Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A cobertura da Amazônia refém dos grandes portais

A imagem impactante da seca que castiga a Região Amazônica, os povos da floresta, população ribeirinha e núcleos urbanos (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).

Foi durante uma conferência sobre tecnologias amazônidas que fui instigada a pensar no tema: de que modo os algoritmos contribuem com nossa percepção sobre a Floresta Amazônica? Será que as fotos sobre um grande deserto verde, é fruto de pura recomendação de imagens mais visualizadas ou estão relacionadas com uma visão colonial de quem produz e faz a manutenção algorítmica? A professora Thiane Neves, natural de Belém, nos alerta: não é por acaso (a conferência ilustra com exemplos cotidianos e vale cada minuto).

Assim, trazendo para o contexto do jornalismo, comecei a indagar: quais informações estamos consumindo sobre as mudanças climáticas em nosso maior bioma, que passou por uma ostensiva devastação que gera consequências não só para os cidadãos e povos da região Norte, mas de todo o Brasil e, quiçá, do mundo todo?

Uma pesquisa por “seca no Amazonas” e voilà: na primeira página, nenhum jornal local: toda a visão sobre a Amazônia vem de fora.

Grandes portais apresentam fotos trágicas da seca, entrevistam cientistas, que tentam explicar as causas do que já vem sido dito há anos sobre as mudanças climáticas, ou fontes oficiais, que se prontificam a enumerar as medidas emergenciais que estão sendo tomadas para ajudar os assolados pelo evento climático.

Não parece contraditório que a maior parte da população brasileira se informa sobre a crise climática na Amazônia por grandes veículos que são financiados, via mídia publicitária, por mercados intrinsecamente envolvidos com o colapso ambiental?

Do agro-pop às mineradoras, passando pelas indústrias automotivas e da construção civil, o que não faltam são envolvidos até o pescoço com a emergência climática e à Amazônia restam notícias cujo valor está no ineditismo, no trágico ou no inusitado. Porém, sem a profundidade e a contextualização que o jornalismo preconiza buscar.

Ok, podemos ponderar que os resultados apresentados têm alguma relação com a “autoridade” do domínio – as regras de SEO devem ter algo que possa explicar. Por outro lado, há que se considerar que algoritmos podem ser programados para privilegiar determinados resultados em detrimento de outros, logo uma regra que favorece a cobertura mais próxima e o jornalismo ambiental socialmente responsável é possível e urgente.

Como o colega Marco Brito pontuou em texto recente sobre as mudanças climáticas em Florianópolis: a emergência global pede atitudes locais. O próximo passo seria, naturalmente, o acesso facilitado a estas informações para o público.

Atlas da Notícia apresenta resultados promissores

É animador que as iniciativas locais vêm se destacando no mercado jornalístico, empregando mais, ganhando mais prêmios, sendo de fato relevante. Amazônia Real e Sumaúma são apenas dois exemplos de portais que têm destaque nacional.

Para somar, o Atlas da Notícia revela o aumento de veículos locais, resultando no encolhimento de desertos de notícias em 30% dos municípios da região Norte. A pesquisa nacional também destacou o envolvimento dos veículos da região com a cobertura socioambiental, evidenciando a potência do jornalismo local para divulgar a emergência climática de perto.

Por outro lado, é necessário reconhecer que não são suficientes para alcançar um público expressivo, porque os próprios algoritmos, que podem atuar como gatekeeper, dificultam o alcance para os leitores.

Para isso, os algoritmos de busca precisam reconsiderar critérios de autoridade: mais do que número de acessos, veículos jornalísticos locais e comprometidos com a cobertura das tragédias climáticas podem trazer informações contextualizadas, com acesso direto às fontes, suas subjetividades e impactos da maior tragédia climática que vem assolando a Floresta Amazônica.

Reportagem publicada originalmente em objETHOS

 

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Luiza Costa é
pesquisadora do objETHOS e doutoranda do PPGJOR/UFSC