Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O joker da direita colombiana para o segundo turno das eleições presidenciais de 19 de junho

(Foto: CNN Espanhol)

No domingo, 29 de maio, os Colombianos votaram no primeiro turno das eleições presidenciais no país. Todos, “tanto os sábios quanto os loucos” conforme a fábula de La Fontaine, ‘A menina e o jarro de leite”, esperavam do lado esquerdo, o lado do Pacto Histórico, Gustavo Petro, e do lado direito “o uribista” Federico Gutiérrez, do partido reformatado com o nome Equipo de Colombia. Um Blücher [1] inesperado, Rodolfo Fernández, da Liga contra a corrupção, embaralhou o jogo dos atores de uma batalha eleitoral que parecia já certa entre os dois primeiros. 

O candidato da direita saiu do páreo eleitoral já no primeiro turno, dada a falta de votos suficientes para continuar. O líder da esquerda, apesar de ter chegado à frente, pode estar prestes a perder a última rodada, cenário sonhado por muitos conservadores latino-americanos [2]. Para que “tudo fique como está, é preciso que tudo mude”, aparentemente, previu há mais de sessenta anos o príncipe de Salina, personagem do romance de Giuseppe Tomasi de Lampedusa, O Leopardo. A disputa não poderia parecer mais clara. A Colômbia iria viver no dia 29 de maio um confronto democrático e sem concessões entre uma direita de continuidade e uma esquerda de alternativa combativa. 

Federico Gutiérrez, chamado também de Fico por seus familiares e amigos, ex-prefeito de Medellín, estava neste confronto na condição de candidato herdeiro do atual governo, herança discutida moralmente, socialmente e politicamente, de Álvaro Uribe e Iván Duque. Ele foi apoiado nesta batalha pelas instituições mais tradicionais, os partidos Centro Democrático, Conservador e Liberal, Colômbia Possível, Vamos Pa’ Lante, País de Oportunidades, Partido da U, pelos ex-presidentes César Gaviria, Andrés Pastrana e o ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa

Gustavo Petro, igualmente ex-prefeito de Bogotá, após vários anos de disputas com os seus amigos políticos, conseguiu unir quase todos eles no que foi nomeado como Pacto Histórico: Colômbia humana, Força Cidadã, União Patriótica, Movimento Alternativo Indígena e Social, Autoridades Indígenas da Colômbia, Movimento Social e Político Levanta-te, Partido Comunista colombiano, Polo Democrático Alternativo, Liberais sem votos, Verdes pela mudança. A ativista ambiental, feminista e afro-colombiana Francia Márquez, entrou na chapa como vice-presidente. Graças aos movimentos de reinvindicações sociais, violentamente reprimidos pela polícia em 2021, e tendo obtido um resultado encorajador para a esquerda nas legislativas de 13 de março, Petro parecia imbatível. 

Na noite de 29 de maio, a cortina subiu e mostrou um cenário de campo eleitoral inesperado. Gustavo Petro e o Pacto histórico obtiveram um número de votos inédito para a esquerda colombiana: 8.500.000 votos, um pouco mais de 40 % dos votos válidos. Nas presidenciais de 2018, no segundo turno, 4.500.000 colombianos colocaram nas urnas seus votos a Petro. A direita no poder e o seu candidato ficaram muito atrás na disputa. Federico Gutiérrez obteve apenas pouco menos de 24% dos votos. As manifestações populares duramente reprimidas, as consequências sociais da crise sanitária, a perpetuação da violência, a aplicação tímida do que previam os acordos de paz com as FARC, levaram a isso. O mais inesperado nesse cenário foram os 28% de Rodolfo Hernandez. Com um partido praticamente não representado no congresso, não tendo participado das primárias da direita e da esquerda, ele figurava nas pesquisas… mas muito longe dos favoritos, com o percentual de 7% das intenções de voto. No entanto, Rodolfo Hernández conseguiu moldar uma candidatura guepardiana, aquela que propõe a mudança sem ruptura de fato, concreta e real. 

Sem passado partidário, ele conquistou em 2016 a prefeitura do município de Bucaramanga, grande cidade do leste colombiano. Como independente, ofereceu aos seus eleitores perspectivas de boa gestão financeira alimentadas pelo anúncio de uma luta frontal contra os corruptos. É essa bandeira que ele adotou nas eleições presidenciais de 2022. Rico empreendedor do ramo da construção, anunciou que não precisaria de dinheiro público como presidente. Como disse, não queria salário de chefe de Estado, nem carro oficial, nem palácio presidencial, que seria transformado em museu, nem cerimônia de posse, que aconteceria apenas em família na sua cidade natal. Os funcionários públicos, caso fosse eleito, teriam de apertar o cinto. Muitas embaixadas poderiam ser fechadas. A campanha presidencial de Rodolfo Hernández repisou esse seu compromisso de austeridade. Ela foi realizada sem comícios públicos, sem debates presidenciais na mídia – considerados inúteis e veículos de “ódio”. Diferentemente dos meios tradicionais, ela se valeu principalmente da difusão de mensagens simples – simplistas, segundo seus adversários – transmitidas por telefonia celular (WhatsApp) e redes sociais, em particular Tik Tok, Instagram e Twitter, sem preocupação de transmitir um discurso e propostas coerentes. Como esclareceu o seu assessor de comunicação, o objetivo dessas decisões de campanha é mais o de transmitir uma emoção, “chave de uma campanha vitoriosa” [3]. 

Esta emoção coletiva, repetida infinitamente nas redes sociais, assumiu a dimensão de uma evidência coletiva. Foi assim, disse ele ao jornal diário o espanhol El País, que eu conquistei Bucaramanga. “Fiz tudo dentro de um apartamento, através das redes sociais, sem reuniões, sem cartazes, sem televisão, sem rádio […], sem dinheiro”, enquanto na “Colômbia e na América Latina as eleições não passam de uma questão de dinheiro[4]. Calculados lucos e prejuízos, a direita colombiana convocou seus eleitores a votarem em Hernández. O Estado mínimo que ele propõe lhes convém a contento, assim como os seus projetos sociais, que não se assentam em nenhuma proposta de reforma fiscal e menos ainda em nacionalizações, mas meramente em recursos hipotéticos que derivariam da condenação de indivíduos corruptos. Além disso, sem um grupo parlamentar, ele só poderia governar com o apoio dos deputados da direita. Federico Gutiérrez convidou, portanto, os seus eleitores do primeiro turno, ou seja, cerca de 24% dos votantes, a reportarem-se em 19 de junho a Rodolfo Hernández e os seus 28%. Conclusão tirada em 1º de junho por Sandra Botero, na revista Nova Sociedade, “Gustavo Petro precisa contar com um milagre”. Tendo obtido 40% dos votos no primeiro turno, ele não tem reservas, a não ser imaginar um aumento da participação de eleitores dos meios populares. Sem debates públicos, já que seu adversário se negou a participar de todos eles, Petro não poderá fazer a diferença nos aparelhos de televisão e de rádio. 

Essa reviravolta inesperada das eleições presidenciais colombianas deu esperança às direitas latino-americanas. A perspectiva de uma aparente mudança sem mudança real fornece algumas ideias às forças conservadoras do Brasil. Eles buscam há vários meses descartar a hipótese de uma presidência de Lula, considerada muito progressista, e que impediria a perpetuação de Jair Bolsonaro e da sua extrema-direita no poder. O cenário colombiano é exemplo suficiente da busca desesperada dos conservadores, até agora infrutífera, por um candidato de terceira via, procurado com um nervosismo crescente pelo “establishment” econômico, financeiro e social. Se Lula concordasse, a fim de garantir a sua vitória em 1º de outubro, em colocar um copo de água conservadora descolorindo o vermelho do seu vinho, ele poderia assumir a panóplia do candidato de mudança aparente, sem mudança real. Esta hipótese não está na ordem do dia. No entanto, a eleição do candidato da esquerda, Andrés Manuel López Obrador, no México, não é de certa forma aquela do candidato que baseou o seu voluntarismo social justamente nessas mesmas promessas: a da luta contra a corrupção, materializada pela austeridade orçamental, pela redução drástica do salário presidencial e do salário recebido pelos altos funcionários públicos, pela transformação do palácio presidencial em um museu, pela venda da frota aérea presidencial e pela redução ao mínimo possível das viagens presidenciais ao exterior? 

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Texto publicado originalmente em francês, em 10 de junho de 2022, na seção ‘Actualités’, no site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original “Le joker de la droite colombienne pour le deuxième tour des présidentielles du 19 juin”. Disponível aqui. Tradução de Edson Santos de Lima e Luzmara Curcino. 

[1] General prussiano que decidiu o resultado da batalha de Waterloo. Victor Hugo em “Castigos”, evoca a desagradável surpresa de Napoleão nestes termos, «Grouchy! Era Blucher».

[2] Nota: Quando o texto foi escrito, ainda não tinha ocorrido o segundo turno. Como vimos neste domingo, dia 19/06, a esquerda saiu vitoriosa. Gustavo Petro foi eleito presidente da Colômbia.

[3] Angel Beccassino. Por que os candidatos não emocionam as pessoas, In: Razão Pública, 24 de abril de 2022.  

[4] Trinidad Deiros Bronte, Rodolfo Hernández. La democracia en Colombia son puras mentiras. 26 de março de 2022, p 9.

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Jean-Jacques Kourliandsky É diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura, ambos da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos.