Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Imprensa europeia não destaca o avanço da direita na Hungria

Ela já pediu desculpas duas vezes. Por duas vezes foi desacreditada. No dia 12 deste mês o ‘Estadão’ publicou a segunda explicação e as novas desculpas da ex-câmera da TV húngara que agrediu crianças durante um tumulto envolvendo refugiados do Oriente Médio em Röszke, perto da fronteira com a Sérvia no início do mês de setembro. O comportamento da ex-profissional Petra Lázló, 40 anos, demitida de forma sumária da H1TV (a pequena rede de TV para qual trabalhava), chamou atenção para o problema da rejeição aos expatriados em algumas partes da Europa do Leste.

A Hungria, com seus partidos Fidesz (direita), e Jobbik (extrema direita), vem enganando o resto da Europa e nunca aderiu de verdade a “Carta de diretos fundamentais da União Européia”, como prometeu ao ingressar na zona do Euro em 2004. Em 2013, a BBC (11/3) soou o alarme sobre perigosas mudanças de rumo na política húngara. O partido no poder (Fidesz – “União Cívica Húngara”) anunciou medidas que o afastavam da democracia e imobilizavam o Judiciário húngaro. Poucos comentaram o assunto. E ninguém fez nada par deter os desvios anunciados da democracia representativa na Hungria.

Em parceria com os democratas cristãos da direita desde 2010, o partido governante Fidesz conseguiu impor suas pautas reacionárias ao país sem oposição. As liberdades civis foram postas em cheque por emendas como a que previa a aceitação de estrangeiros para trabalhar ou estudar no país, desde que fossem heterossexuais e membros de famílias conservadoras. Homossexuais foram afastados sem contestação. Juízes liberais foram aposentados de forma compulsória, tudo em nome do combate a herança comunista. Na Hungria, o executivo ‘engoliu’ o judiciário e silenciou o debate político do país. O mundo não disse nada. A imprensa européia foi omissa, em grande maioria.

Em pouco tempo o regime mudou suas propostas políticas originais e afastou-se da ideologia liberal-democrata. Exibiu sem pudor suas verdadeiras cores da direita conservadora. E continuou a perder lugar para o ainda mais radical partido Jobbik, como informou a Economist (18/4). O partido é um opositor da direita para a direita atualmente no poder. E continua a crescer graças a uma máquina de propaganda política muito eficiente. A aproximação do Fidesz com a Rússia, a corrupção de seus líderes e a falta de propostas concretas de governo abrem espaço para a subida da direita mais radical no país. A Hungria é um país dividido entre a direita e a extrema-direita. A esquerda perdeu sua voz no país graças a um discurso antigo e falta de novas idéias. Naufragou em um mar de cansaço político e divisões internas, apôs a revista inglesa.

Uma pesquisa húngara publicada pela publicação britânica mostrou que o Fidesz tem 24% de suporte popular, os socialistas 11% e o Jobbik 15%. O governo do partido finge ser democrático. Baniu a Guarda Magiar, que desfilava ameaçadora em uniforme negro por bairros ciganos de Budapeste. Reprimiu o discurso racista, mas não pode mais ser reconhecido como um partido democrático. O partido do primeiro-ministro Viktor Orbán promete estabelecer limites a extrema-direita apenas para enganar o resto da Europa. O partido vem cedendo lugares ao Jobbik e parece não haver nada que impeça o crescimento da direita delirante da Hungria.

 O New York Times (12/9) entendeu bem a situação, fez as melhores entrevistas e apresentou gráficos detalhados da situação. Atualizou a discussão a partir da derrocada do comunismo na Europa do Leste. Penetrou fundo nas razões da rejeição agressiva aos imigrantes e refugiados em vários países do centro da Europa. Pobreza, falta de oportunidades para a população, provincianismo, racismo e xenofobia são comuns não só na Hungria mas em todos os países do Leste da Europa, informou o Times.

O jornal norte-americano trouxe de volta a fala de Lech Walesa, ex-líder sindical e ex-presidente da Polônia (1990-1995). Outro país xenófobo e preconceituoso do centro da Europa. O diário nova-iorquino publicou declaração do ex-lider polonês em entrevista:

“As pessoas devem lembrar-se que a Polônia fez a transição do comunismo em apenas 25 anos. Nossos salários e casas ainda são menores que no Ocidente. Muita gente aqui não acredita que tenha nada a compartilhar com migrantes. Especialmente quando vêem que os migrantes estão com freqüência bem vestidos, algumas vezes melhor que muitos poloneses”.

Eu não esperava uma declaração como essa de Lech Walesa. Soou mesquinha e parcial. A Polônia é outro centro de xenofobia e preconceito na Europa Oriental. Mas não se compara a Hungria. Que marcha rápido em direção ao autoritarismo com o apoio de seu povo e dos partidos Fidesz e Jobbik. Na Hungria, a direita governa com a extrema direita na oposição. Seu presidente, Viktor Orbán, é um velhaco reacionário que não vê espaço para compaixão na Europa. O The New York Times deixou claro que ele vê a situação dos refugiados sírios e de outras partes do Oriente Médio como “uma ameaça aos valores cristãos do país”.

Na hora em que o mundo deveria acordar para o que acontece na Hungria, infelizmente ainda existem muitos sinais que o resto do planeta não se importa com o que acontece no país e na Europa do Leste. Os países do ocidente europeu querem a região dentro da União Europeia para estancar a influência expansionista russa na região. Os russos, por sua vez, sentem-se ameaçados com a União Europeia cada vez mais próxima da área que sempre controlou até a derrubada dos regimes comunistas do centro da Europa. A confrontação geopolítica na área gira em torno de uma disputa por ampliação de áreas de influência e nada mais. O desinteresse em aprofundar o conhecimento do que está a acontecer na região vai custar caro a Europa ocidental.

Com o resto do mundo alheio e indiferente, a extrema-direita avança na Hungria. Que continua seu teatro que não engana mais ninguém. Com exceção de algumas publicações, a maioria de língua inglesa, a imprensa pouco comenta a situação perigosa da Hungria. Um grande número e publicações de qualidade nos países da Europa Ocidental e seus aliados, até o inicio da crise dos migrantes explodir, não havia aprofundado em densidade necessária o debate sobre o que acontece do centro da Europa, em especial na Hungria. Agora tudo mudou.

A emergência ao acolhimento a milhares de refugiado e a má recepção deles no país de Viktor Orbán trouxeram ao público a constatação da necessidade de informação mais detalhada e densa sobre a situação política precária da Hungria em termos do desenvolvimento de instituições democráticas depois do fim do regime comunista. O conservadorismo extremo hoje prevalece entre o povo magiar. Pode ser tarde para reverter o antissemitismo, a xenofobia, e a ascensão da extrema-direita no país.

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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em planejamento urbano, consultor e tradutor.