Há jornalistas brigando ferozmente entre si. O tema, agora, é o desastre da TAM; antes, era o caos aéreo. Mas é também a vaia do Pan, como foi a dengue, ou então os índices do IBGE. Jornalistas pró-Lula e contra Lula acusam-se mutuamente (embora sem usar ainda a palavra) de vendidos.
E, no fundo, é a briga do branco-e-preto contra o preto-e-branco. O Nelson Jobim de Lula é o mesmo que foi ministro de Fernando Henrique (e que, no Supremo Tribunal Federal, era chamado de ‘líder do governo’ tanto de Fernando Henrique como de Lula). Como o ministro Reinhold Stephanes de Lula é o mesmo ministro Reinhold Stephanes de Fernando Henrique. Como Romero Jucá, líder de Fernando Henrique no Senado, é o mesmo Romero Jucá que foi líder de Lula no Senado (e hoje é seu ministro). O Renan Calheiros que foi ministro da Justiça de Fernando Henrique é exatamente o mesmo que é hoje é aliado de Lula e presidente do Senado (e que, a propósito, é defendido pelo escritório de advocacia em que uma das estrelas era, até há poucos dias, Neélson Jobim).
As equipes de governo pelas quais tantos repórteres e articulistas se engalfinham não são tão diferentes que façam a briga valer a pena. A sacaria pode ser outra, mas a farinha é a mesma. Talvez a elite brasileira seja muito reduzida e não dê para fugir de alguns nomes; talvez falte aos governantes, o que é mais provável, o conhecimento necessário para buscar novos talentos. Aos jornalistas, tem faltado observação, tem sobrado partidarismo: só isso explica por que atacaram os mesmos que hoje defendem, ou defenderam os mesmos que hoje atacam.
A volta
Passou despercebido o retorno de um personagem político importante, que andava esquecido: o ex-deputado Sigmaringa Seixas, que foi tucano, virou petista, mas mantém boas relações com o velho partido. Sigmaringa Seixas foi o intermediário escolhido pelo presidente Lula para ver se, desta vez, Jobim aceitaria o Ministério da Defesa, já por ele recusado em outras ocasiões. Sigmaringa, político respeitado, amigo de Jobim e de José Serra (que é padrinho de casamento de Jobim e já dividiu apartamento com ele, em Brasília, na época da Constituinte), cumpriu a missão.
Desastre bipartidário
O debate sobre o acidente da TAM, com mais de 200 mortos, se partidarizou de tal forma na imprensa que tornou mais difícil encontrar suas causas. O fato é que, na cadeia de eventos que levou ao desastre (é quase impossível um acidente de aviação causado por um único erro), há responsabilidades a distribuir por diversos governos e diversos partidos. Não é questão de Lula, José Serra, Gilberto Kassab: é coisa que vem de longe, envolve partidos já extintos e políticos já falecidos.
Comecemos pelo óbvio: o aeroporto está no Campo das Congonhas há 70 anos, quando ali era um imenso descampado. De 1936 até agora, a prefeitura foi autorizando a ocupação urbana da região, até que o aeroporto ficasse totalmente cercado, sem área sequer para ampliar as pistas. A Aeronáutica autorizou prédios altos nas redondezas, dificultando as manobras.
Congonhas já esteve praticamente desativado, mas os governos de Collor para cá o reativaram. O governo Lula fez amplas reformas, mas a infra-estrutura foi esquecida, enquanto prédios, garagens e lojas recebiam investimentos. Lula achava que seu caminho estava certo – tanto que, num debate com Geraldo Alckmin, na campanha presidencial, disse que o tucano deveria agradecer pela reforma de Congonhas.
E a imprensa? Bom, quando houve desastres ou congestionamentos, houve também reportagens. Fora disso, nada. E, quando houve reportagens, preferiu-se o tom indignado à busca das causas do problema.
A altura do negócio
Um bom exemplo do tom indignado é o caso do hotel Oscar’s, do empresário Oscar Maroni, dono de um bar de garotas de programa, o Bahamas, que fica bem ao lado do aeroporto de Congonhas. O Oscar’s, ao que tudo indica, seria o destino natural de empresários e das garotas que conheceram no bar.
Pois bem, uma reportagem informou que o hotel, muito alto, atrapalha os pousos em Congonhas. Na manobra, o avião perde 130 metros de pista – que já é curta. Os meios de comunicação apuraram que o hotel foi inicialmente embargado pela Aeronáutica e depois liberado, porque o proprietário mudou sua destinação para ‘edifício comercial’. A imprensa publicou isto – e não perguntou se a transformação em ‘edifício comercial’ deixaria de atrapalhar os vôos. Terá o prédio ficado mais baixo? Terá mudado de local? Então, que é que mudou para que a Aeronáutica ou aprovasse?
A impressão que se tem é de que há indignação da imprensa pelo uso que se fará do hotel. Mas, se fosse dedicado a atividades beneficentes, e não à prática do amor pago, continuaria atrapalhando os vôos.
Enfim, o prédio é ou não um obstáculo? Se for (e tudo indica que é) caberia uma reportagem mostrando os caminhos seguidos para sua aprovação.
Os mortos em terra
O tempo passa, o tempo voa, e a cratera do metrô de São Paulo continua numa boa. O assunto perdeu espaço nos meios de comunicação e não se sabe se os prejudicados receberam indenização, se as casas danificadas foram reparadas, se as obras, agora, são realizadas com mais segurança. E, principalmente, quem são os responsáveis pelo desabamento que matou tanta gente.
Há jornalistas que acusam a imprensa de tratar o caso com suavidade porque o governo paulista é controlado, desde 1995, pelo PSDB. Pode ser; também pode ser o esquecimento gradual do caso, à medida em que os dias vão passando. Só que o papel da imprensa não é este: é lembrar aquilo que os governos não querem ver lembrado – sejam os governos do partido que forem. Cabe aos meios de comunicação, neste caso em que se opõem os interesses de cidadãos comuns, de autoridades e de poderosíssimas empreiteiras, confortar os aflitos e afligir os que vivem em conforto.
Se não é para isso que serve a imprensa, para que servirá?
Dez anos depois
Em 1996, um Fokker-100 da TAM caiu no bairro do Jabaquara, logo após levantar vôo de Congonhas, matando as 99 pessoas a bordo, mais três em terra (também naquele avião houve problemas no reversor). O presidente da TAM, Marco Antônio Bologna, prometeu apoiar a família dos que morreram no acidente do Airbus. E ninguém da imprensa lhe perguntou por que ainda não terminou a novela do acidente do Fokker! Tantos anos depois, ainda há gente que não foi indenizada. E a TAM recorre sistematicamente sempre que é condenada a indenizar a família das vítimas.
Disse e não disse
O ministro Nelson Jobim não disse que as filas são o preço da segurança – mas foi isso que saiu publicado em diversos jornais. O que ele disse é que, ‘se o preço da segurança for manter por algum tempo a fila, ela será mantida’. É diferente. Aliás, disse também que, ‘se o preço da segurança for o desconforto, será mantido o desconforto’.
As coisas que a gente lê
**
‘Nesta região de quase 8 milhões de km2, onde vivem 20 milhões de pessoas, espaços vazios para abrigar um novo aeroporto são poucos, dizem os técnicos.’‘Esta região’ é a Grande São Paulo. Que, embora ostente o título de Grande, não chega a ter quase a totalidade da superfície brasileira, de 8 milhões, 525 mil km2.
E que tal este?
**
‘O Brasil tem 196 mil km de estradas, das quais 1,4 milhão sem pavimento.’Agora, um texto campeão:
**
‘A ministra do Turismo, Marta Suplicy, teria dito, ontem, que a explosão do avião da TAM, na última semana, que matou cerca de 200 pessoas, deverá agravar o impacto da crise aérea na área de turismo.’Afinal de contas, disse ou não disse?
E eu com isso?
Notícia voa, e nem precisa de aeroporto. Voa à velocidade da luz, instantânea, online, em tempo real, em cima da hora. Por isso, temos o privilégio de saber, em primeira mão, que:
**
‘Atriz come rosquinha em estréia de `Os Simpsons´’**
‘Filha de Giba dorme e perde festa no Maracanãzinho’**
‘Mona Lisa tinha muita gordura no sangue, diz estudo belga’**
‘Marcelo Novaes joga vôlei de sunga em praia carioca’Quanto mais se vive, mais se aprende. Este colunista conhecia vôlei de praia, futevôlei, vôlei de quadra. Só agora descobriu o vôlei de sunga.
O grande título
Uma semana muito rica em títulos exóticos. Comecemos por um, digamos, enigmático:
**
‘Colômbia vence Colômbia no pólo aquático’O texto é mais claro: a segunda Colômbia é, na verdade, Porto Rico. A Colômbia venceu por 10×9.
Segue-se outro título estranho:Parte inferior do formulário
**
‘Seleção masculina de basquete enfrenta Estados Unidos na final’O título é estranho porque, logo em seguida, o olho informa que ‘o confronto marca a despedida da ala Janeth, que se aposentará das quadras aos 38 anos’. Janeth, na seleção masculina?
Mas o grande título não vem do Pan, que se encerrava. O grande título vem da área policial (que hoje em dia, aliás, é a dominante em todas as editorias):
**
‘Fim do contrabando em Foz do Iguaçu está longe de terminar’The End.
******
Jornalista, diretor da Brickmann&Associados