Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pessoas se espelham em personagens virtuais

‘Hoje não pensamos o virtual, o virtual é que nos pensa’ (Jean Baudrillard)

Diante de uma beleza exuberante, por inveja, Narciso fora condenado pelos deuses; estes o tornaram incapaz de se envolver com as pessoas. Todos o achavam lindo e estonteante de tão belo, mas Narciso preferia viver só, pois não havia encontrado ninguém que julgasse merecedor de seu amor. Um dia, à margem de um lago, viu o seu reflexo na água límpida e cristalina e foi amor à primeira vista. Narciso tentava tocar aquele ser tão belo, mas ao encostar a mão na água, a imagem se perdia; se ele saísse de perto da margem, seu amor também se afastava. O mito diz que um dia as ninfas apaixonadas o tragaram para dentro do lago. O virtual atuando no real.

Como no mito, a mídia também apresenta esse poder de recriação do real por meio do virtual. A televisão evoluiu de um simples aparelho que mostra a realidade para um grande instrumento modelador da realidade.

Pesquisas do IBGE afirmam que, no Brasil, a televisão é o meio de comunicação mais importante, revelando que 90,3% das casas têm uma televisão e 87,4% têm geladeira. Essa pequena porcentagem de diferença representa milhões de residências sem um aparelho de conservação de alimentos, mas que não podem ficar sem TV, e que uma mulher com 40 anos, já assistiu a cerca de 12 a 15 mil horas de telenovela.

Falta diálogo

Adultos e crianças estão se formando na frente da televisão, ao invés de praticarem um esporte, freqüentarem cursos, lerem um jornal ou até conversarem com outra pessoa ou com a família. É notória a importância da mídia na vida dos adultos, principalmente das crianças. E o que se tem observado é que, como Narciso, inúmeras pessoas não conseguem diferenciar o real do virtual: são como moscas drozófilas que ficam se debatendo e podem morrer diante de um vidro, pois não sabem o que é o vidro. Os adultos querem imitar os atores de novela, as crianças querem ser super-heróis, usar suas roupas, falar e viver como o imaginário. Resumindo, a televisão cria personagens virtuais nas quais as pessoas passam a se espelhar modelando a realidade.

Porém, a televisão não é totalmente deletéria e seus programas não precisam ser censurados. O que precisa existir é um diálogo sobre aquilo a que se está sendo assistindo. Os pais devem aproveitar um personagem que tem Aids e explicar sobre a doença para os filhos, ou então aproveitar uma cena erótica e discutir a sexualidade. Assim, a televisão tornar-se-ia produtiva. Entretanto, diante dela, a família perde a voz e, como Narciso, é tragada para dentro do virtual e do imaginário que a vive.

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Estudante, Santos, SP