Nos últimos anos, tem sido difícil acompanhar os jornais, revistas, telejornais ou programas noticiosos de rádio brasileiros sem encontrar reportagens sobre casos de corrupção envolvendo todas esferas do poder público e empresas privadas dos mais variados tipos.
Segundo dados da Transparência Brasil, organização não-governamental que se dedica ao combate da praga, a corrupção no Brasil é tão disseminada que cerca de 70% das empresas reportam gastar até 3% de seu faturamento com o pagamento de propinas. Já não seria pouco. Mas outras 25% dizem que o custo é de algo entre 5% e 10% do faturamento. Na soma, 95% das empresas reconhecem ter de pagar algum tipo de caixinha. Esses índices, segundo relatório da ONG, colocam o Brasil ao lado de México, Venezuela, Gana, Japão, Argentina e Filipinas em uma espécie de ranking da corrupção. Entre 25 países analisados, o Brasil ficou no segundo bloco, acima de nações africanas e asiáticas.
Com tanta falcatrua, não é à toa que todos os dias o público se depare com notícias sobre corruptos e corruptores, ou com rescaldos de episódios antigos não resolvidos ou, ainda, novas formas encontradas para burlar a legislação e encher os bolsos de quem prefere agir à margem da Lei.
A grande quantidade de notícias sobre corrupção deve passar para os leitores a idéia de que a imprensa brasileira está fazendo uma boa cobertura da bandalheira que há tanto tempo assola o país. Observando de perto, no entanto, é possível perceber que, infelizmente, o comportamento da mídia não é tão positivo quanto parece. Em termos gerais, a cobertura obedece um padrão bastante regular no acompanhamento dos casos de corrupção: os órgãos de comunicação fazem enorme barulho quando uma denúncia nova vem a público, cobrem com estardalhaço o início das investigações – muitas vezes sem o cuidado necessário e não raro destruindo reputações – e, à medida que o trabalho de apuração dos órgãos competentes começa, relegam o assunto às notas de pé de página ou reportagens curtas, sem a devida contextualização dos episódios. Dificilmente a imprensa brasileira é capaz de perseguir um determinado caso de corrupção por um período mais longo ou apresentar uma reflexão contundente sobre as causas do fenômeno, os furos da legislação e as condicionantes sociais que permitem o aparecimento de tantos episódios.
A partir desta semana, este Observatório vai se lançar ao trabalho de acompanhar a cobertura da mídia brasileira sobre casos de corrupção. Para que a missão não se perca na infinidade de tramóias já existentes e por aparecer, decidimos eleger alguns casos e tentar observar como os grandes jornais se comportam ao noticiá-los. A idéia não é fazer um balanço de tudo o que sai sobre corrupção na imprensa – algo que a Transparência Brasil faz com grande competência –, mas tentar ver mais de perto a maneira pela qual algo como uma dezena de episódios estão sendo acompanhados. A cada semana, vamos revezar os jornais e revistas analisados, mas perseguiremos sempre os mesmos casos, de modo que seja possível fazer uma análise comparativa da cobertura. A escolha dos casos de corrupção se deu de maneira aleatória, pois o interesse não é o caso em si, mas o comportamento da mídia em relação a eles.
Alguns episódios são antigos, como as denúncias de desvio de verbas públicas envolvendo o ex-prefeito Paulo Maluf, ou mais recentes, como o esquema envolvendo o ministério da Saúde, que vem sendo investigado na Operação Vampiro. Também estão na lista os casos Waldomiro, Banestado, Propinoduto, Máfia dos Fiscais, a Operação Gafanhoto, as investigações das CPIs da Pirataria, além de dois temas mais genéricos e que estão na ordem do dia: a definição das atribuições do Ministério Público e a Lei da Mordaça, ambos intrinsecamente ligados ao combate à corrupção.
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Na semana que passou, o veículo escolhido para análise foi o jornal O Estado de S. Paulo. Entre os dias 13 e 20 de junho, o Estadão publicou 47 reportagens, artigos e editoriais sobre os mais variados casos de corrupção, de acordo com o banco de dados da Transparência Brasil. A maior parte das matérias versa sobre a nova denúncia que apareceu contra o ex-prefeito Paulo Maluf – uma suposta carta com a sua assinatura requisitando a transferência de 100 milhões de dólares de uma também suposta conta sua em Zurique para uma agência de Londres do mesmo banco, o UBS.
Seguindo o padrão normal descrito acima sobre a cobertura dos episódios de corrupção, o Estado se esforçou para reunir o maior número possível de informações sobre o episódio e apresentá-los aos leitores, mobilizando inclusive seu correspondente na Suíça, o jornalista Jamil Chade. Apesar do esforço, o Estadão pouco conseguiu se diferenciar neste caso dos demais jornais, que também investiram na apuração da história que certamente tem alto índice de leitura, até porque Maluf é mais uma vez candidato à prefeitura paulistana e segue negando ser titular ou beneficiário de qualquer conta em bancos no exterior.
Se não conseguiu se diferenciar neste episódio, o Estado deu um furo na concorrência ao investir em um caso que vinha merecendo pouco mais do que notas de pé de página nos grandes jornais. No dia 15, a reportagem do jornal paulista fotografou Waldomiro Diniz usando um telefone público a poucos metros de sua casa. O flagrante rendeu uma boa matéria no dia 16, em que o escândalo envolvendo o ex-assessor do ministro José Dirceu foi rememorado dias antes da acareação entre o próprio Diniz e o empresário Carlos Ramos, o "Carlinhos Cachoeira", momento em que todos os jornais voltaram a dispensar mais atenção ao caso.
Outro diferencial no Estadão vem sendo o debate sobre a conveniência do Ministério Público ter a atribuição de realizar inquéritos criminais. Atualmente, o MP faz investigações, mas poderá ser proibido, por decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal, de realizá-las. No Estado, foi possível ler artigos sobre o assunto e até um editorial, no qual o jornal se posicionou favoravelmente às investigações do Ministério Público.
Destaques à parte, a cobertura do Estadão também apresentou a fragmentação já mencionada acima: muitas pequenas notas sobre diversos episódios, quase sempre sem a devida contextualização.
Na próxima semana, o Observatório prossegue na análise da cobertura dos casos de corrupção no Brasil.