A notícia é produto-mercadoria feito a partir da informação e ela recorta a realidade, certo? Certo. O fato é retirado de seu contexto abrangente e reduzido a uma simplicidade inexistente, não é? Correto.
Ao enquadrar um determinado acontecimento e colocá-lo como concretamente observável por todos, a mídia, ao mesmo tempo, ignora o que está do lado de fora desse enquadramento. Ao revelar, esconde. E há que se perguntar se existe alguma outra possibilidade de ser de algum outro jeito já que, rezam a filosofia e as pessoas de bom senso, o real é inapreensível em sua totalidade. Assim, à sua maneira peculiar e operacional, a mídia constrói a representação dessa realidade.
Entretanto, a única maneira de que fatos acontecidos longe de nossos olhos possam ser publicamente contados é através dos meios de comunicação, sejam eles de massa ou não. E, em uma de suas múltiplas definições, a notícia é o resultado de uma necessidade social do relato de fatos, pelos ausentes, inobservados.
A mídia, por essas características (ser um produto, recortar, fragmentar e reduzir o real), é, vez ou outra, acusada da prática de manipulação. Foi, inclusive, essa acusação –manipulação golpista – que justificou o ato do presidente Hugo Chávez de não renovar a licença da emissora venezuelana RCTV. E foi também essa mesma razão que motivou a Comissão Executiva do Partido dos Trabalhadores, no dia 31 de julho deste ano, a convocar os detentores de mandatos públicos à mobilização contra a ‘grande ofensiva da direita aliada a certos setores da mídia contra o PT e o governo do presidente Lula’. Foram destacadas, pelo mineiro Gleber Naime, responsável pela comunicação do PT, as ações manipulatórias dos grupos de comunicação privados Rede Globo de Televisão, Folha de S. Paulo, Correio Braziliense, O Globo e O Estado de S. Paulo, os quais, segundo Naime, ‘nunca fizeram antes oposição a um governo como o fazem agora’. Acusação que deve, primeiramente, ser empiricamente verificada, comparada com governos anteriores e comprovada para que se transforme, finalmente, em fato. É o que se denomina apuração e checagem jornalística.
Teorias da conspiração
Enfim, para o PT, uma parcela importante e significativa dos veículos de comunicação de nosso país está mancomunada e atentando sucessivamente contra os frágeis valores democráticos nacionais. E não é só isso. Toda a imprensa está equivocada. Melhor informar-se com os veículos oficiais do governo.
Preocupante e temerário, se levarmos em consideração que, ao longo de sua história, o Partido dos Trabalhadores fez campanha constante e ferrenha contra todos outros governos democraticamente eleitos sem que isso configurasse um atentado contra a democracia. Era, então, parte do jogo do contraditório que caracteriza a democracia.
Nesta acusação, aplica-se levianamente ao jornalismo o mesmo propósito e objetivo inerente à publicidade – a manipulação intencional. Voltando ao parágrafo primeiro, a mídia noticiosa recorta, sim. Fragmenta. Ao selecionar o que será revelado, produz automaticamente o seu contrário: o que não foi revelado. Ao selecionar e valorar algo como de interesse maior e, portanto, publicável, condena outros fatos a uma condição hierárquica inferior. Porém, dentro da rotina produtiva nas redações dos jornais, é importante compreender as possibilidades sempre limitadas de manipulação, já que é palco de interesses diversos e divergentes.
Não raro, as suspeitas de manipulação são exageradas e as acusações de suas práticas não são profundas. Se existe uma manipulação, ela é decorrente muito mais da própria funcionalidade interna do sistema – gostemos ou não – do que de uma decisão intencional realizada todos os dias, após o café da manhã, nas mesas dos respectivos editores. Isso é um credo razoável para aqueles que acreditam em teorias da conspiração.
Grande e manipulada inverdade
Há as linhas editoriais de cada veículo, não há como negar. Os leitores da revista Veja são ideologicamente diferentes dos leitores da revista CartaCapital, mas os meios de comunicação de massa vivem da venda, aos seus leitores, sejam eles quais forem, das incertezas dos fatos. A realidade é sempre descrita como carente de algum equilíbrio, seja qual for o governo que estiver no exercício de sua função. Ao elaborarem uma determinada informação, os sistemas de comunicação criam uma sensação de insegurança que só será aplacada com outras e novas informações e assim sucessivamente.
Esse é o seu modo operativo de manutenção e auto-reprodução e que o torna um dos sistemas autônomos de função de nossa sociedade. ‘A função dos meios de comunicação é a produção contínua de irritação’, afirma o sociólogo alemão Nicklas Luhmann. É bom que fique claro que isso não é privilégio ou perseguição a este governo e tampouco ao Partido dos Trabalhadores. É a lógica do sistema operacional.
O mundo jamais poderá ser observado, como também não será apreendido, em sua totalidade. Ele não pode ser conhecido a não ser pelos seus dispositivos midiáticos e suas limitações técnicas, operativas e ideológicas.
A convocação petista preocupa, pois atenta contra o direito constitucional de informar e ser informado. A título de um exemplo, a socióloga Marilena Chauí, em artigo publicado no blog Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, acusa a imprensa de ter ‘inventado’ a crise do setor aéreo brasileiro. Pelo jeito, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva não concorda com a intelectual, sua correligionária, já que admitiu a existência do problema concreto, embora tenha confessado que desconhecesse sua profundidade até a semana passada. Ajudaria se, de vez em quando, ele desse uma passada de olhos pelos jornais impressos ou televisivos e não tomasse todo esse conteúdo como uma grande e manipulada inverdade.
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Estudante do último período de jornalismo da Universidade Fumec, Belo Horizonte, MG