A Venezuela estaria voltando à cena? Estaríamos testemunhando a reviravolta de um país há muito em queda? Há um bom tempo, ela não joga na primeira divisão, nem na segunda, nem sequer no amador. Fora do jogo econômico, fora do jogo diplomático, caiu do pódio das potências latino-americanas, a ponto de exportar os seus cidadãos às centenas de milhares.
As razões para essa derrocada são, em primeiro lugar, conjunturais. Um dia, os preços do petróleo caíram abruptamente e a procura mundial, em particular chinesa, diminuiu. Caracas, detentora das maiores reservas mundiais de óleo e grande exportador do produto, passou bruscamente das vacas gordas às vacas magras. As autoridades venezuelanas não tinham previsto tal eventualidade. O país não estava preparado para resistir a esse golpe. Sua derrocada finalmente foi agravada pelas sanções dos Estados Unidos. Punidos por sua deriva autoritária, mas talvez, sobretudo por sua postura contestatória da ordem hemisférica, os venezuelanos já não podiam praticamente vender o seu petróleo no mercado mundial.
Nos últimos meses, o que temos visto é uma ‘remontada’ da Venezuela, ou seja, uma virada no jogo. Inesperado, os bons ventos da recuperação vieram de repente, sem aviso. A Rússia, ao atacar a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, alterou drasticamente o cenário econômico e diplomático. A guerra na Europa provocou, de fato, um tsunami dos preços do petróleo. A Rússia foi privada do acesso ao mercado dos Estados Unidos e, progressivamente, do europeu. Os produtores concorrentes esfregaram as mãos empolgados, e um deles é a Venezuela.
Ontem ostracizada pelos Estados Unidos, a Venezuela é hoje cortejada. As razões da excomunhão da Venezuela por Washington aplicam-se agora à Rússia. Ao colocarem Moscou, segundo produtor mundial de petróleo, no index librorum prohibitorum, se criou um vácuo de oferta deste produto bastante grave, o que de uma hora pra outra transformou os pecados mortais da Venezuela em pecados veniais, desculpáveis. Após a visita de emissários enviados por Joe Biden a Caracas, no dia 5 de março, o petroleiro norte-americano Chevron, o espanhol Repsol e o italiano ENI puderam retomar as suas atividades venezuelanas, que haviam sido suspensas indefinidamente, até esse momento, com uma canetada da Casa Branca.
Uma notícia boa nunca vem sozinha. Esses ventos promissores vindos do norte vieram também com um outro bônus: a vitória nas presidenciais colombianas, em 19 de junho, de Gustavo Petro. O vencedor não escondeu, durante a campanha eleitoral, a sua intenção de restaurar as relações bilaterais com a Venezuela interrompidas pelos seus antecessores. A decisão é compreensível, já que a Colômbia acolhe quase dois milhões de refugiados venezuelanos. A crise de sua vizinha fez a Colômbia perder o seu segundo parceiro comercial. As economias de fronteira, interligadas pela proximidade geográfica, como exemplifica bem a situação da cidade colombiana de Cúcuta, sofrem enormemente desde a interrupção de relações com o país vizinho e o fechamento da fronteira. Pela adesão cega e o seguidismo aos Estados Unidos se paga um preço muito alto. É nesse contexto que Washington, hoje em pleno revisionismo diplomático e ético, reatou, ainda que parcialmente, de forma renovada, os laços com Caracas.
A invasão russa redistribuiu de certo modo os cartões diplomáticos. A Venezuela pode encontrar margens para sair de seu isolamento forçado. A América Latina tomou certa distância dos Estados Unidos. Foi isso que se viu na Cúpula das Américas, realizada em Los Angeles, no início de junho. Outros aliados de Washington, na África ou na Ásia, adotaram a mesma postura dos latino-americanos ao se recusarem a romper com Moscou, ainda que condenem a invasão da Ucrânia.
Em 19 de abril, Alberto Fernández, presidente argentino e atual presidente da CELAC (Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe), defendeu a necessidade de normalizar a relação com a Venezuela. Em 18 de maio, o México anunciou a sua disponibilidade para acolher o reatamento de um diálogo entre o poder e a plataforma unitária da oposição. Nicolás Maduro, realizou, de 7 a 15 de junho, uma viagem internacional, com o objetivo de forçar o ritmo deste regresso ao mundo da Venezuela. Foram assinados múltiplos acordos com países muito diferentes, todos exigindo respeito a sua autonomia, a Turquia, a Argélia, o Irã, o Qatar e o Kuwait. Recep Tayyip Erdogan, Chefe de Estado turco, membro da OTAN, comunicou uma provável visita oficial a Caracas, no início de dezembro, após o G20, que se realizará em Buenos Aires em 30 de novembro.
As autoridades venezuelanas acompanham estas aberturas externas com uma desregulação econômica. A iniciativa privada retomou as cores. O controle dos preços foi suspenso, o dólar foi legalizado de fato como moeda quase oficial, o que permitiu que grandes artistas latino-americanos voltassem ao palco local. Um certo número de empresas nacionalizadas serão restituídas aos seus proprietários, segundo um discurso do presidente Maduro, no início de maio.
Será isto suficiente para validar de maneira duradoura essa “remontada”? Asdrúbal Oliveros, especialista consultado pela BBC, continua “cautelosíssimo”: “A Venezuela está reconectada […], mas se as coisas não evoluírem mais rapidamente, essa recuperação poderá demorar de 40 a 50 anos para se estabelecer”. [1]
Texto publicado originalmente em francês, em 24 de junho de 2022, na seção ‘Actualités’, no site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original “Venezuela, ‘la remontada’?” Disponível em aqui. Tradução de Thaís Pereira da Silva e Luzmara Curcino.
Nota
[1] Angel Bermúdez, BBC News Mundo, 21 junho de 2022.
Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura, ambos da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos.