Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Cobertura incompleta

Nos últimos anos, tem sido difícil acompanhar os jornais, revistas, telejornais ou programas noticiosos de rádio brasileiros sem encontrar reportagens sobre casos de corrupção envolvendo todas esferas do poder público e empresas privadas dos mais variados tipos.


Segundo dados da Transparência Brasil, organização não-governamental que se dedica ao combate da praga, a corrupção no Brasil é tão disseminada que cerca de 70% das empresas reportam gastar até 3% de seu faturamento com o pagamento de propinas. Já não seria pouco. Mas outras 25% dizem que o custo é de algo entre 5% e 10% do faturamento. Na soma, 95% das empresas reconhecem ter de pagar algum tipo de caixinha. Esses índices, segundo relatório da ONG, colocam o Brasil ao lado de México, Venezuela, Gana, Japão, Argentina e Filipinas em uma espécie de ranking da corrupção. Entre 25 países analisados, o Brasil ficou no segundo bloco, acima de nações africanas e asiáticas.


Com tanta falcatrua, não é à toa que todos os dias o público se depare com notícias sobre corruptos e corruptores, ou com rescaldos de episódios antigos não resolvidos ou, ainda, novas formas encontradas para burlar a legislação e encher os bolsos de quem prefere agir à margem da Lei.


A grande quantidade de notícias sobre corrupção deve passar para os leitores a idéia de que a imprensa brasileira está fazendo uma boa cobertura da bandalheira que há tanto tempo assola o país. Observando de perto, no entanto, é possível perceber que, infelizmente, o comportamento da mídia não é tão positivo quanto parece. Em termos gerais, a cobertura obedece um padrão bastante regular no acompanhamento dos casos de corrupção: os órgãos de comunicação fazem enorme barulho quando uma denúncia nova vem a público, cobrem com estardalhaço o início das investigações – muitas vezes sem o cuidado necessário e não raro destruindo reputações – e, à medida que o trabalho de apuração dos órgãos competentes começa, relegam o assunto às notas de pé de página ou reportagens curtas, sem a devida contextualização dos episódios. Dificilmente a imprensa brasileira é capaz de perseguir um determinado caso de corrupção por um período mais longo ou apresentar uma reflexão contundente sobre as causas do fenômeno, os furos da legislação e as condicionantes sociais que permitem o aparecimento de tantos episódios.


A partir desta semana, este Observatório vai se lançar ao trabalho de acompanhar a cobertura da mídia brasileira sobre casos de corrupção. Para que a missão não se perca na infinidade de tramóias já existentes e por aparecer, decidimos eleger alguns casos e tentar observar como os grandes jornais se comportam ao noticiá-los. A idéia não é fazer um balanço de tudo o que sai sobre corrupção na imprensa – algo que a Transparência Brasil faz com grande competência –, mas tentar ver mais de perto a maneira pela qual algo como uma dezena de episódios estão sendo acompanhados. A cada semana, vamos revezar os jornais e revistas analisados, mas perseguiremos sempre os mesmos casos, de modo que seja possível fazer uma análise comparativa da cobertura. A escolha dos casos de corrupção se deu de maneira aleatória, pois o interesse não é o caso em si, mas o comportamento da mídia em relação a eles.


Alguns episódios são antigos, como as denúncias de desvio de verbas públicas envolvendo o ex-prefeito Paulo Maluf, ou mais recentes, como o esquema envolvendo o ministério da Saúde, que vem sendo investigado na Operação Vampiro. Também estão na lista os casos Waldomiro, Banestado, Propinoduto, Máfia dos Fiscais, a Operação Gafanhoto, as investigações das CPIs da Pirataria, além de dois temas mais genéricos e que estão na ordem do dia: a definição das atribuições do Ministério Público e a Lei da Mordaça, ambos intrinsecamente ligados ao combate à corrupção.


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Na semana que passou, o veículo escolhido para análise foi o jornal O Estado de S. Paulo. Entre os dias 13 e 20 de junho, o Estadão publicou 47 reportagens, artigos e editoriais sobre os mais variados casos de corrupção, de acordo com o banco de dados da Transparência Brasil. A maior parte das matérias versa sobre a nova denúncia que apareceu contra o ex-prefeito Paulo Maluf – uma suposta carta com a sua assinatura requisitando a transferência de 100 milhões de dólares de uma também suposta conta sua em Zurique para uma agência de Londres do mesmo banco, o UBS.


Seguindo o padrão normal descrito acima sobre a cobertura dos episódios de corrupção, o Estado se esforçou para reunir o maior número possível de informações sobre o episódio e apresentá-los aos leitores, mobilizando inclusive seu correspondente na Suíça, o jornalista Jamil Chade. Apesar do esforço, o Estadão pouco conseguiu se diferenciar neste caso dos demais jornais, que também investiram na apuração da história que certamente tem alto índice de leitura, até porque Maluf é mais uma vez candidato à prefeitura paulistana e segue negando ser titular ou beneficiário de qualquer conta em bancos no exterior.


Se não conseguiu se diferenciar neste episódio, o Estado deu um furo na concorrência ao investir em um caso que vinha merecendo pouco mais do que notas de pé de página nos grandes jornais. No dia 15, a reportagem do jornal paulista fotografou Waldomiro Diniz usando um telefone público a poucos metros de sua casa. O flagrante rendeu uma boa matéria no dia 16, em que o escândalo envolvendo o ex-assessor do ministro José Dirceu foi rememorado dias antes da acareação entre o próprio Diniz e o empresário Carlos Ramos, o "Carlinhos Cachoeira", momento em que todos os jornais voltaram a dispensar mais atenção ao caso.


Outro diferencial no Estadão vem sendo o debate sobre a conveniência do Ministério Público ter a atribuição de realizar inquéritos criminais. Atualmente, o MP faz investigações, mas poderá ser proibido, por decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal, de realizá-las. No Estado, foi possível ler artigos sobre o assunto e até um editorial, no qual o jornal se posicionou favoravelmente às investigações do Ministério Público.


Destaques à parte, a cobertura do Estadão também apresentou a fragmentação já mencionada acima: muitas pequenas notas sobre diversos episódios, quase sempre sem a devida contextualização.


Na próxima semana, o Observatório prossegue na análise da cobertura dos casos de corrupção no Brasil.