Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A reportagem, uma reconstrução do real

O estudo de História muito contribui para a prática da reportagem. Em uma disciplina de Reportagem e História aprendemos a relacionar conteúdos históricos às matérias jornalísticas. Genericamente, é comum vermos a História sendo feita com um texto pesado, truncado, chato de ler, e o Jornalismo com o texto leve e fluente, mas que teria o conteúdo não muito confiável. Afinal, é recorrente o preconceito que o jornalista sofre. ‘Ah, os jornalistas distorcem os fatos.’ ‘Eles são pouco confiáveis.’

A reportagem é enriquecida quando contém aspectos da História, a qual deve ser pincelada ao longo do texto, uma vez que, no jornalismo, é imprescindível capturar a atenção do leitor e manter fluência na escrita.

O repórter também pode ser fonte da matéria, mas não é preciso citar-se o tempo todo, correndo o risco de ser chato, monótono e patético.

Em uma reportagem bem feita, a leitura passa por caminhos sossegados. Parece até que o escritor a fez facilmente, sem grandes preocupações. Muito pelo contrário. O trabalho de apuração nos deixa às voltas com muitas fontes. Talentoso é o repórter que consegue conciliar os entrevistados – além de documentos e da própria experiência – entrecruzando-os.

A memória e os fatos

Misturar as diversas fontes em uma matéria jornalística assemelha-se a um parto (embora eu seja homem e nunca vá sentir, na pele, o que é isso). Dificílimo. Há que se sentar, relaxar a cabeça e imaginar uma forma de conduzir o texto. São várias. Não há regras. Isso é o fascinante da coisa.

Com John Reed (Dez Dias que Abalaram o Mundo), aprendi que não existe, de uma vez por todas, imparcialidade. Aliás, é até mais sincero (e ético) abrir o jogo com o leitor, dissipando qualquer suspeita de sermos imparciais ou neutros. Estamos imersos em um contexto histórico, político e social, além de nossa bagagem cultural pregressa, que nos empurra para determinadas decisões, ainda que inconscientes. Melhor termos a consciência de que tomarmos partido o tempo todo. Não há problema, desde que se respeitem as convenções éticas do trabalho jornalístico.

Outro ponto importante veio com a descoberta – nunca tinha parado para pensar nisso – de que tudo (tudo!) é uma reconstrução. A reportagem é uma reconstrução do real e até o que as pessoas nos falam é uma reorganização. Incrível constatar que as pessoas, mesmo sem querer, modificam a memória ou distorcem fatos. É natural alguém aumentar muita coisa após ter vivido certo acontecimento ou dar importância a coisas que, na verdade, não teriam tanto valor sobre o fato.

O incidente e o importante

Como o historiador grego Heródoto, me defrontei com o problema da memória das pessoas: as lembranças variam de indivíduo para indivíduo e cada um as conta à sua maneira. Os homens se lembram daquilo que querem lembrar, e não do que aconteceu realmente. Como Ryszard Kapuscinski afirma, no livro Minhas viagens com Heródoto, ‘a reconstituição do passado da forma como ele se deu é impossível; nós temos acesso apenas às suas variantes, mais ou menos dignas de fé, mais ou menos satisfatórias. O passado não existe mais. Existem tão-somente suas incontestáveis versões’.

O Jornalismo precisa aprender a trabalhar com isso e o esforço é do repórter em ir atrás, verificar, checar mil vezes (ok, um pouco menos) antes de divulgar. Aprendamos com Heródoto, que investigava diversos pontos de vista acerca de um acontecimento ou os desprezava completamente, por considerá-los absurdos, pois não queria ser um cronista passivo, e sim, participar ativamente da História. Se a fonte fala, temos que checar.

Ao contrário do historiador, temos a atualidade como critério. Mais: temos que ler o presente com uma profundidade histórica suficiente e pertinente (cavar até onde nos ajuda a compreender), não nos contentarmos em descrever e contar, mas nos esforçarmos para explicar, hierarquizando os fatos e distinguindo o incidente do fato significativo e importante.

No singular, aspirar ao universal

A matéria jornalística pode ser anatomicamente analisada. A pele é a beleza exterior, o uso de recursos literários, a elegância. A carne significa as idas e vindas do texto, o conteúdo jornalístico. E a musculatura, por sua vez, é a visão de mundo do jornalista, o olhar que possui da realidade.

Há semelhanças entre o trabalho do historiador e o do jornalista, assim como diferenças – embora essas sejam claras na importância que damos aos documentos e aos diferentes critérios, sobretudo no que diz respeito à atualidade.

Foi o argentino Tomás Eloy Martínez quem disse que devemos:

‘Contar las historias de la vida real con asombro y plena entrega del ser, con la obsesión por el dato justo y la paciencia de investigadores. El periodismo no es un circo para exhibirse, sino un instrumento para pensar, para creer, para ayudar al hombre en su eterno combate por una vida más digna y menos injusta.’

Por tudo isso, História e Jornalismo tendem a convergir. Ambos têm ligações em comum, na forma de trabalhar e na ânsia por conhecer, contar e explicar. A reportagem será boa se o jornalista compreender a História e mergulhar nesse conhecimento. É a qualidade com substância, analisando a conjuntura. Como nos ensina Adelmo Genro Filho em O Segredo da Pirâmide, temos que, no singular, aspirar ao universal. Além da História, o Jornalismo ganha em conteúdo quando mescla suas técnicas com a Sociologia, Antropologia, Filosofia, Literatura.

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Estudante do segundo ano de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC