A divulgação de dados sigilosos, já discutida no programa por doze vezes, voltou à pauta do Observatório da Imprensa na TV exibido na terça-feira (7/8). O vazamento do conteúdo da caixa-preta de voz do Airbus da TAM acidentado em Congonhas, divulgado pela (Folha de S.Paulo (1/8), foi avaliado pelo debatedores convidados do programa.
No editorial de abertura, Alberto Dines lembrou que antes mesmo de a Folha publicar a manchete ‘Caixa-preta indica erro do piloto’, a revista Veja, o jornal O Estado de S.Paulo e a própria Folha haviam antecipado as informações que poderiam levar ao prejulgamento dos pilotos. Também chamou a atenção para o fato de que o brigadeiro Jorge Kersul Filho, chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), já havia advertido para o perigo de se publicar informações fragmentadas – que desrespeitariam normas internacionais e abalariam a credibilidade do relatório final. Dines questionou se os jornalistas que recebem informações sigilosas deveriam publicá-las imediatamente ou investigá-las melhor, em busca de informações complementares. Para ele, atrás de vazamentos de dados sigilosos ‘há sempre interesses, nem sempre legítimos e quase sempre escusos’ [ver abaixo a íntegra do editorial].
O papel do governo no vazamento
Em entrevista gravada para a reportagem exibida no programa, a colunista do jornal O Globo, Tereza Cruvinel, avaliou que a CPI divulgou os dados para deixar claro que a comissão não teria vazado as informações para a imprensa e, deste modo, empurrou a culpa para o Executivo. ‘Eu vejo no vazamento um interesse do governo, naquele momento, em sair da situação de emparedamento em que ele se encontrava por conta da criminalização do acidente como uma decorrência do mau gerenciamento aeroportuário’, disse Tereza. A reportagem também mostrou que o jornalista Fernando Rodrigues, autor da matéria da Folha, afirmou em entrevista para o site UOL que o conteúdo não era uma condenação aos pilotos.
O relator da CPI do Sistema de Tráfego Aéreo na Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), entrou ao vivo pelo estúdio da TVE em Brasília. A comissão, instalada há três meses para examinar a crise do setor – iniciada com a queda do Boeing da Gol, em setembro do ano passado – agora também investiga o acidente com o Airbus da TAM.
No estúdio do Rio de Janeiro, participou o tenente-brigadeiro-ar Mauro Gandra. O brigadeiro dedicou quase 50 anos à Aeronáutica e contabilizou 6.700 horas de vôo em diferentes equipamentos. Foi ministro da Aeronáutica no primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso e diretor-geral do Departamento de Aviação Civil. Também no Rio, o programa contou com a presença de Mário Magalhães, ombudsman da Folha de S.Paulo. Formado em jornalismo pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele é jornalista há vinte e um anos. Mario Vitor Santos, jornalista e ombudsman do portal iG, participou pelo estúdio da TV Cultura, em São Paulo. Mario Vitor foi três mandatos ouvidor da Folha de S.Paulo, onde trabalhou por 15 anos.
Perda de credibilidade das investigações
O deputado Marco Maia afirmou, mais uma vez, que o vazamento não partiu da CPI da Câmara e esclareceu que, para ele, algumas informações de investigações sigilosas não devem ser divulgadas. O relator lamentou o vazamento: ‘A CPI da Câmara ficou numa situação onde escondia essas informações ou as repassava de forma transparente para todos os veículos para que a sociedade pudesse ter, de forma plena, as informações que estavam sendo divulgadas, naquele dia, por um jornal do centro do país’.
Para o brigadeiro Mauro Gandra, a conseqüência mais perigosa do vazamento é a perda da credibilidade das investigações de outros acidentes aéreos que possam ocorrer. Ele enfatizou que, com este episódio, a imprensa e a sociedade podem ter aprendido a não formar opiniões e fazer julgamentos antecipados com base em dados isolados que não tenham sido analisados por autoridades competentes.
Pressa x checagem
Outro ponto levantado por Alberto Dines no debate foi a pressa em liberar informações sigilosas. O ombudsman da Folha de S.Paulo afirmou que acha legítima a divulgação pública de dados de caixas-pretas de acidentes aéreos que estejam sendo investigados se uma série de preceitos for respeitada – como, por exemplo, a checagem rigorosa das informações feita pelo jornal. Mário Magalhães ressaltou que a divulgação seria de interesse público, mas que não poderia levar a conclusões levianas, uma vez que os dados disponíveis no momento são inconclusivos.
De acordo com a análise de Mário Vitor Santos, a cultura de satisfazer a curiosidade da sociedade gerada por sucessivas divulgações de dados sigilosos contribuiu para o vazamento das informações da caixa-preta de voz do Airbus.
Mídia deve discutir a mídia
Questionado sobre o porquê da mídia não discutir a mídia, Mário Magalhães declarou que o jornalismo não gosta de ser fiscalizado. Ele destacou que embora, hoje, a sociedade tenha mais elementos para acompanhar as investigações graças ao trabalho dos meios de comunicação, a imprensa cometeu três erros graves nesta cobertura: o despreparo técnico para cobrir acidentes aéreos, a precipitação em fazer afirmações sem base técnica e a leviandade em certos momentos da cobertura. ‘Havia possibilidade de que a crise do sistema aéreo tivesse influenciado – e ainda há esta possibilidade – no acidente do avião. Mas não poderia ter sido afirmado, como foi, que a culpa era da pista ou do caos aéreo. O que era uma possibilidade transformou-se em certeza e agora, com as informações já conhecidas, é uma hipótese mais enfraquecida’, analisou.
Mario Vitor Santos concorda com o ouvidor da Folha sobre o despreparo que os jornalistas ainda apresentam, apesar de decorridos dez meses do início dos problemas no sistema de tráfego aéreo do país. Para ele, as empresas jornalísticas já deveriam contar com especialistas nas redações. ‘A imprensa cada vez mais se caracteriza pelo desprezo pelo especialista, pelo conhecimento especializado, pelo conhecimento técnico’, disse o ombudsman do iG. O sigilo da fonte, garantido pela Constituição, também foi discutido no programa.
Dines finalizou o debate reforçando a necessidade de a imprensa discutir a imprensa: ‘Ela cresce, ela se agiganta perante os outros poderes, formais e informais, na medida em que ela se mostra também transparente. Na medida em que se fecha, surgem as teorias conspiratórias e as ameaças contra a imprensa’.
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Jornalistas também são monitorados. Por caixas-brancas – Alberto Dines
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‘Aqui, tudo tranqüilo’
Alberto Dines # editoral do programa Observatório da Imprensa na TV nº 428, no ar em 7/8/2007
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Algumas vítimas ainda estão insepultas, o prédio da TAM Express já foi implodido, mas persistem algumas causas do colapso aéreo que se seguiu ao desastre: a Infraero ainda não conseguiu instalar um sistema de atendimento aos passageiros, tanto em Congonhas como no Santos Dumont. Os vôos ainda saem com atrasos e as empresas ainda não conseguiram esta coisa comezinha de informar aos seus clientes. O mais curioso é que as equipes de TV continuam fazendo plantão em baixo, no saguão do check-in de Congonhas, e não sabem o que se passa no andar superior – e por isso insistem no bordão: ‘Aqui, tudo tranqüilo’.
O governo francês e a companhia Airbus encaminharam na terça-feira (7/8) ao governo brasileiro um protesto formal contra a divulgação dos dados sigilosos da caixa-preta do jato da TAM. O sucessivo vazamento destas informações secretas poderia ser classificado como ridículo se não estivéssemos diante de uma catástrofe dessas proporções.
Antes da manchete da Folha de S.Paulo no dia 1º de agosto, a Veja, o Estado de S.Paulo e a própria Folha já haviam antecipado informações inculpando os pilotos. A Aeronáutica, por intermédio do brigadeiro Kersul, diretor do Cenipa, vinha advertindo para o perigo de se publicar informações de forma açodada – o que, além de prejudicar as normas internacionais, tiraria a credibilidade do relatório final.
Como é que ficam os jornalistas a quem são oferecidas informações sigilosas? Devem publicá-las imediatamente ou investigar em busca de informações complementares?
Nunca é demais lembrar que a dupla de repórteres que derrubou o presidente Nixon em 1974 estava sendo abastecida por uma fonte secreta, mas jamais publicaram suas informações sem uma exaustiva apuração.
É preciso ter em mente que um vazamento jamais é gratuito. Há sempre interesses, nem sempre legítimos e quase sempre escusos, atrás da quebra de sigilos. Como sempre acontece no Brasil, a mídia não discute a mídia. Vazamentos se sucedem, mas os concorrentes não os contestam, nem os discutem. O Observatório da Imprensa está aí para isso.
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Jornalista