Imaginemos, só para argumentar, que todas as acusações da imprensa a Renan Calheiros sejam verdadeiras e comprováveis. Imaginemos também, sempre para argumentar, que Renan não tivesse tido um caso com Mônica Veloso.
Se as denúncias contra Renan são a expressão da verdade, ele multiplicou rapidamente sua fortuna, embora não tivesse capital para investimentos. Montou uma rede de comunicações, transformou-se em próspero criador de gado, comprou fazendas. E tudo isso debaixo do nariz dos jornalistas, que nada perceberam e nada publicaram. A imprensa só foi investigar a vida de Renan depois das denúncias que se seguiram ao caso do filho extramatrimonial.
E, no entanto, certas coisas são visíveis. Há sinais exteriores de riqueza difíceis de esconder. As roupas ficam melhores, a família passa a viver com mais folga, o carro velho dos filhos é trocado por uma pequena frota de veículos mais modernos. Certas coisas são visíveis em Brasília; outras, na terra natal do parlamentar. Se de repente Renan Calheiros passou a usar uma bela casa de fim de semana numa praia valorizada de Alagoas, de onde apareceu o dinheiro?
Tudo bem, um escândalo sexual é um bom assunto. Mas não pode ser o único ponto de partida para o trabalho da reportagem. Isso vale para a cobertura parlamentar; mas pode ser interessante verificar como é que tantos carros caros estacionam nas delegacias de Polícia, onde os salários são baixos.
Condicionalssimamente
Uma das reportagens sobre Renan trouxe um título histórico: ‘Renan Calheiros teria mais emissoras de rádio em nome de laranjas’. Tinha ou não tinha?
Fora de tempo
De qualquer forma, é lamentável que todo o caso Renan tenha ocorrido bem depois do Carnaval. Houvesse acontecido antes, o Bloco do Pacotão, formado por jornalistas brasilienses, não teria perdido a oportunidade de desfilar com um samba-enredo alusivo aos acontecimentos. Sempre que o fato é bom, o samba do Pacotão é engraçadíssimo e de excelente qualidade.
Escândalo sem reportagem
O governo vem sendo pesadamente criticado por entregar os dois atletas cubanos de volta ao país de onde haviam fugido. Mas falta falar da imprensa: ninguém perguntou às autoridades por que os jornalistas não puderam entrevistar os cubanos, colocando à prova aquela história mal contada. Mesmo O Globo, que publicou excelente reportagem sobre o dia-a-dia dos cubanos nas praias do Rio, não fez a cobrança. E deixou o ministro da Justiça, Tarso Genro, livre para dizer que o sonho dos dois passarinhos era voltar para os braços do gato.
Os tenores
Que lindo! Um dos atletas deportados pelo governo brasileiro foi para a TV, em Havana, e cantou o Hino Nacional cubano. Meiguíssimo. Pena que lembre episódio semelhante, ocorrido no Brasil, nos tempos do governo Médici. Não foram poucos os presos políticos que se apresentaram na TV para dizer que o regime militar estava criando o Brasil Grande de seus sonhos.
Os mesmos que achavam ridículo acreditar nessa história agora acreditam que os cubanos fugiram só para escapar da pesagem. Pois é: não houve gente (não é verdade, pessoal do PCdoB?) que acreditava que Mao Tsé-tung, o veteraníssimo ditador chinês, era capaz de nadar mais rápido que o recordista Mark Spitz?
A não-notícia
Saiu com destaque que o falecido dirigente palestino Yasser Arafat tinha Aids, mas não morreu disso. Se não morreu disso, que é que interessa dizer as doenças de que sofria?
A notícia não noticiada
Há crise na Bolsa americana: Wall Street está em baixa. A Bolsa americana puxou para baixo as bolsas de vários países, inclusive a do Brasil. Há bancos centrais injetando algumas dezenas ou centenas de bilhões de dólares em diversos mercados, tentando evitar que a crise se agrave.
Estas notícias estão em todos os veículos de comunicação. Mas como afetam o brasileiro comum, que não aplica na Bolsa, não lançou papéis em Wall Street e não tem nada a ver com a inadimplência no mercado imobiliário americano?
Talvez este colunista tenha feito uma pesquisa falha, mas não encontrou a reportagem que mostre o motivo pelo qual a crise que afeta grandes fundos americanos e europeus tende a prejudicar gravemente o gari, o motorista de caminhão e a empregada diarista do Brasil. Que prejudica, prejudica. Mas como?
Delícias
1.
‘(Fulano de tal) chegou a citar Ortega e Garcia em seu discurso (…)’É muito provável que o repórter se refira ao espanhol Ortega y Gasset – afinal de contas, o nome até que é parecido.
2.
‘A pista (…) do aeroporto será aumentada de 35 metros para 45 metros’O pior de tudo é que a reportagem não se referia a aeromodelos.
E eu com isso?
Este colunista por pouco não atrasa o serviço: as notícias abaixo absorveram de tal maneira sua atenção que acabou dormindo muito cedo, sem acabar a coluna. São fatos de tamanha importância que não podem ficar sem divulgação:
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‘Mônica Veloso não fará fotos em Brasília’**
‘`Spice´ Melanie Brown se casa em segredo’**
‘Namorada de Latino vai a aniversário em churrascaria’Os grandes títulos
A concorrência é feroz:
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‘Dualib transfere imóveis para o Uruguai’Devem ter sido imensos os caminhões de mudança, não é mesmo? Não é à toa que as estradas ficam cheias de buracos – ou, para seguir o espírito da coisa, ficam coalhadas de rombos.
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‘Suspeito de prostituição infantil, PM do Palácio Guanabara é preso’Nada de mais: se já houve um governador Garotinho, o PM não precisa ter muita idade para ocupar o cargo.
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‘Rabada de castor sueco manda idosa para o hospital’Mas o vitorioso, o melhor título da semana, é sem dúvida este:
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‘Lactobacillus casei Shirota beneficia fumantes’Deve ter sentido, claro. Com a palavra os estudiosos.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados