Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um tiro no pé

Como não costuma botar o pé na lama, a mídia urbana (e boa parte da rural também) derrapou feio nesta história da soja contaminada. Logo no início da disputa, boa parte da imprensa tomou partido dos chineses, talvez movida por aquele velho sentimento de culpa nacional segundo o qual brasileiro sempre está aprontando alguma lá fora.

Na verdade, não foi só a mídia que jogou a favor dos chineses. O governo também deu um tiro no pé neste episódio. Os chineses, deliberadamente, pegaram o presidente Lula de calças-curtas, ainda estonteado pelo jet-leg, em plena visita a Pequim. Na dúvida se a soja estaria ou não envenenada, o governo brasileiro preferiu acatar passivamente a bronca de seus anfitriões, como disse à Folha de S.Paulo o governador Blairo Maggi, de Mato Grosso, maior produtor de soja do mundo.

Agora, até a Rússia se aproveita da ingenuidade comercial do Brasil, ao suspender as compras de carne depois da ocorrência de um foco de febre aftosa no Pará.

Que nos carregamentos brasileiros recusados pelos chineses havia de fato a presença de sementes tratadas com fungicidas, ninguém duvida. ‘No afã de exportar tudo, o produtor-exportador mistura indiscriminadamente soja e semente’, diz Maggi.

Mas o grande objetivo dessa briga foi comercial, uma vez que a contaminação da soja estava dentro dos níveis tolerados pelo mercado internacional.

‘Os chineses atravessam uma fase impressionante, com crescimento do PIB da ordem de 9% ao ano nos últimos sete anos. Isto gera riqueza por um lado e problemas como inflação, de outro. O governo chinês resolveu dar uma esfriada neste crescimento. E uma das formas que escolheu foi reduzir a emissão de cartas de crédito para a importação de matéria-prima’, explica Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag) em entrevista a Agroanalysis, revista da FGV que chega esta semana aos assinantes. ‘Além disto, os chineses estão estocados. Compraram muita soja em um momento de pico de preços. Ou seja, eles acharam que tinham que derrubar os preços, e a forma que encontraram para isto foi quebrar ou tentar renegociar os contratos.’

Vale lembrar que a China importa 24 milhões de toneladas de grãos por ano, consome 40 milhões de toneladas e produz 16 milhões. É o maior importador de soja individual do mundo. E sempre vai precisar do Brasil, como também da Argentina e dos EUA. Prova disto é que o governo chinês anunciou na segunda-feira (21/6) a suspensão do embargo à soja brasileira.

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Jornalista especializado em agronegócio e editor do AgroPauta (http://www.agropauta.com.br/)