A Colômbia trocou de presidente no dia 7 de agosto. Gustavo Petro substituiu Iván Duque. Será que um outro modelo de política – e, em particular, um outro modelo de política externa –, está prestes a ser posto em prática? A priori, sim, caso levemos em consideração as aparentes preferências ideológicas de um e de outro. Iván Duque, filiado ao partido “Centro Democrático”, é um homem de direita. Gustavo Petro sempre foi de esquerda.
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Gustavo Petro foi eleito em junho de 2022 sob as cores da coligação “Pacto Histórico”. A alternância de siglas anuncia também certas mudanças de curso, internas e externas. Seu escopo, no entanto, ainda carece ser mapeado, especialmente no que diz respeito a sua política externa. Esta é uma alternância inédita na Colômbia e como tal demanda um exame mais atento que aquele que se pode empreender a propósito do Chile ou da Argentina, e até mesmo em relação ao México.
Quais seriam, então, as razões desse particularismo colombiano? Muitas.
Em primeiro lugar, a Colômbia nunca experimentou uma alternância à esquerda. A votação de 2022 é, nesse sentido, sem precedentes. Nesse ínterim, o que se nomeou convenientemente como primeira onda da esquerda latino-americana concerniu diversos países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Nicarágua, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Outros despontaram mais cedo, outros um pouco mais tarde, como a Costa Rica, México, Panamá e Peru. Esses países estabeleceram entre si uma série de iniciativas diplomáticas comuns, com exceção da Colômbia, que se manteve afastada, na direita.
Em segundo lugar, a Colômbia, a partir da década de 1920, vinculou a sua política externa àquela dos Estados Unidos. A perda do território que hoje conhecemos como o país Panamá, em 1903, foi encorajada e facilitada por Washington. Marco Fidel Suárez, Ministro das Relações Exteriores, depois Presidente da República da Colômbia, aprendeu uma cara lição no processo: a Colômbia não deve se opor aos desígnios dos Estados Unidos. A desobediência ao princípio lhe sairia caro demais. Por isso ele teorizou a necessidade dessa submissão voluntária, estabeleceu-a como princípio que, desde então, se fez seguir à risca por todos os seus sucessores, o que veio a configurar um dos valores que mais tradicionalmente orientam a diplomacia colombiana: “Respice Polum”, sigamos “a Estrela do Norte”, os Estados Unidos.
Dentre os países da América Latina, a Colômbia foi o único que se envolveu militarmente na Guerra da Coréia, entre 1951 e 1953. Seus conflitos internos com as várias guerrilhas de esquerda foi também integrado ao hall das batalhas da Guerra Fria. Os Estados Unidos lhes forneceram maciço amparo militar em diferentes ocasiões – Plano Lasso em 1964 e Plano Colômbia em 2002. Desde 2013, a Colômbia consolida uma política de cooperação com a OTAN sem precedentes no continente latino-americano. Ao mesmo tempo, defendeu a política de sanções implementada pelos Estados Unidos de Donald Trump sobre a Venezuela. As relações bilaterais entre Bogotá e Caracas foram suspensas em 2020. A Colômbia se tornou uma espécie de retaguarda da oposição radical da direita venezuelana e de sua emblemática personalidade, Juan Guaidó, deputado que se autoproclamou presidente, tendo sido “legitimado” por decisão de Washington, Paris, Londres, Madri e Berlim. Iván Duque, em conjunto com chileno Sebastián Piñera, encabeçaram o “reconhecimento” latino-americano de Juan Guaidó, inventando um órgão de apoio ao golpe, já em 2017, o chamado Grupo Lima.
Que política externa adotará Gustavo Petro?
A princípio, face à chegada de Gustavo Petro à presidência, toda essa política externa de submissão à Estrela Polar estaria posta em xeque. Mas em que medida? Com que intensidade? E, se imaginarmos que o mais provável é mesmo uma mudança e rompimento, em que sentido isso teria implicações hemisféricas? Para além da Colômbia, a nova onda progressista parece, até o momento, encapsular Bolívia, Chile, Honduras, México, Peru, Panamá e República Dominicana. A Colômbia de Gustavo Petro tem acenado com certa empatia a seus companheiros de viagem? Há pouco mais de dois meses de sua posse, quais lições nós podemos tirar das decisões inaugurais do mais novo anfitrião da “Casa de Nariño”?
Os efeitos concretos de suas primeiras decisões denotam uma efetiva ruptura com o passado. Até aqui, elas dizem respeito ao seu vizinho imediato, a Venezuela. As relações diplomáticas entre ambos estados foram oficialmente restabelecidas no dia 29 de agosto de 2022 – e a fronteira entre eles reaberta no dia 26 de setembro de 2022. Como consequência desta decisão, as interações aéreas, suspensas desde 2020, foram retomadas no dia 4 de outubro. A Colômbia não mais participa do Grupo Lima. Solicitou uma revisão na política de sanções. Recomendou que os presidentes da Venezuela e da Nicarágua voltem a integrar o sistema interamericano de direitos humanos.
Uma semana depois de assumir o cargo, Gustavo Petro se referiu a Juan Guaidó, o autoproclamado presidente da Venezuela, como “uma sombra irreal”. A Colômbia, na 52ª Assembleia Geral da OEA, no último 6 de outubro, votou a favor da resolução apresentada por onze países membros [1], solicitando a exclusão do representante designado pelo autoproclamado Presidente da Venezuela, Juan Guaidó. Como resultado desse reajuste diplomático bilateral, iniciou-se em Caracas, no dia 3 de outubro, um diálogo entre autoridades colombianas e guerrilheiros do ELN (Exército de Libertação Nacional).
Além disso, a nova diplomacia colombiana demonstrou uma prudente ambição associada a um desejo bastante realista de mudança. A prudência é compreensível. Problemas internos de diversas naturezas, déficits sociais, conflitos, insólitos apoios parlamentares, impõem por sobre a realidade imperiosa prioridade. O estado atual dos assuntos diplomáticos não permite grandes convulsões. A propósito da guerra europeia, entre a Rússia e a Ucrânia, Gustavo Petro, já durante a campanha eleitoral, deu o tom da toada. “O que você espera”, disse a um jornalista, “que a Colômbia faça para solucionar as coisas, tanto militarmente quanto diplomaticamente?”. No dia 3 de outubro de 2022, em Bogotá, já como Presidente, recebeu a visita do Secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken. O intercâmbio centrou-se, segundo o comunicado da imprensa, em novas abordagens de corresponsabilização na luta contra o consumo e o tráfico de drogas.
Resta ainda a possibilidade de coordenação junto a governos amigos como Chile, México e Venezuela. De fato, Gustavo Petro fez gestos claros em relação a alguns deles. Além da Venezuela, no dia 21 de setembro de 2022, quando em Nova York, sinalizou seu apoio ao projeto de diálogo entre a Rússia e a Ucrânia, apresentado pelo México à Assembleia Geral da ONU. Em troca, solicitou e obteve o apoio da OEA para o seu projeto de “paz total” na Colômbia. No dia 29 de agosto de 2022, participou de uma cúpula preparada pela CAN (Comunidade Andina de Nações), marcando a sua primeira viagem fora da Colômbia, com a intenção de pleitear o fortalecimento da instituição e de fortalecer, assim, o diálogo entre os latino-americanos.
O presidente colombiano enviou uma única mensagem aos líderes mundiais e aos Estados Unidos: que rompam com as políticas de drogas que vêm sendo praticadas há 40 anos. “O que é mais venenoso para os seres humanos? A Cocaína, o carvão ou o petróleo? […]
A guerra às drogas fracassou. […] as doenças sociais não podem ser curadas espalhando glifosato na floresta amazônica […]. Vocês invadiram a Ucrânia, o Iraque, a Líbia e a Síria por petróleo e gás – pretextos para a omissão em relação à crise climática […]. Convido toda a América Latina a pôr fim à guerra às drogas […], salvar a floresta amazônica, […] e dialogar em defesa da paz”. Essa proposta foi defendida pelo Ministro das Relações Exteriores da Colômbia, Alvaro Leyva, perante a 52ª Assembleia Geral da OEA.
O que vai acontecer a seguir? Depende de como as coisas se desenrolarem em casa. De qualquer forma, pode-se ver aí uma janela de oportunidade entreaberta, o que já ficou claro nos discursos e ações de Gustavo Preto: a defesa do meio ambiente. “Às vezes me pergunto”, escreveu ele em 2021, “que destino que a Colômbia merece? Na minha opinião, a resposta é dual: mais sabedoria e reequilíbrio em relação à natureza” [2].
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Notas
[1] Antígua e Barbuda; Bahamas; Barbados; Belize; Bolívia; Dominica; Granada; México; Santa Lúcia; São Vicente e Granadinas; Trindade e Tobago.
[2] PETRO, Gustavo. Una vida, muchas vidas. Bogotá, Planeta, 2021, p. 322.
* Texto publicado originalmente em francês, no dia 17 de outubro de 2022, na seção ‘Analyses’ do Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original “La Colombie de Gustavo Petro: portée diplomatique d’une alternance électorale et idéologique”. Disponível aqui. Tradução de Thiago Augusto C. Pereira e Luzmara Curcino.
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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura, ambos da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos.