A compra do grupo Dow Jones (que edita o The Wall Street Journal) pela News Corporation recoloca questões cada vez mais incontornáveis em relação ao poder da mídia e aos limites do jornalismo no mundo contemporâneo [ver, neste Observatório, ‘Murdoch leva a Dow Jones‘ e ‘Formação de comitê especial já cria polêmica‘). Torna-se cada vez mais difícil sustentar o velho discurso liberal da ‘imprensa’ como quarto poder fiscalizador do Estado e defensora dos direitos dos cidadãos e, conseqüentemente, da autonomia e independência do jornalismo.
Alguns poucos conglomerados privados controlam boa parte do que se vê, se ouve e se lê no mundo. Na permanente dinâmica dos mercados, os nomes variam, mas o número de integrantes desse seleto grupo faz tempo não chega a dez: General Electric (NBC), TimeWarner, Walt Disney, News Corporation, CBS, Viacom, Sony e Bertelsmann (cf., por exemplo, The Big Six).
A News Corporation faturou 24 bilhões de dólares em 2005 e sua face conhecida entre nós é a dos canais Fox e National Geographic, exibidos nas grades de programação da NET (Globo/Telmex) na TV paga, mas o conglomerado inclui também jornais, revistas, livros, cinema, internet e televisão aberta.
Esses grandes grupos empresariais são, eles mesmos, poderosos agentes econômicos com interesses ativos na formulação das políticas públicas nos países em que atuam, diretamente ou através de seus parceiros locais. E é dentro desse contexto – de pertencer a um gigante econômico – que se faz o jornalismo das empresas de mídia desses grupos.
Transparência nenhuma
O comprometimento político (e até partidário) do jornalismo da News Corporation já está fartamente documentado (ver, neste OI, ‘Rumo ao monopólio na TV paga‘). Na pesquisa sobre a transparência nos sítios dos 25 principais grupos globais de mídia recentemente realizada pelo International Center for Media and the Public Agenda (ver ‘Falta de transparência compromete a credibilidade‘) a Fox News e a Sky News, canais de jornalismo da News Corporation, tiveram os piores índices de transparência (1,2 e 0,4, respectivamente).
No que se refere à Fox News, a pesquisa revelou que não existem informações no sítio sobre correções de eventuais erros cometidos; não existe informação sobre conflito de interesses, código de ética ou valores que orientam a prática jornalística; e não existe ombusdman.
Com a compra do grupo Dow Jones, a News Corporation passa a controlar o maior produtor e o principal jornal – o Wall Street Journal – de notícias econômicas dos Estados Unidos. Além disso, no mês de outubro próximo, entra no ar o canal de notícias econômicas do grupo, o Fox Business Network, concorrente direto dos atuais canais Bloomberg Television e CNBC (NBC).
Articulação cidadã
Haverá possibilidade de o jornalismo – econômico e político – aí produzido ser autônomo e/ou independente?
Há como negar o poder que o grupo News Corporation passará a ter na construção da agenda e da própria realidade econômica financeira – e, portanto, política – dos mercados onde atua e/ou possui interesses?
Há de se considerar, portanto, cada vez mais atuais as advertências feitas por Ignacio Ramonet no seu ‘O quinto poder‘. Diante dos gigantes da mídia é necessário que a cidadania articule um poder capaz de fiscalizar democraticamente o seu superpoder.
A compra da Dow Jones pela News Corporation torna ainda mais evidente que a grande mídia se transformou no ‘único poder sem um contrapoder’.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007).