De repente, a crise financeira tomou conta dos cadernos de economia e também das primeiras páginas da grande imprensa. O assunto não era novo, mas virou manchete quando o BNP Paribas, um dos maiores bancos da Europa, suspendeu as liquidações de papéis vinculados ao mercado norte-americano de hipotecas. Em dois dias, na quinta-feira e na sexta (10/8), os bancos centrais do mundo rico despejaram nos mercados mais de 300 bilhões de dólares para socorrer instituições com problemas de caixa. Os jornais descarregaram sobre os leitores uma cobertura proporcional a esses bilhões. O mercado provavelmente precisava daquele socorro. Os leitores poderiam contentar-se com um material mais sintético.
No domingo (12/8), houve uma trégua na cobertura da crise e outros assuntos importantes para o Brasil ganharam destaque. O Estado de S. Paulo e O Globo chamaram a atenção, na primeira página, para a lentidão dos investimentos federais. Falta de dinheiro não é o problema, segundo as matérias. Os programas não deslancham por falhas de gestão e também por impasses políticos. O Globo dominical destacou, também na primeira página, o inchaço político da Infraero e as promessas do novo presidente, Sérgio Gaudenzi, de afastar cem funcionários.
Ponto para os jornais. Desvendar o funcionamento real da administração torna mais concreta a cobertura de temas econômicos importantes, como a execução dos investimentos públicos. Esse tipo de informação aparece principalmente na cobertura de escândalos. Mas o loteamento político de cargos, o aparelhamento e o empreguismo não produzem efeitos apenas de vez em quando. São problemas permanentes e é mais difícil combatê-los quando permanecem no escuro.
Mais compacto e digerível
No domingo, a crise financeira continuou em pauta, mas com destaque menor que nos dias anteriores. A dúvida mais importante permanecia. Ninguém sabia a extensão do rombo no mercado financeiro, nem podia avaliar suas conseqüências. Mas, apesar da importância do assunto, os grandes jornais de São Paulo e do Rio pecaram, mais uma vez, pela overdose.
Gastaram páginas, desde o meio da semana, contando a agitação no setor financeiro, mostrando a ação dos bancos centrais, expondo a perplexidade dos analistas, publicando artigos de especialistas e reproduzindo, como de hábito, uma enxurrada de opiniões e de palpites. Dedicaram grande espaço a declarações previsíveis de autoridades brasileiras, empenhadas, naturalmente, em mostrar a solidez da economia nacional.
Terá alguém lido todo o material publicado? Se todos os textos fossem espremidos, o essencial caberia em muito menos espaço. Bons comentaristas de rádio, como Carlos Alberto Sardenberg e Celso Ming, conseguiram contar o suficiente sem gastar mais tempo do que o habitual.
Espera-se dos jornais, naturalmente, um pouco mais de detalhes, além de explicações e análises mais aprofundadas. Bons gráficos explicativos também são bem-vindos. O Estado de S. Paulo aproveitou muito bem, na edição de sexta, uma excelente exposição gráfica do New York Times. Mas, com tudo isso, os jornais ainda poderiam apresentar ao leitor um material mais compacto e mais digerível. Bastaria sintetizar a maior parte do noticiário e das opiniões num par de retrancas preparadas por um redator com bom domínio do assunto.
Reforma tributária
No entanto, faltou, apesar da extensa cobertura, avançar um pouco mais num detalhe. O Brasil, segundo o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central, está preparado para enfrentar algumas fortes chacoalhadas. O país dispõe de mais de 150 bilhões de dólares de reservas cambiais, a inflação está em torno de 4% e as contas externas continuam robustas. Esses fatores permitem resistir às ondas de choques provocadas no curto prazo pela instabilidade internacional. Mas o buraco negro apontado pelos analistas é mais amplo.
Falta saber se a turbulência poderá afetar, de forma importante, o crescimento da economia mundial. Se isso ocorrer, como ficarão os preços das commodities e as condições globais de competição? É essa a questão mais importante para o Brasil. Afinal, o país tem surfado confortavelmente na onda mundial de prosperidade. Valeria a pena ter levado a especulação um pouco mais para esse lado. Dessa perspectiva, a situação brasileira é, certamente, menos tranqüila.
Com a overdose de crise financeira, outros assuntos importantes tiveram menor visibilidade. Teria valido a pena dar mais destaque, por exemplo, ao namoro dos presidentes argentino e boliviano, Nestor Kirchner e Evo Morales. Este ameaçou agir contra as companhias estrangeiras, incluída a Petrobras, se não executarem os investimentos desejados pelo governo boliviano. Kirchner prometeu realizá-los, se aquelas empresas não atenderem à cobrança oficial.
Na mesma semana, prosseguiu o debate sobre a renovação da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Em troca de apoio a esse projeto, o governo federal prometeu concessões a Estados na reforma tributária. Em outras palavras: abrir mão de R$ 38 bilhões ou mais, nos próximos anos, é impensável, mas a reforma, objetivamente mais importante, pode ser usada para uma barganha política. Faltou avançar na exploração desse e de outros temas essenciais para a economia brasileira.
Poderão ganhar maior atenção, se a crise internacional amainar.
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Jornalista