Na intensa dinâmica que tem presidido o desenrolar da conjuntura das políticas de comunicações e o comportamento da cobertura jornalística da política nacional, a semana que passou foi rica em novos desdobramentos. Alguns exemplos:
1.
Há apenas quinze dias, em pequeno balanço do semestre que arrisquei neste Observatório [ver ‘Balanço provisório de um semestre inusitado‘], escrevi que o debate gerado pela Portaria 264 do Ministério da Justiça em torno da classificação indicativa dos programas de televisão revelava, não só os verdadeiros interesses em jogo, mas também qual é a noção de interesse público com a qual esses grupos operam. Faltou acrescentar que o desfecho do debate revelaria o mais importante: a verdadeira correlação de forças existente entre os atores na disputa.Uma nova Portaria, a de nº 1220, foi publicada no Diário Oficial da União na semana passada e os radiodifusores tiveram acatadas 18 das suas 22 exigências. A classificação dos programas será agora feita pelas próprias concessionárias – que ainda ganharam seis meses para se adaptar à norma que vincula a programação e as faixas de horário em todo o território nacional.
Matéria sob o título ‘Abaixo a tesoura’, publicada na Veja desta semana (edição 2017, de 18/7/2007), exemplifica bem a forma como os atores com interesse na questão trataram a disputa e o tipo de jornalismo (?) opinativo que foi produzido por eles. A Portaria 264 é identificada como ‘inequívoco viés autoritário’, ‘mecanismo equivalente à censura prévia dos tempos da ditadura militar’, ‘aberração’, ‘entulho antidemocrático’ e ‘dispositivo stalinista’. O diretor do Departamento de Classificação do Ministério da Justiça é desqualificado como ‘comissário com DNA comunista’ e adepto de ‘corrente da retroesquerda’.
A questão que fica é a seguinte: o governo cedeu aos radiodifusores privados o necessário para evitar que ficassem ‘insatisfeitos’ e manter os princípios básicos que nortearam a elaboração da Portaria 264 ou, na verdade, cedeu mais do que era necessário e possível?
Sem checagem
2.
Tanto o Fantástico como o Jornal da Nacional da Rede Globo exibiram recentemente imagens do circuito interno de televisão do Ministério de Minas e Energia – obtidas pela Polícia Federal (PF) – que ‘comprovariam’ a entrega por funcionária da empreiteira Gautama de envelope com 100 mil reais no gabinete do ex-ministro Silas Rondeau e, portanto, o seu envolvimento no esquema de corrupção montado pela construtora. Os principais jornais e revistas de referência nacional ‘embarcaram’ na denúncia que provocou, inclusive, a renúncia do então ministro.Laudo produzido pelo Laboratório de Perícias da Unicamp e divulgado pela CartaCapital (nº 452, de 11/7/2007), no entanto, desmente a veracidade das imagens.
Tudo indica que existe um fluxo permanente de informação entre parte da Polícia Federal (PF) e alguns dos principais veículos da grande mídia.
Estaria a grande mídia praticando as mesmas irresponsabilidades que caracterizaram parte da cobertura jornalística da crise política de 2005 e das eleições de 2006, isto é, divulgando sem checar as denúncias que lhe chegam às mãos?
Não seria o caso, ao contrário, de se buscar jornalisticamente compreender o que se passa – e por que – na PF? Estaria havendo alguma partidarização das investigações e das ações da PF?
Mesma direção
3.
Matéria no Estado de S.Paulo (‘Rádio de Argello é operada por grupo italiano’, pág A-10, de 15/7) revela estranhos vínculos do futuro senador Gim Argello (PTB-DF) com a radiodifusão. Ex-concessionário de uma emissora de rádio educativa (!), ele a transferiu para uma organização religiosa italiana. Além disso, o futuro senador é sócio de uma emissora de rádio comercial – Rádio Global Comunicação Ltda. – no município de Formiga, interior de Minas Gerais, e teria ‘interesses’ em cinco rádios comunitárias na periferia de Brasília para cuja legalização trabalhou junto ao Ministério das Comunicações.Estão presentes na matéria denúncias graves que envolvem:
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o descumprimento da norma constitucional (Artigo 222) que proíbe a propriedade superior a 30% de empresa de radiodifusão por estrangeiros, além de determinar que a gestão e o controle da programação deve ser feito por brasileiros;**
o desvirtuamento dos objetivos de uma concessão educativa (Decreto 236/67) para atividades de proselitismo religioso;**
a proibição de ‘exercício de mandato eletivo’ simultaneamente à direção de uma empresa concessionária de serviço público (Artigo 54 da Constituição); e**
o desvirtuamento dos objetivos de uma autorização de rádio comunitária para atividades de proselitismo político (Lei 9.612/98).Infelizmente, os exemplos apontam na mesma direção, isto é, indicam o quanto ainda teremos que caminhar para que o interesse público efetivamente prevaleça tanto na elaboração das políticas de comunicações quanto na cobertura jornalística da política.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: crise política e poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006)