Para o Facebook, imagens de tradições indígenas brasileiras se equiparam à pornografia. A nota Flechas Cibernéticas, veiculada na edição 392 do semanário Brasília Capital, foi ilustrada na versão digital da coluna Brasília, por Chico Sant’Anna com uma foto do conceituado fotógrafo Orlando Brito, retratando o Huka-Huka, durante os festejos do Quarup, na região do Xingu.
Milenarmente, é por meio do Huka-Huka — que se assemelha à luta greco-romana — que a virilidade dos jovens guerreiros é testada. Eles trajam apenas, uma tanga — não muito diferente das usadas pelos lutadores do sumô japonês. Compartilhada na rede social, os algoritmos utilizados pelo Facebook bloquearam a veiculação da nota por considerar que ela “viola os padrões de nudez e atividade sexual”.
Um pedido de reexame foi formulado e o Facebook destacou um membro de sua equipe para a tarefa. Mesmo com a análise personalizada, foi mantida a censura das imagens dos indígenas: pois, na visão do perito, “não segue os padrões de nudez e atividade sexual e ninguém mais pode ver esta publicação”. Sentenciou o censor.
É curiosa a eficiência do Facebook que é capaz de censurar em frações de segundos a imagem de um índio com tanga, mas não consegue identificar os emissores de fake news, que no Brasil, Estados Unidos e outros países se multiplicam em períodos eleitorais.
Esse episódio, mais do que demonstrar ignorância por parte das máquinas e dos homens do Facebook, demonstra o perigo em que a sociedade se depara quanto à garantia do livre fluxo de informações e imagens.
Hoje é a silhueta de um índio que é censurada por uma empresa, cujos propósitos políticos e econômicos quase ninguém sabe. E amanhã? O que os algoritmos ou quem estiver por de trás deles irão bloquear? A liberdade de expressão está consignada na maioria das constituições das nações e também na Carta dos Direitos Humanos da ONU que acaba de completar 70 anos. Quando é que impérios econômicos, como esse do senhor Mark Zuckberg, serão mais transparentes e mais respeitosos com os direitos de cada um de seus usuários?
**
Chico Sant’Anna é jornalista e pesquisador em Comunicação, com doutorado em Ciências da Informação e Comunicação pela Universidade de Rennes 1, na França.