Nos últimos dias o jornal O Estado de S.Paulo deu destaque a uma declaração do ex-deputado do PSDB Xico Graziano de que cerca de 40% dos lotes de reforma agrária teriam sido vendidos. Sem apresentar provas, dados concretos e nem fontes de pesquisa, o ex-deputado tucano se baseia em viagens que teria feito para consultar alguns assentamentos. Deve ser uma nova forma de fazer pesquisa cientifica, desenvolvida por esse nobre ex-parlamentar.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) espera que a imprensa tenha um mínimo de critério científico e recomenda a todos que usem o livro A qualidade dos assentamentos da reforma agrária brasileira, pesquisa encomendada pelo Ministério da Reforma Agrária no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, realizada nos meses de setembro a novembro de 2002 e publicada em janeiro de 2003. A pesquisa foi feita por uma equipe de estudiosos e pesquisadores de várias áreas do conhecimento da USP (Universidade de São Paulo) e coordenada pelo professor Gerd Spavoreck.
Durante três meses, centenas de pesquisadores percorreram todos os 4.340 assentamentos implantados no Brasil de 1985 a 2001, aplicando 14.414 formulários com técnicos, lideranças e pessoas da comunidade local. Usaram a metodologia de censo, ou seja, o levantamento da situação de todas as famílias que moram nos assentamentos – um pouco diferente do novo método do ex-deputado de ir visitar alguns assentamentos, com bloco de anotações.
Recomendamos que recorram ao livro – onde constam inúmeros dados que representam a mais completa radiografia dos assentamentos brasileiros. Pedimos que a imprensa registre e divulgue os dados que constam na tabela abaixo, que representam o resultado da pesquisa em relação à evasão dos lotes de reforma agrária. Nessa tabela, podem ser observados, de forma resumida, os dados relativos à evasão de lotes de assentamentos no período 1985-2001.
Esses dados são por si só reveladores. Houve desistências de lotes em especial nas regiões amazônicas, tanto do norte, caso de Pará e Maranhão, quanto do centro-oeste, em especial Rondônia e Mato Grosso. Isso porque os assentamentos foram realizados em áreas de colonização sem nenhuma condição de sobrevivência. Na região nordeste o índice é insignificante, e nas regiões sul e sudeste aumentou o número de famílias ocupando com familiares lotes de reforma agrária.
Versões disparatadas
É importante observar que desistência não significa venda. Significa que as pessoas desistiram diante de uma dificuldade qualquer, como, por exemplo, uma não adaptação climática. Tanto não houve venda que os lotes estão vazios. Se houvesse venda, alguém os teria ocupado.
Segundo os conceitos científicos da FAO (órgão da ONU para agricultura e alimentação) em qualquer assentamento humano, rural ou urbano, de pobres ou ricos, o índice médio de desistência é de 15%. Portanto, a média brasileira está ainda abaixo da média mundial. Embora, como se frisou no caso brasileiro, as regiões amazônicas sejam mais afetadas.
O leitor cuidadoso poderá ver também no livro da USP que o grau de desistência maior foi de 1995-2001, durante a gestão FHC, em que desistiram 57.271 famílias de um total de 386 mil famílias, porque a maior parte dos assentamentos do governo Cardoso foi feita na região amazônica, sem as mínimas condições e com o intuito de inflar os dados estatísticos.
Com este tipo de cuidado, a mídia evitaria comprar versões tão diparatadas como a do ex-deputado Graziano, calcadas em blocos de anotações e sem o menor critério científico.
******
Coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)