A América Latina rememorou a poucos dias neste mês de setembro a figura emblemática de Salvador Allende, o presidente eleito democraticamente e que foi assassinado no golpe militar truculento no Chile em 11 de setembro de 1973. Na América do Norte e na Europa, o vento da lembrança sopra de forma seletiva e percorre correntes da esquerda e aquelas das gerações que testemunharam o crime democrático cometido nesta data em 1973 em Santiago no Chile.
As autoridades chilenas organizaram, não sem controvérsia, uma ampla gama de eventos comemorativos. Um dos destaques foi uma reunião internacional no palácio presidencial de La Moneda, com a presença de vários chefes de estado atuais e antigos, que foram convidados a assinar um apelo democrático. Várias figuras proeminentes também foram convidadas. O primeiro-ministro português, Antonio Costa, respondeu imediatamente que estaria presente no ato. Seus colegas alemães, espanhóis, franceses e italianos também confirmaram o envio de representantes. A cúpula do G20 na Índia impôs-se como prioridade para alguns chefes de estado, entre eles o presidente brasileiro que não estiveram presentes na cerimônia. A ausência do Brasil explica-se por que a Índia, sede do G20, é uma importante parceira, além de, nesta rodada, ter sido o Brasil o país que deveria assumir a presidência dessa instituição econômica intergovernamental cujo encontro se deu em Nova Delhi.
Apesar dessa ausência, outros magistrados latino-americanos estavam presentes. O vizinho argentino Alberto Fernández e, mais surpreendentemente, Andrés Manuel López Obrador, do México, e que preside o país asteca até dezembro de 2024. É claro que AMLO afirma ser progressista. Recentemente, ele relembrou como viveu as consequências do 11 de setembro de 1973 quando era estudante. “Eu tinha acabado de ler, disse ele recentemente, o livro O Estado e a Revolução, um livro de Lênin que condenava qualquer movimento eleitoral em direção ao socialismo como um beco sem saída. Allende fez a aposta oposta. Ele a manteve até o fim e merece nossa admiração”. Da mesma forma, AMLO acrescentou, ainda que em um contexto diferente, Francisco Madero, no México, caiu justamente por ter tentado virar a página da ditadura de Porfirio Diaz de forma pacífica e democrática. Em 8 de setembro de 2023, apenas alguns dias antes de sua chegada ao Chile, o presidente mexicano fez uma parada na Colômbia, em Cali, para se encontrar com seu colega Gustavo Petro, que também participaria deste Encontro Democrático em Santiago, na segunda-feira, 11 de setembro. Este evento dedicado à memória de Allende não nos exige também olhar para outra direção?
Não apenas é plausível como também necessário olharmos para a Aliança do Pacífico. Com Joe Biden nos bastidores, México, Colômbia e Chile são todos membros dessa Aliança. Essa organização foi criada em 2012 para contrabalançar a UNASUL e a ALBA e, assim como os Estados Unidos, a União Europeia e o T-MEC (Tratado Comercial entre México, Estados Unidos e Canadá), baseia-se nos princípios da economia de mercado e do livre comércio. Atualmente, México, Colômbia e Chile são liderados por chefes de estado progressistas. Todos os três, no entanto, em suas respectivas gestões, estão limitados pelos fundamentos e determinações econômicos herdados da ditadura de Pinochet no caso do Chile, do contexto da longa guerra interna na Colômbia e da vizinhança contratual com os Estados Unidos no caso do México. Todos os três estão tentando encontrar uma saída para essa contradição. Eles se mantêm na Aliança do Pacífico para aumentar suas chances e poder de influência em uma competição amigável com os Estados Unidos.
Poucos dias antes da reunião em Cali, Gustavo Petro viajou para a Costa Rica para convencer o chefe de estado do país a aderir à Aliança. AMLO fez uma abordagem semelhante com o presidente de Honduras. Não há dúvida de que a ausência de Lula em Santiago ajudará a consolidar essa abordagem. O México foi deixado de fora da Conferência de Integração organizada em Brasília em 30 de maio de 2023. Gabriel Boric, que participou da cúpula, se distanciou de Lula na questão dos direitos humanos implicada pela situação da Venezuela, Nicarágua e Cuba.
O México e a Colômbia também compartilham o desafio de reduzir a economia das drogas e a insegurança nesses países, de acordo com Washington. AMLO e Petro tiveram muitas conversas sobre esse assunto desde que este último chegou ao poder. Eles consideram que as políticas essencialmente repressivas praticadas durante décadas fracassaram. Eles defendem uma abordagem permissiva que removeria as bases do mercado de drogas. Em Cali, eles poderiam anunciar uma iniciativa importante, a de convidar todos os países latino-americanos para uma conferência internacional para discutir essa questão. Não está fora de cogitação que isso possa ser discutido em Santiago em 11 de setembro.
Em 7 de julho, após várias reuniões entre Petro, AMLO e Biden, Alvaro Leyva, Ministro das Relações Exteriores da Colômbia, e Alicia Barcena, sua colega mexicana e ex-diretora da CEPAL em Santiago do Chile, anunciaram que seus respectivos países estavam aderindo à iniciativa dos EUA de criar uma coalizão global contra as drogas sintéticas. Desde então, dez outros países latino-americanos aderiram à iniciativa, juntamente com treze membros da União Europeia, seis africanos, nove asiáticos, Armênia e Israel. Em 12 de julho, os Estados Unidos suspenderam seus procedimentos de monitoramento da política colombiana e do tráfico de drogas.
Notas
Texto publicado originalmente em francês, em 08 de setembro de 2023, no site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original “Septembre 2023: Mois de l’Alliance du Pacifique?”. Disponível em: https://www.espaces-latinos.org/archives/114591. Tradução de Andrei Cezar da Silva e Luzmara Curcino.
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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura, ambos da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos.