encaixa no conceito de tal verossimilhança única e exclusivamente por conveniências consumistas, gerando o aprisionamento do corpo e impedindo que as diferenças sejam valorizadas em todas as suas nuances: o gordo, o magro, o alto, o baixo, o loiro, o moreno, o índio.
E é assim que os meios de comunicação, principalmente, agem ao incutir conceitos e padrões de beleza característicos do branco-europeu (visto que o mundo da moda se concentra em Paris e Milão). Esta persuasão gera aceitação, consentimento de que algo não-verdadeiro seja provável – novamente o verossímil se sobrepondo à verdade. A imprensa, por sua vez, deve atentar para a sua responsabilidade de informar, estabelecendo limites na busca da estética perfeita. Entretanto, este narcisismo crônico só existe porque se evidencia um descabido apelo à sexualidade. A sociedade está muito erotizada, como se ser atraente fosse sinônimo de ser sexy o tempo todo.
Essa futilidade causa o que no português claro se costuma dizer ‘por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento’. Na medida em que o exterior é o que importa, o interior do corpo e da alma é desgastado. Nas sábias palavras de Sêneca, ‘quantos prefeririam ver em desordem a república e não a de seus cabelos? Quantos se atormentam mais com a elegância de suas vestes do que com o seu estado de saúde? Quantos preferem ter o cabelo mais bem penteado a serem mais honestos?’
Os pasteizinhos do sabadão
O conhecimento, o estudo e os valores subjetivos deram lugar à nudez explícita, aos corpos tonificados, lembrando aquilo que é artificial, como se o corpo não tivesse forma, e sim fôrma. Aplausos às academias de ginástica e abaixo aos livros! Avante músculos e seios turbinados e abaixo ao cérebro recheado de idéias! Beldades de uma burrice estonteante! Hoje em dia a banalização do conhecimento faz com que programas jornalísticos, por exemplo, não contratem jornalistas para o seu quadro profissional e, sim, famosos que dêem audiência por sua beleza, como no caso mais recente em que Diego ‘Alemão’, ex-BBB, ganhou um quadro no Fantástico à custa de sua aparência – porque inteligência e talento para o serviço público de jornalista, o loirão mostrou que não tem.
Contudo, deve-se ressaltar que acima de qualquer parâmetro estético deve estar a saúde. Assim como a magreza, e mais ainda a obsessão por esta, são nocivas ao organismo físico e emocional, a obesidade também o é. O importante é que cada um priorize e descubra sua individualidade e particularidades para de atingir o equilíbrio entre forma e conteúdo.
À mercê das verdades cômicas de Jabor, ‘as muito gostosas são muito chatas. Para manter aquele corpão, comem alface e tomam isotônicos, portanto não vão acompanhá-lo nos pasteizinhos do sabadão. Legal mesmo é mulher de verdade. E daí se ela tem celulite? O senso de humor compensa. Pode ter uns quilinhos a mais, mas é uma ótima companheira. Porque celulite, gordurinhas e desorganização têm solução (e, às vezes, nem chegam a ser um problema), mas ainda não criaram um remédio para a futilidade’.
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Estudante de Jornalismo, Marília, SP