Coisa de jornalista antiga, dos tempos em que se podia ‘brincar’ na crônica e exercer a seriedade no artigo. Do jeito de ser um pouco à la Stanislaw Ponte Preta e perseguir a informação útil de um Castelinho, era uma época áurea da verdade como instrumento de trabalho, e não das idéias condutoras de sonhos de LSD – loucas suposições dioguianas.
Foi o que li na coluna ‘A agenda de Dirceu’ (ver abaixo), assinada por um rapaz que se auto-referenda, no próprio artigo, como um homem sortudo.
Menos, Mainardi, menos… Digamos que ter acesso a uma agenda de alguém, seja político, empresário, jornalista, traficante ou até Bruna Surfistinha, não garante a ninguém a certeza de nada. Em agendas, se anota possibilidades, nomes, telefones, viagens que nem se concretizam, providências que podem ou não serem tomadas, idas a médicos adiadas, marcações de reuniões que não acontecem jamais.
Quando se lê na agenda de um profissional da imprensa os números do Bush, não significa que lhe seja amigo íntimo, mas sim, que talvez, algum dia, quem sabe, passando pelas bandas do Capitólio, o atento ‘coleguinha’ ligará para a Casa Branca e se informará do que acontece por lá.
A má intenção do jornalismo
Vi que o novelista Diogo, que se assinou ‘pistoleiro’, enriqueceu-se de venenoso encanto para uma serpente magricela. Nada a declarar sobre o conteúdo de alguma agenda a que eu tivesse acesso, a não ser que eu pertencesse ao quadro dos investigadores policiais e tivesse acesso a muito mais, para cruzamento de dados, estabelecimento de indícios realmente consistentes e, finalmente, acesso a provas irrefutáveis de qualquer delito grave passível de julgamento a posteriori.
O que li no tal artigo me fez seguir o raciocínio do astuto jornalista vejaniano e imaginei que se eu recebesse a agenda de Mainardi talvez lesse nomes de fontes fidedignas e delas extraísse conclusões horrorosas. Poderiam ser puras mentiras ou extensas verdades, ligações feitas para escritórios de políticos inimigos de outros que eu, ilusoriamente, classificaria como sendo seus protetores.
Talvez eu visse anotações que indicassem idas a alguma terma suspeita de prostituição, quando na verdade ali fosse o ponto de encontro de uma negociação de espaço para um texto explicativo que, ao ser publicado, se transformasse numa ‘bomba’ de efeito retardado, do tipo detonável à distância.
Ora, o que eu penso sobre acesso a agendas é o mesmo que eu penso sobre ter ouvido um dia de um grande psiquiatra, já falecido, dr. Heitor Péres, que o inconsciente é tão traidor que faz de potenciais açougueiros, medíocres ortopedistas, ou de profícuos investigadores
policiais, apuradores de notícias falsas, ou ainda, de novelistas fadados ao sucesso, pequenos tecelões de capítulos de histórias sem pé e sem cabeça, mas que talvez, dependendo do contexto, alimentem mal o imaginário popular, ou sirvam, quem sabe, para a projeção do futuro novelista das oito.Fico com o grande Lupicínio: ‘O pensamento parece uma coisa à-toa, mas como é que a gente voa, quando começa a pensar’. E faço votos para que a justiça seja feita com uma agenda realmente merecedora de crédito, a da lisura que bane a má intenção do jornalismo brasileiro.
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A agenda de Dirceu
Diogo Mainardi # copyright Veja nº 2022, de 22/8/2007
Recebi uma agenda de telefones de José Dirceu. Passei os últimos dias bisbilhotando-a, checando nomes, analisando datas, conferindo números. Sou um rapaz sortudo. A agenda surgiu num momento oportuno. Nesta semana, o STF tem de decidir se aceita a denúncia contra os mensaleiros. O procurador-geral da República declarou que pretende reunir mais provas contra os acusados. A agenda de Dirceu, que entregarei a ele, pode ajudá-lo a cruzar alguns dados.
A agenda está incompleta. Lista nomes de A a J. Era usada pelas secretárias de Dirceu na Casa Civil. O bom é que, além dos números de telefone, foram anotados alguns recados de seus interlocutores. Os recados se referem à primeira metade de 2003. Naquele período, o esquema de pagamento ilegal aos deputados ainda era muito incipiente. O principal empenho de Dirceu e seus homens era aparelhar a máquina estatal com parentes e amigos, como sua mulher, Maria Rita Garcia. Em 7/3/2003, o tucano Arnaldo Madeira telefonou para avisar que já atendera ao pedido de Dirceu, transferindo Maria Rita de um cargo concursado no governo paulista para um comissionado em Brasília, com relativo aumento salarial.
Na agenda de Dirceu, há 35 recados de seu amigo do peito, o advogado Kakay (tel: XXX9292, XXXX5050). Há alguns muito claros: ‘Precisa falar pessoalmente antes do compromisso’. Há outros mais enigmáticos: ‘Assunto: Marconi – OK’. Em certos casos, Kakay aparece cuidando dos encontros de trabalho de Dirceu: ‘Avisa que a reunião ficou marcada para 22:15’. Em outros, ele parece se intrometer em matérias do governo, como num recado de 31/3/2003: ‘Lembrar: circuito IRB e ligação p/ Dep. Eunício Oliveira’. Sabe-se que o IRB foi uma das fontes de financiamento dos mensaleiros. Sabe-se também que uma assessora de Eunício Oliveira foi acusada de sacar dinheiro da conta de Marcos Valério, no Banco Rural.
A agenda tem 27 recados de Bob Marques (XXXX3241, XXXX2228). Dirceu já o chamou de ‘assessor informal’. Depois o definiu apenas como ‘amigo’. Isso aconteceu quando o questionaram acerca de um saque no valerioduto em nome de Roberto Marques. Aparentemente, um dos papéis do amigo era intermediar o relacionamento de Dirceu com sua ex-mulher, Ângela Saragoça. Em 29/4/2003, Bob Marques passou o seguinte recado ao chefe: ‘Avisa que hoje deu tudo certo c/ a Ângela’. Naquele mesmo dia, Dirceu ligou para ela. Bob Marques voltou ao assunto em 19/5/2003. Muita gente já deve ter esquecido, mas Marcos Valério ajudou a ex-mulher de Dirceu a arrumar um emprego no BMG e um empréstimo no Banco Rural.
Outro recado de Bob Marques que merece destaque é de 15/4/2003. Diz: ‘Sobre viagem do Gaspar a Cuba – assunto Cervantes’. Só pode se tratar de Sérgio Cervantes (XXXX1629), o cubano que, segundo assessores de Antonio Palocci, entregou ao PT uma mala cheia de dólares. Nunca se soube quem teria doado o dinheiro. Uma pista é o tal Gaspar, cuja viagem a Cuba foi programada por Dirceu e Bob Marques. O único Gaspar que consta da agenda é Luiz Gaspar (XXXX1906, XXXX2019), um companheiro de Dirceu dos tempos da luta armada. Durante o regime militar, ele se refugiou em Cuba e montou uma empreiteira. Em 2001, foi apresentado ao empresário Mario Garnero e se associou a ele num projeto para construir hotéis em Cuba, com uma promessa de empréstimo do BNDES. Os dólares poderiam ter sido doados por um empresário com interesses na terra de Fidel Castro?
É o que o pistoleiro Diogo tinha a dizer.
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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ