Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Queimadas no Amazonas: também cabe ao jornalismo apurar responsabilidades

 

(Imagem: Camila Garce Idesam/Flickr)

Ciclonesenchentescalor recordeseca… Relatar as causas e consequências desses eventos climáticos extremos na vida da população tem sido desafiador para jornalistas brasileiros. É possível observar que a sobreposição de emergências afeta diretamente a cobertura: a imprensa nacional não tem dado a merecida atenção às queimadas que assolam a região metropolitana de Manaus pelo menos desde setembro.

É verdade que o assunto esteve em pauta em grandes portais como FolhaValor e g1 especialmente entre os dias 11 e 13 de outubro, período em que a qualidade do ar em Manaus se tornou uma das piores do mundo. A cobertura desses veículos inclui fontes da ciência para explicar como os efeitos do fenômeno El Niño e a degradação ambiental contribuem para que a cidade seja tomada por fumaça, vinda sobretudo de focos no município de Autazes e nas adjacências da BR-319, que liga Manaus e Porto Velho. Também são ouvidas fontes oficiais, que explicam onde estão os principais focos de queimadas e quais providências que estão sendo tomadas, como a prisão de suspeitos de atear fogo em áreas de floresta.

As matérias publicadas na última semana carecem, porém, de alguma apuração própria desses veículos no local dos fatos. Diante de outro gravíssimo acontecimento que atinge o estado – a seca histórica de rios amazônicos – e de pautas igualmente urgentes de outras editorias – como a guerra entre Israel e Hamas –, há o risco de as atenções se dividirem e o tema sumir do noticiário assim que a fumaça se dissipar e o problema parecer controlado. É interessante lembrar que, em agosto de 2019, bastou que uma nuvem cinza encobrisse o céu de São Paulo para que as queimadas na Amazônia tomassem o noticiário nacional e a ação apelidada de “dia do fogo”, apurada primeiramente pelo jornal paraense Folha do Progresso, ganhasse repercussão em todo o país.

Leitores de todo o país certamente podem contar com a cobertura qualificada de veículos locais. Ainda em julho, reportagem de Amazônia Real apontava a previsão de cientistas sobre o aumento dos focos de queimadas no maior bioma do Brasil durante o ápice da estação seca – justamente o mês de outubro. Alerta semelhante foi realizado por Vocativo em 8 de setembro, que destacou a possibilidade de piora da fumaça que já tomava Manaus naquele momento. Mais recentemente, Vocativo repercutiu a coletiva de Marina Silva em Manaus no dia 13 de outubro, em que a ministra destacou a origem criminosa dos incêndios. Amazônia Real, por sua vez, está em campo para destacar os prejuízos diretos das queimadas à saúde pública.

Apesar do árduo trabalho dos veículos independentes na abordagem das causas e consequências, urge que, em um evento com essa gravidade, os gestores de veículos que se apresentam como nacionais – e possuem estrutura e financiamento condizentes com tal pretensão – mobilizem ampla base de correspondentes ou repórteres freelancers locais para reforçar a investigação jornalística. A sociedade precisa conhecer os CPFs e CNPJs envolvidos na destruição para lhes atribuir as devidas responsabilidades – e o jornalismo é essencial para que essas e outras informações de interesse público venham à tona. Afinal, como falar de solução para crise ambiental sem haver conhecimento sobre a origem dos problemas?

Reportagem publicada originalmente em Observatório de Jornalismo Ambiental

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Débora Gallas é jornalista, doutora em Comunicação e Informação, integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).