Nos dias 18 e 19 de maio, o presidente argentino Javier Milei “atuou” na Espanha, nas antigas arenas de touro madrilenhas de Vistalegre. Convidado como uma verdadeira estrela sul-americana para a convenção partidária dos Patriotas Europeus (Europa Viva 24), a primeira reunião eleitoral das eleições europeias de 9 de junho organizada pelo Vox, grupo espanhol de extrema-direita, o presidente argentino respondeu prontamente. Ele estará (e como estará!) lá. Não em holograma, mas pessoalmente.
Javier Milei, eleito em 19 de novembro de 2023, desde o primeiro dia de seu mandato, pegou os argentinos, inclusive seus eleitores, de surpresa. Ele havia anunciado um programa antiestatal, com porrete e motosserra em mãos. Ele vem “cortando” e lutando a todo custo, desde 10 de dezembro, para cumprir à risca compromissos que muitos não haviam levado a sério. Agora é a vez dos países que tradicionalmente e por motivos diversos têm relações com Buenos Aires terem de ouvir e aguentar os discursos de Milei.
Por que o Vox, por que a Espanha, quando ele tem homólogos ideologicamente compatíveis na Itália e na Hungria? Sem dúvida, porque o convite do Vox veio na hora certa. O governo espanhol liderado pelo socialista Pedro Sánchez não escondeu suas fortes reservas éticas e políticas em relação ao presidente argentino. Se o Rei da Espanha, Felipe VI, não tivesse estado presente, protocolarmente, no dia da transferência do poder na Argentina, não haveria representação da Espanha, porque nem o presidente do governo, nem o Ministro das Relações Exteriores teriam comparecido.
As coisas não melhoraram desde então. Há poucos dias o ministro dos Transportes espanhol, Óscar Puente, insinuou que Javier Milei tinha um comportamento anormal, talvez devido à ingestão de “substâncias”. Milei respondeu como um “líder de clã”, mais do que como presidente, reproduzindo numa postagem no “X” (antigo Twitter), o argumento do partido de extrema direita Vox: “O governo espanhol”, disse ele, “colocou em perigo as mulheres espanholas ao encorajar a imigração ilegal […] a unidade do Reino, ao cooperar com os separatistas” […] e a população, com a sua política econômica, “trazendo pobreza e morte”.
A ligação de Milei com o grupo extremista espanhol é antiga. Santiago Abascal, presidente nacional do Vox, tomou a iniciativa, em 2019, de unir partidos e personalidades de extrema-direita da Europa e da América Latina, a fim de formar um “contra Fórum de São Paulo”, o Fórum de Madrid (Foro Madrid) [1]. Javier Milei, que na época ocupava uma tímida mas crescente simpatia entre os eleitores argentinos, tinha sido convidado, assim como Georgia Meloni, que passava por uma situação semelhante à sua em seu próprio país. Agradecido, Javier Milei convidou Abascal para sua posse como Presidente da Argentina, ocorrida no dia 10 de dezembro de 2023. O espanhol viajou para Buenos Aires. Desde então, ambos se reuniram com outros correligionários no Brasil, no México e nos Estados Unidos, neste último país mais recentemente, em 21 de fevereiro, a convite da CEPAC (Conferência de Ação Política Conservadora).
A carta fundadora de 2019 é uma espécie de alvará que reúne a sociedade transatlântica de extrema-direita. Ela funciona muito bem. O Vox anunciou que em sua reunião pública de 18 e 19 de maio de 2024 compareceriam presencialmente, além de Javier Milei, Amichai Chikl, ministro israelense da diáspora, José Antonio Kast, chefe do Partido Republicano do Chile, Marine Le Pen, presidente do grupo parlamentar Rassemblement National na Assembleia Nacional Francesa e André Ventura, deputado pelo Chega (a extrema-direita portuguesa). Além desses, Viktor Orban, Presidente da Hungria, Georgia Meloni, Primeira-Ministra da Itália, Matt Schapp, Presidente da União Conservadora Americana e Roger Severino, Vice-Presidente da The Heritage Foundation, falariam por videoconferência.
Essa participação presidencial argentina numa manifestação política num país estrangeiro é incomum. Ela reflete o lugar privilegiado que se dá, além de qualquer outra coisa, à provocação, levada a cabo por alguém que domina bem uma performance explosiva e espetacular. De fato, Milei tornou público o caráter partidário da sua viagem, também rotulada de “oficial” (financiada, portanto, pelo orçamento do Estado). Ele informou, através de seus porta-vozes, que nenhum contato protocolar foi planejado. Nem com o rei (Felipe VI), nem com o president
Esse ato de ruptura assumido acrescenta mais uma pedra ao jardim em crescente abandono da coexistência pacífica entre os países. Num artigo anterior, tratei dessa tendência que se pode observar não apenas na América Latina, como em outros lugares do mundo. A violação da embaixada mexicana em Quito pela polícia do Equador, em 5 de abril de 2024, foi o gatilho para essa reflexão. A Secretária de Estado asteca, Alicia Barcena, fez, com razão, o seguinte comentário: “nem Pinochet, nem Videla”, e nem Fidel Castro, “invadiram uma embaixada”. O equatoriano Daniel Noboa e o argentino Javier Milei, na América Latina, criaram um precedente que traz desordem. É verdade que estão em boa companhia. Isso tinha sido dito naquela ocasião, mas é importante lembrar que os países da Aliança Atlântica, em nome de valores por eles considerados superiores, intervieram militarmente no Afeganistão, no Iraque, na Sérvia ou excederam as resoluções da ONU na Líbia. A Rússia invadiu o seu vizinho ucraniano. O Azerbaijão decidiu resolver militarmente seus problemas com a Armênia. Israel aplica uma versão longa da Lei do Talião em Gaza. Ruanda exporta minerais que não produz, ao contrário do seu vizinho congolês etc.
“Javier Milei ignora totalmente”, comenta o jornal argentino La Nación, “as regras diplomáticas que aconselham um presidente a não interferir nos assuntos internos de outro país”. Acrescentemos que, como vimos, ele está em boa companhia e que muitas empresas estrangeiras acham que esse presidente é mais amigável do que se diz, dadas as facilidades que dá à liberdade de empreender. Georgia Meloni acolherá o próximo encontro do G7, no dia 13 de junho, em Borgo Egnazia (na Apúlia). Estará presente Javier Milei, convidado pessoal da Itália, atual país presidente da instituição.
Notas
Texto publicado originalmente em francês, no dia 18 de maio de 2024, no site Nouveaux espaces latinos, seção ACTUALITÉS/AMÉRIQUE LATINE, Lyon/França, com o título original “Javier Milei, président libéral-libertaire argentin en campagne européenne espagnole”. Disponível em: https://www.espaces-latinos.org/archives/120174. Tradução de Manoel Sebastião Alves Filho e Luzmara Curcino.
[1] Constituído oficialmente em 26 de outubro de 2020.
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Jean-Jacques Kourliandsky é Diretor do “Observatório da América Latina” junto à Fundação Jean Jaurès, na França, é especialista em análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe, e autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014). Colabora frequentemente com o “Observatório da Imprensa”, no Brasil, em parceria com o Laboratório de Estudos do Discurso (LABOR) e com o Laboratório de Estudos da Leitura (LIRE), ambos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).