No campo ou na cidade, nas favelas ou nos bairros mais nobres espalhados pelo Brasil é difícil encontrar um domicílio, escola, bar ou outro ambiente que não tenha um aparelho de televisão. O modelo em preto e branco, tão desejado há alguns anos, dá lugar às versões mais modernas do equipamento eletrônico que parecem já fazer parte das famílias brasileiras. Em 2007, uma pesquisa revelou que, no Brasil, nove em cada 10 domicílios possuem o aparelho, dado que sofreu alteração com a edição da 19ª Copa do Mundo devido ao aumento considerável das vendas.
É importante lembrar que a primeira transmissão televisiva no Brasil aconteceu em setembro de 1950. Através da já extinta TV Tupi, em fase experimental, o conteúdo exibido foi um filme em que o ex-presidente Getúlio Vargas relatava seu retorno à vida política. No mesmo ano, a TV Tupi entrou oficialmente no ar através do canal 3 de São Paulo e o responsável por trazer a TV para Brasil, Assis Chateaubriand, distribuiu 200 aparelhos pela cidade.
Hoje, a arrumação da sala de visitas ou a opção pela compra de uma televisão em vez de uma cama, livros ou até mesmo o piso da casa, permite algumas reflexões. Não é à toa que volta e meia nos vemos seguindo os modismos tão presentes nas programações dos canais de televisão brasileiros, seja ao falarmos determinadas palavras ou expressões, comprarmos determinados produtos, cantarmos determinadas músicas ou termos determinadas opiniões. Este ‘determinismo’ é parte de uma dominação cultural imposta pelo caráter altamente comercial da TV no Brasil.
Na época do surgimento da televisão no país, os meios de comunicação não possuíam um cunho comercial tão forte quanto hoje. Porém, a cada década, esta característica vem se intensificando, permitindo a existência de uma comunicação a serviço do lucro. É possível dizer que vivemos em uma sociedade em que as pessoas têm o consumo como objetivo de vida e a televisão cumpre papel estratégico nesse cenário. O merchandising, tão presente nas telenovelas, programação jornalística ou programas de entretimentos, estabelece um modismo que implica diretamente o consumismo, o comportamento das pessoas e tem como alvo, sobretudo, a juventude. Falamos de uma tal indústria cultural, controlada por uma minoria, melhor dizendo, por algumas famílias.
Renovação das concessões sem participação
Isto mesmo, há uma enorme concentração dos meios de comunicação em nosso país, problema que se mantém devido à negligência do executivo, legislativo e judiciário brasileiros a respeito do tema. É inegável a relação de camaradagem entre os donos da grande mídia e os representantes destes poderes, isto quando não são eles mesmos concessionários de algum veículo o que é claramente proibido por lei. Órgãos como o Ministério das Comunicações e a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) recuam no cumprimento de seus papéis, omitindo-se ou prestando um desserviço à democratização da comunicação. Não há, na prática, nenhum tipo de regulamentação que assegure uma comunicação comprometida com os direitos humanos, muito menos com a garantia da comunicação como um destes direitos, algo indispensável a uma sociedade verdadeiramente democrática.
Durante o governo militar, a TV era vista como um potencial meio para combater a quem quisesse provocar a sociedade com ideologias diferentes das do regime militar e do capitalismo. Hoje, mesmo sem vivermos em uma ditadura militar, vivemos uma ditadura midiática, onde a imposição de ideias se dá na medida em que poucas pessoas decidem o que deve ou não ser notícia, que culturas, religiões devem ser mais ou menos valorizadas, reproduzidas, que assuntos devem ser discutidos pelos cidadãos e cidadãs, que candidaturas a cargos eletivos devem ter maior aceitação por parte da população etc.
Essa realidade é preocupante e deve-se muito ao monopólio e oligopólio da radiodifusão – tanto em nível nacional quanto regional –, proibido no artigo 220 da Constituição Federal de 1988. A Carta Magna do país também diz que o espectro para transmissão de sinais de rádio e TV é um bem público, cuja utilização é concedida pelo Estado. Portanto, o serviço prestado pelos canais de televisão é resultado de uma concessão pública, embora tenham sido, em sua maioria, usados para fins comerciais. Esta autorização, outorga ou concessão, no caso da TV, tem validade de 15 anos, podendo ser renovada, o que tem sido feito sem a menor participação da população, que não tem o direito de avaliar, sugerir ou simplesmente ser contra a renovação das mesmas, ao constatar que o veículo não atende aos princípios da produção e da programação das emissoras de rádio e televisão, conforme previstos na Constituição Brasileira.
Faz-se necessária uma outra televisão
Contra esta afronta ao direito à informação, diversos movimentos sociais no Brasil têm defendido o controle social dos meios de comunicação, com o intuito de garantir que a radiodifusão, um serviço público, atenda de fato ao interesse público. Este controle a ser feito pela sociedade em seu conjunto deve se dar a partir da regulamentação e da efetivação de políticas públicas para o setor, o serviço prestado pelos diversos veículos e o conteúdo exibido pelos mesmos. Isto poderia ser garantido, por exemplo, com a criação de conselhos, realização de conferências deliberativas, criação de ouvidorias para monitoramento de conteúdos ou consultas sobre renovação das concessões, entre outras medidas.
Embora, propositalmente, o discurso da liberdade de expressão e controle social tenha sido usado de forma deturpada por setores conservadores da sociedade, sobretudo nos últimos anos, faz-se necessária a implementação destes mecanismos com vistas à garantia de uma comunicação plural e comprometida com o respeito aos direitos dos brasileiros e brasileiras.
Por fim, na comemoração dos 60 anos da TV no Brasil, fica o alerta de que as velas do bolo de aniversário desta senhora possam clarear a vista das pessoas para uma visão mais crítica sobre a mesma. É preciso perceber que: o modelo de TV digital adotado pelo Brasil, ao contrário das propagandas, não tem contribuído para democratização da comunicação; a TV Brasil ainda não é o modelo ideal de televisão pública; as TV´s educativas precisam ser ampliadas; o canal comunitário precisa ser disponibilizado em canal aberto, e não em TV por assinatura como é hoje. É necessário também brigarmos pelo respeito no tratamento aos movimentos sociais, à regionalização das produções, o controle da publicidade agressiva e incentivadora das opressões e desigualdades sociais. Ou seja, é preciso entender que faz-se necessária uma outra televisão para o Brasil.
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Jornalista, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e do Fórum de Comunicação Sertão do São Francisco/BA