Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

130 anos do genial Lima Barreto

Afonso Henriques de Lima Barreto veio ao mundo em 1881, na Rua Ipiranga, nº 18, em Laranjeiras, bairro da zona sul do Rio, no dia 13 do mês de maio, numa sexta-feira. Sete anos depois, no dia 13 de maio de 1881, abolia-se a escravatura. Meses depois, numa sexta-feira, que caiu em 15 de novembro de 1889, Deodoro da Fonseca abolia a monarquia e proclamava a República.

Lima Barreto passou pela abolição da escravatura, a pedra de cal para o ocaso do último imperador do país. Conviveu com dois sistemas políticos: o monárquico e o republicano. Passou por 13 presidentes, alguns estados de sítio, poucas eleições (a bico de pena), pela política dos governadores, poderio dos coronéis e suas oligarquias. Passou por revoltas e revoluções: Armada, Vacina, Chibata, Canudos, entre outras… Sobreviveu a surtos de varíola, febre amarela, tuberculose, cólera e à gripe espanhola, que assolaram o Rio. Esta última matou o rei da Espanha e o então presidente Rodrigues Alves, vitimando 13 mil pessoas. Sobreviveu, ainda, ao positivismo e, mal, à tese cientificista em vigor de superioridade da raça branca. Viveu sob a gestão de 24 mandatários à frente do município do Rio de Janeiro, a também capital federal, entre eles interventores, interinos e prefeitos propriamente ditos, nomeados pelo governo federal. É testemunha da restauração urbana à francesa da capital federal, no projeto belle époque à brasileira de ordem, civilização, progresso e eugenia urbana.

Vê o preço do café subir e o acordo de Taubaté vicejar, a borracha fazer ricos e pobres em curto espaço de tempo, a eletricidade e os bondes da Light chegarem à capital. Assiste a greves no ainda jovem movimento operário brasileiro . Acompanha pelos jornais a I Guerra, a Revolução Russa, a vinda do Rei Alberto I, da Bélgica, ao Brasil, a exposição do Centenário da Independência. Mas não verá a posse do presidente Artur Bernardes, em 15 de novembro de 1922. Lima Barreto morre 14 dias antes, em casa, no subúrbio de Todos os Santos, às cinco da tarde, de colapso cardíaco. Entre seus nascimento e morte, no dia 1º de novembro de 1922, aos 41 anos, o intelectual negro, jornalista, literato, escritor e funcionário público Afonso Henriques de Lima Barreto testemunhou, escreveu sobre, conviveu com e passou por uma enormidade (e pluralidade) de fatos e episódios que, entrelaçados, convergiram na formação do processo de construção e de consolidação da Primeira República brasileira, ou República Velha, a que deu origem à nossa República.

Firme e malcriada

Lima Barreto foi marcado profundamente pelo cenário político-econômico instável da Primeira República e, como bom repórter que foi, foi aos fatos. Foi à rua trabalhar e colher o que se dava naqueles tempos. Sempre voltando à sua redação:sua casa, à qual batizou, ironicamente, de Vila Quilombo, no atual subúrbio de Todos os Santos, para montar suas reportagens, na forma de crônicas, romances, artigos, contos, vasta correspondência, diário, ensaios. Afonso Henriques de Lima Barreto irá se posicionar sobre todo o cenário político republicano em sua obra, reunida em 17 volumes publicados pela Editora Brasiliense, em 1956.

Como escreve o jornalista e historiador Francisco de Assis Barbosa, seu biógrafo, Lima Barreto, por intermédio de sua literatura, tratará de todos os acontecimentos de sua época, dos simples aos mais complexos. E Afonso Henriques de Lima Barreto tratou deste cenário, apontando, com deliberado sarcasmo, as ambiguidades do sistema republicano e seus paradoxos. Seus escritos fornecem ao projeto de nação republicano que seguia excludente e elitista uma resposta firme e malcriada. A resposta viria da literatura, estaria na literatura militante, do uso político que era preciso fazer dela e seria dada com a literatura, por intermédio da linguagem especial em que esta literatura é produzida. Com o riso, o deboche e com sua literatura dita militante, partidária e engajada, o bêbado e esbodegado Lima Barreto fabricou um bote salva-vidas para o povo náufrago da República Federativa do Brasil.

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Jornalista, mestre em Ciência Política pela UFF e doutoranda em Ciências Sociais da UERJ