Mais do que qualquer outro tipo de empresa, o fechamento de um bom jornal sempre deixa uma sensação de estranheza, um vazio. Leitores se acostumam com os colunistas, com a linha editorial e o estilo de cobertura. Como periódicos, têm personalidade, é adequado dizer que o leitorado fica órfão, especialmente quando enfrenta a perda de um veículo tradicional e independente como o Diário da Tarde de Belo Horizonte, com 76 anos de existência e mais de 25 mil edições ininterruptas, comemoradas no editorial do dia 14 de fevereiro de 2007. [Ver, neste Observatório, ‘O fim do Diário da Tarde, 77 anos depois‘]
Segundo seus editores, a direção do Estado de Minas via o filhote como um concorrente, o que é um absurdo, mas prevaleceram ambições pessoais que levaram o grupo a abrir mão de uma marca com a força do DT, um diário de cobertura mais local, o típico jornal regional, extremamente útil porque tratava de maneira mais abrangente dos problemas da comunidade sem deixar de dar uma ‘pincelada’ nos temas internacionais; tinha também um bom caderno de esportes e uma razoável seção cultural.
A página de opinião, editada por Carlos Lúcio Gontijo, foi freqüentada por Aluísio Pimenta, ex-ministro, ex-reitor da UFMG e membro da Academia Mineira de Letras; Floriano de Lima Nascimento, professor de Direito e membro do Instituto Histórico e Geográfico e Minas Gerais; Mauro Silveira, jornalista e escritor, Luiz Roberto Kallas, professor universitário, Fábio P. Doyle, jornalista e membro da Academia Mineira de Letras, Sebastião Nery, Celso Brant, Paulo Francis, Vivaldi Moreira, Odin Andrade.
Por que morre um jornal, tão próximo da comunidade, que alcançara uma tiragem de 60 mil exemplares havia vinte anos, e hoje rodava dez mil? Praticamente todas as publicações tiveram redução de circulação, muitas fecharam, mas não necessariamente apenas por este motivo – o da queda do faturamento com a venda dos exemplares – se não os tablóides gratuitos não estariam aí.
Imprensa regional
Houve, segundo os jornalistas que compunham a redação extinta, uma reforma mal feita, com a eliminação de colunistas; teria faltado também investimento, agressividade em vendas, especialmente de assinaturas, que o DT não fazia. O mais importante, no entanto, parece ser a afirmação de ex-integrantes da equipe de que a morte do jornal foi decidida e ardilosamente programada com o esvaziamento do seu conteúdo, contrariando a pretensa revitalização prometida.
Folheando a edição de 14 de fevereiro deste ano, já se percebia a falta de colunistas, mas o jornal ainda mostrava vitalidade e ecletismo, a impressão de primeiríssima diagramação. Mas a moda do virtual teria falado mais alto na direção do jornal, embora o site do Diário não fosse lá essas coisas, pouco funcional, possivelmente já um sintoma do desinteresse da direção do grupo dos Associados em Minas Gerais, que, no transcorrer das últimas décadas, perdeu a TV Itacolomi e a Rádio Guarani AM – hoje fora do ar –, então emissoras líderes no estado. Sejam quais forem os reais motivos para o fim do Diário da Tarde, ele poderia ter sido evitado.
Jornais regionais são importantíssimos e há vários de boa qualidade Brasil afora. Sem eles, a politicagem local não teria críticos nem fiscalização e muitas questões importantes para as comunidades seriam relegadas ao esquecimento. Preservá-los é vital.
A recente compra do norte-americano Wall Street Journal por Rupert Murdoch tem sido vista com receio, exatamente por causa de eventuais mudanças, embora um acordo tenha preservado a sua independência editorial.
É triste dizer isso, mas nestes tempos em que veículos de mídia são comprados por gente que não é do ramo, seria melhor – ao menos para o bem dos leitores – fechar do que ser ‘aparelhado’.
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Administrador e ex-colaborador eventual do Diário da Tarde, Belo Horizonte, MG