Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O dilema de uma imagem

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Tânia Alves / Ombudsman O Povo/ Ceará

Ele tinha as mesmas roupas e sapatos dos nossos filhos pequenos. Ele “dormia” na areia feito menino em berço. Os pais o tinham arrumado, calçado seus sapatos. Fugindo da guerra da Síria, a família esperava chegar a terra firme, buscando uma vida com menos atropelos na Europa e depois no Canadá. A vida de Aylan Kurdi, de 3 anos, do seu irmão Galip, de 5 anos, e da mãe Rehan, parou na beira de uma praia na Turquia. A fotografia do corpo de Aylan estendido próximo às ondas, com sua camisa vermelha, virou dilema para jornalistas do mundo. Publicar ou não a foto na capa dos jornais? Poderia aparentar sensacionalismo. Não foi fácil a decisão nem unânime.

Muitos jornais optaram pelo sim, justificando a opção em texto. O POVO preferiu as páginas internas da editoria Mundo para mostrar a imagem. Diante da dúvida, o portal Uol foi um dos que explicaram ao publicar a foto: “O jornalismo existe para informar. E palavras não descreveriam com a força necessária a dimensão da tragédia em curso na Europa e Oriente Médio. Não nos compete suavizar a realidade, mas sim retratá-la com precisão”.

A fotografia correu o mundo e causou comoção. A decisão de publicá-la foi acertada. A criança tinha morrido afogada fugindo de uma guerra. E as guerras são feias e desumanas como a imagem. É papel social da imprensa a denúncia. E a foto do menino sírio é um daqueles momentos que carregam os jornais de volta ao seu papel social.

Pode ser que pela morte exposta de Aylan, a vida dos refugiados passe a ser menos dura. Talvez ajude a mudar a opinião pública sobre o drama dos que são obrigados a fugir. É provável que as autoridades busquem saídas para a situação humanitária. Mas também pode ser que continue do mesmo jeito. No entanto, ao optar por publicar a foto da criança, o jornalismo chocou e suscitou debates, mas não fugiu da sua missão.

SEM NOME E SOBRENOME

Na semana passada, em dois dias, segunda e terça-feira, O POVO publicou, na editoria Cotidiano, notícia de uma chacina registrada no bairro Jardim das Oliveiras sem que as vítimas fossem devidamente identificadas. Elas não tinham nome nem sobrenome. Informava-se apenas que eram cinco. Nos textos, elas viraram estatísticas. E só. Quando pessoas são mortas violentamente e a história delas vai parar nas páginas do jornal sem nome e sobrenome, alguma coisa está errada. Em comentário interno, relatei o incômodo.

Citado para responder à questão, o editor-executivo do Núcleo Cotidiano, Érico Firmo, aponta a falta de espaço como dificuldade para anotar os nomes. “Eles (nomes) foram incluídos no online, mas acabaram ficando fora do impresso. Talvez fosse o caso de ter priorizado essa informação às demais. E, certamente, teria sido o caso de recuperar a informação no desdobramento, no dia seguinte.”

Falta de espaço sempre será uma questão a ser enfrentada por repórteres e editores, mas não justifica que uma informação tão importante seja deixada de fora. Para além da questão técnica, é como se a vida delas fosse desprovida de valor. Este não deve ser o jornalismo praticado pelo O POVO. Por aqui, as pessoas devem carregar nome e sobrenome.