Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Classificação indicativa é dever
constitucional, afirma Biscaia

A classificação indicativa dos programas de televisão continua provocando muita polêmica. No dia 11 de julho, foi publicada a portaria 1220, que estabeleceu critérios e concedeu às emissoras de TV liberdade para fazerem sua própria classificação, a partir das regras previstas. O assunto divide opiniões: para seus críticos, classificação indicativa é censura; para seus defensores, é uma proteção aos direitos das crianças e adolescentes. O programa Observatório da Imprensa na TV de terça-feira (17/07) debateu ambos os pontos de vista e as questões econômicas que envolvem o assunto.


No editorial, Alberto Dines comentou o acidente da com o avião TAM, em São Paulo, e as medalhas ganhas durante os jogos Pan-Americanos. Ele disse que, seja qual for o assunto, a mídia tem a obrigação de manter a sociedade informada. Dines abordou então a questão da classificação indicativa para TV. Para ele, a mídia tratou do assunto de maneira ‘desequilibrada’ e ‘advogou em causa própria’.


Participaram do debate, em Brasília, o secretário nacional de Justiça, Antonio Carlos Biscaia; e no Rio, a presidente da Multirio, Regina de Assis.


Sob forte pressão das emissoras, a classificação indicativa passou por nova modificação, na última quarta-feira, com a portaria assinada pelo ministro da Justiça Tasso Genro, que dá as TVs o direito de se autoclassificarem.


Desde setembro de 2000 o governo tenta impedir que cenas de sexo e violência sejam veiculadas na TV em qualquer horário. Em reação a essa proposta a maioria das TVs iniciou uma campanha contra o movimento do governo, o que gerou diversas modificações nas portarias baixadas nesses últimos 7 anos. A desculpa é sempre a mesma: classificação indicativa é censura.


O ministério da Justiça confirma que houve pressão, sim, contra a portaria publicada em 11 de julho. Várias reportagens foram escritas em jornais, entre eles O Globo, para defender a posição das emissoras.


Classificação é direito das crianças e adolescentes


A coordenadora da pastoral da criança, Zilda Arns, se mostrou contrária à antiga portaria criada, por considerá-la impositiva. Mas defendeu, em entrevista gravada para o Observatório, que haja uma classificação sem ferir a liberdade de expressão.


Para a procuradora federal dos direitos do cidadão, Ela Wiecko, ‘a classificação indicativa é um instrumento que concretiza o mandamento constitucional de proteção à criança e adolescente e também o próprio estatuto da criança e do adolescente. Se não tivermos a classificação indicativa, a norma constitucional não se materializa’, observou, numa entrevista gravada.


Vários profissionais da televisão deram entrevista criticando a classificação, entre eles o apresentador global Fausto Silva, o Faustão. Mas a opinião contrária não é unanimidade, a atriz Camila Pitanga, também da TV Globo, apóia a classificação. Segundo ela, não haverá cortes de cenas e por isso não é censura, mas apenas uma indicação.


Cada lado defende seu ponto de vista, mas numa coisa todos concordam: é preciso proteger as crianças contra os excessos da televisão. O coordenador de relações acadêmicas da Andi, Guilherme Canela, explicou em entrevista que a classificação indicativa dos programas da TV é uma resposta aos 50 anos de pesquisa sobre os efeitos da programação televisiva nas crianças. Ela demonstrou que ‘há impactos no desenvolvimento da criança a partir do acesso constate dessas crianças a determinados conteúdos, especialmente os violentos’, conforme as palavras de Canela.


A pressão surtiu efeito. Na atual portaria, as emissoras conseguiram vantagens em relação à idéia inicial: não haverá a análise previa do ministério da Justiça. As emissoras farão a classificação dos programas de acordo com regras previamente estabelecidas e terão 180 dias para adequar as faixas etárias aos fusos horários do país.


Em 1999, o então Secretário Nacional de Direitos Humanos José Gregori anunciou no Observatório da Imprensa a idéia de criar um código de qualidade para as TVs. O programa acompanhou o passo a passo desse debate e as modificações realizadas na lei, mostrando as posições contrárias e favoráveis, uma tarefa que a grande mídia não abraçou.


Duas explicações necessárias


Dines iniciou o programa dizendo que queria dar duas explicações ao público. A primeira foi em relação ao debate que seguiria. Ele disse que a intenção do programa é manter o debate equilibrado e que, por isso, chamou a Globo para participar ao vivo do Observatório e mostrar seu ponto de vista. A emissora indicou a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV) para se pronunciar, que chegou a confirmar o representante Antonio Cláudio Neto para discussão. Entretanto, ele ligou, no dia do debate, e disse que não poderia comparecer em virtude de um compromisso inadiável. Dines observou que, com a ausência, não cabem reclamações de que o debate não foi aberto: ‘foi e deveria ser mais aberto se a Abert quisesse realmente discutir de forma construtiva’, afirmou o apresentador.


A segunda explicação dizia respeito ao acidente acontecido no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, que impossibilitou a apresentação do programa na TV Cultura. A emissora paulista decidiu transmitir, no mesmo horário do Observatório, a cobertura do acidente. O presidente da Fundação Padre Anchieta (controladora da TV Cultura), jornalista Paulo Markun, telefonou, pouco antes do início do OI na TV, para comunicar a decisão e pedir desculpas por não retransmitir o programa. O convidado que falaria de São Paulo e já estava no estúdio da Cultura era José Gregori, ex-ministro da Justiça na gestão Fernando Henrique.


Biscaia: governo tem obrigação de fiscalizar


Dines apresentou Antonio Carlos Biscaia e observou que sua secretaria comanda o departamento de classificação indicativa. O apresentador do OI na TV pediu que ele explicasse a questão da classificação e a campanha ‘maciça e pouco equilibrada da mídia eletrônica de tentar desqualificar a iniciativa’. Biscaia afirmou que é importante que os fatos sejam devidamente esclarecidos e que a classificação é, de fato, indicativa e está prevista no texto constitucional e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Para ele, isso significa que o governo federal, por intermédio do ministério da Justiça, não pode deixar de classificar os programas audiovisuais.


A primeira portaria publicada foi de autoria de José Gregori, mas, em virtude determinadas dificuldades de colocá-la em prática e das reclamações das emissoras, a decisão sobre ela foi levada aos tribunais superiores do país. Dessa maneira, a portaria foi novamente editada. Segundo Biscaia, essa nova versão já previa o caminho da autoclassificação. Quando Tarso Genro assumiu o cargo de ministro da Justiça, as emissoras solicitaram uma nova discussão. Ele concordou e um novo prazo foi concedido, ‘em uma demonstração de que a posição do ministério da Justiça é democrática e transparente’, disse Biscaia. ‘E de forma alguma se pretende impor qualquer tipo de censura ou de ofensa a liberdade de expressão’, completou o secretário. A nova e última versão da portaria é a 1220, instituída na semana passada. Para Biscaia, seu intuito inicial foi respeitado: recomendação para as faixas etárias a que se destina a programação e os horários para sua veiculação. ‘Creio que, de todo esse debate chegou-se a um resultado que é o melhor para a sociedade brasileira’, analisou o secretário de Justiça.


Regina Assis:


O apresentador pediu para Regina de Assis – que também é professora licenciada do departamento de educação pela PUC Rio e pela UERJ – que ela falasse sobre o interesse social de se fazer uma classificação indicativa. Ela contou que este é o ponto central da questão. Segundo a professora, falta um foco sobre os direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil: ‘qualquer país civilizado entende que seu maior patrimônio são suas crianças e adolescentes’, explicou. Recentemente, Regina participou de um encontro promovido pela Unesco, com o objetivo de definir o papel da entidade para orientar os países sobre os meios de comunicação e educação. Uma das conclusões A que a Multirio chegou é que a questão de mídia não é exclusiva de crianças e adolescentes, mas da sociedade como um todo.


Já no segundo bloco, Alberto Dines avaliou que a Abert quis evitar a premissa de que uma concessão pública fosse fiscalizada pelo governo. ‘Tenho a impressão de que foi por isso que eles bateram tanto o pé’, disse. E continuou, perguntando para Biscaia: ‘Como o senhor vê esta questão sob o ponto de vista político?’. O secretário comentou que desde o início os representantes das Abert afirmaram serem favoráveis à classificação, mas que na realidade suas atitudes foram contrárias ao que diziam. ‘Verificou-se um questionamento dos aspectos principais junto aos poder judiciário, informações veiculadas de maneira absolutamente incorreta e uma mobilização, até com material publicitário e artistas de renome, no sentido de que o ministério da Justiça estava impondo algum tipo de censura. Quero fazer a manifestação veemente no sentido de que isto nunca existiu’, explicou.


Dines disse que queria acrescentar duas informações, e contou que apesar de toda a campanha contra realizada pelas emissoras – incluindo a rede Globo, que tem diversas novelas que poderiam sofrer perda de audiência com a classificação – duas atrizes se manifestaram a favor da medida: Camila Pitanga e Fernanda Torres, ambas numa reportagem da Folha de São Paulo.


O apresentador comentou também que, nos Estados Unidos, onde a livre iniciativa é muito valorizada, a FCC (Federal Communications Comission), uma instituição que regulamenta a classificação indicativa indicada pelo Senado, é muito rigorosa, chegando a tirar programas do ar. Ela também não deixa que numa mesma região ocorra a concentração dos meios de comunicação. Dines perguntou para Regina como a classificação indicativa é encarada pelos americanos.


Regina avaliou que ela é enfrentada com muita luta, assim como em todos os países, ‘o interesse de mercado sempre busca prevalecer’, observou. Ela falou como essa realidade acontece na Inglaterra, onde a sociedade chega a boicotar produtos que patrocinam programas veiculados em horários impróprios na TV. ‘É uma interação da sociedade’, elogiou. Ela chamou atenção para o fato de que as criticas que dizem haver censura na medida estão sendo feitas de maneira ‘equivocada’, e que, a questão a ser abordada diz respeito aos direitos das crianças e adolescentes. Regina afirmou que a Inglaterra e Escandinávia já conquistaram esses direitos, e que, no mesmo caminho estão Alemanha e Japão, ‘Os Estados Unidos, médio’, considerou a professora.


Dines lembrou que o Observatório já havia tratado dessa questão há algumas semanas, mas que houve reclamações de que a classificação poderia atrapalhar os jornais televisivos, em virtude horários tardios em que seriam apresentados. E pediu para Biscaia explicar esse ponto. O secretário afirmou que os noticiários ou programas jornalísticos estão fora de qualquer classificação indicativa.


Auto-regulamentação em xeque


Alberto Dines analisou que existe uma crença no Brasil de que o mercado pode tudo e não deve ser regulado. ‘O mundo está se desdobrando desde o fim da segunda guerra mundial para criar regulamentos para possibilitar uma convivência e o mercado brasileiro resiste a qualquer possibilidade de se juntar às forças sociais positivas para promover o bem estar’, observou o apresentador, e em seguida pediu para o secretário nacional de Justiça comentar a questão.


Biscaia respondeu que é evidente que os índices de audiência interferem diretamente nos anunciantes. ‘É por isso que existe uma questão como esta’, criticou. Em seguida, ele explicou que muitos argumentam que os pais é quem devem impor esses limites, mas lembrou que, nos horários em que esses programas são veiculados, muitos pais não se encontram em casa para isso. Ele citou estatísticas que dizem que em áreas carentes as crianças chegam a ficar de 6 a 8 horas diárias em frente a um aparelho de TV. ‘Esta é uma questão que envolve a formação dos nossos jovens, das nossas crianças e dos nossos adolescentes’, analisou, concluindo que não é possível que os interesses econômicos de audiência predominem.


O terceiro bloco foi direcionado as perguntas dos telespectadores. De Volta Redonda, um telespectador questionou Biscaia sobre quem deve direcionar as reclamações de desrespeito às normas indicativas ao Ministério Público: pessoa física ou jurídica? Biscaia contou que qualquer pessoa física ou jurídica pode apresentar uma comunicação ao MP, que, depois de examinar o fato, tem legitimidade para agir.


No quarto bloco vieram os comentários finais: Antonio Carlos Biscaia disse que o Estado, representado pelo ministério da Justiça, exerce uma função complementar a responsabilidade dos pais, que é educar: ‘é um poder e um dever estabelecido constitucionalmente’, reiterou. Biscaia avaliou ainda que não houve qualquer recuo por causa de pressões por parte do governo; Regina de Assis fez um convite aos críticos da classificação indicativa para pensarem sobre os direitos das crianças e adolescentes que estão em jogo nessa discussão e disse que uma TV com qualidade é possível. Ela também convocou todos a participarem de um seminário internacional que terá o tema ‘Mídia na América: adequada para crianças e adolescentes?’, e será realizado entre os dias 17 e 20 de outubro.


Dines finalizou o programa lembrando que o tema abordado não diz respeito a governo e oposição, mas a toda a sociedade brasileira.


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Cobertura da Classificação Indicativa na TV revela necessidade de debater a concentração da mídia


Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV exibido em 17/7/2007


Neste exato momento, 22h40, não há condições de avaliar o acidente com o Airbus da TAM ocorrido no início da noite na área frontal ao aeroporto de Congonhas, em São Paulo. As informações são escassas, os prognósticos são os piores.


Mas a vida continua: apesar das tragédias no ar e das medalhas em terra, a imprensa não pode perder de vista o seu compromisso de manter a sociedade informada sobre tudo o que acontece. Este Observatório não poderia ignorar a portaria 1220, publicada na quarta-feira passada, que finalmente instituiu a classificação indicativa para a programação de TV.


Temos a obrigação de tratar do assunto porque a mídia, sobretudo a mídia eletrônica, conduziu o debate de forma desequilibrada, sem isenção. De uma forma geral, a mídia advogou em causa própria, esquecida de que, para manter a credibilidade, deveria manter um mínimo de objetividade. A idéia de que a regulamentação das atividades das concessionárias de radiodifusão equivale à censura distorceu completamente a realidade.


Isto significa que, além de discutir a classificação da programação de televisão de acordo com a faixa etária, seremos obrigados a colocar na pauta das nossas prioridades um outro problema: o da concentração da mídia na mão de poucas empresas, permitindo que empresas de televisão sejam proprietárias na mesma região de jornais e rádios. Nos estados unidos, terra da livre iniciativa, esta concentração é fiscalizada.