Com o Pan como pretexto para ufanismos de outrora e o acidente em Congonhas a despertar vocações melodramáticas em editores e âncoras televisivos, ficou curto o espaço midiático para a morte de Antonio Carlos Magalhães. Ao que parece, do ponto de vista da notícia nacional, ACM morreu numa má hora.
Para a mídia da capital baiana, porém, o acontecido já tinha espaço reservado. O grande destaque em cadernos ou mesmo edições especiais revela que a agonia do político era mesmo cogitada como a sua ‘última batalha’, como expressou o jornalista Ricardo Noblat no jornal A Tarde do último dia 14, em artigo originalmente publicado no seu blog.
Uma semana depois, A Tarde saiu com uma capa inócua. Manchete: ‘Antonio Carlos Magalhães’. Sem informar, o jornal parecia supor que o leitor estava ciente do acontecido. Num movimento contrário à sua natureza, abdicou de dar conta do fato no seu espaço mais destacado. A mera menção do nome, absoluto e em letras grandes, faz pensar mesmo numa reverência ao político. O jornal apostou na foto, mas a imagem do deputado ACM Neto chorando junto à urna, apenas forte, carece de opinião.
‘Popular’ e ‘íntimo’
Mais simples, a Tribuna da Bahia foi inteligente ao estampar um beijo do Neto no avô, com uma pequena foto de Antonio Carlos beijando o túmulo de Luís Eduardo Magalhães ao lado. Ali, implícitos, a relação pessoal e o abalo político. Mais que A Tarde, a foto da Tribuna transmite a idéia de uma cadeia interrompida. A manchete, direta e irrevogável, conecta-se à foto e informa: ‘Morreu ACM’.
O Correio da Bahia destacou um rosto do político, com os dizeres: ‘A Bahia perde ACM’. Nada sutil, a tentativa de aliar a sigla do homem ao nome do Estado. A imagem, que ocupa toda a página, transmite a idéia de um personagem totalitário, de importância absoluta.
Note-se que, no caso da Tarde, a escrita por extenso – Antonio Carlos Magalhães – agrega uma formalidade distante à manchete e aumenta a impressão de que faltou posicionamento editorial. Os seus concorrentes adotaram a sigla por razões aparentemente distintas: na Tribuna, ela ficou por ser popular; no Correio, por remeter um tratamento íntimo e afetivo. A morte aqui é sinônimo de perda.
Confusão e omissão
Enquanto a Tribuna lançou uma edição extra de dois cadernos e A Tarde incluiu um caderno especial na edição, o Correio de sábado (21) dedicou-se inteiro a Antonio Carlos – publicou nada menos que 84 páginas de textos não-assinados (à exceção do artigo de Gilson Nascimento), entrevistas com Fernando Morais (biógrafo de ACM) e Paulo Fábio Dantas Neto, autor de Tradição, autocracia e carisma: a política de Antonio Carlos Magalhães na modernização da Bahia (Editora UFMG, 2006), além de dezenas de depoimentos elogiosos de famosos e populares.
O calhamaço não deixa dúvidas quanto à vocação de folheto de assessoria de imprensa que o jornal sempre exerceu. É um delírio. Manda às favas o cuidado manipulador que se viu em outros tempos e revê fatos históricos sempre sobre a ótica daquele que seria o grande responsável por tudo que se ergueu de positivo na Bahia nos últimos quarenta anos. Isso, porém, pouco surpreende.
Com mais cuidado e equilíbrio, A Tarde reviu a biografia política de Antonio Carlos a partir do que o próprio sempre preferiu esquecer, maquiar ou ignorar. Sua capacidade de habituar-se às mudanças para se manter sempre no poder, o episódio de violação do painel (2001) e o modo autoritário como tratou as manifestações estudantis à época são temas eleitos. Ao contrário dos demais jornais, todos os textos estão assinados.
Já a Tribuna, apesar da boa capa, confunde pela diagramação e omite ou pouco explica fatos históricos, como a entrada e saída de Antonio Carlos do golpe militar de 1964. O apoio de ACM a um Tancredo Neves candidato à Presidência, em oposição Paulo Maluf, preferência dos militares, é relatado como uma ruptura digna e democrática. Entretanto, o constante apoio do político baiano ao golpe é ignorado.
Antes ler do que ver
Mesmo com um direcionamento tão flagrante, a cobertura dos jornais teve mais qualidade que a das TVs locais. E não pela quantidade de espaço de que dispõem. Os canais seguiram a rotina das imagens óbvias e dos depoimentos repetitivos de políticos. Culpa de quem fala? Culpa de quem pergunta.
Apenas o BA TV se destacou, mas pelo cinismo. O jornal da Rede Bahia (de propriedade da família Magalhães) mentiu ao dizer que, na sexta-feira (20), a fila para o velório no Palácio da Aclamação varou a madrugada – estive lá como repórter e anotei que, antes da meia-noite, já não havia fila alguma. Os cálculos de que a aglomeração teria alcançado mais de um quilômetro de extensão também são duvidosos.
No fim, faltou aos impressos locais mais criatividade na cobertura. A preocupação em se afirmar politicamente – agradar ou espetar – deixou pouco espaço para a invenção. Se competente for um adjetivo, ele aqui aparece muito próximo do óbvio.
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Jornalista