A Microsoft decidiu entrar no disputado mercado de livros eletrônicos ao se associar ontem (30/4) à livraria americana Barnes & Noble, fabricante do e-reader (leitor eletrônico) Nook, em uma iniciativa que deve aumentar a competição neste setor controlado pelo Kindle, da Amazon. O acordo entre a empresa de Bill Gates e a maior livraria dos Estados Unidos prevê um investimento inicial de US$ 300 milhões agora e o mesmo valor ao longo dos próximos anos. Em troca, a Microsoft será proprietária de 17,6% da unidade do Nook e também de vendas da Barnes & Noble ligadas a universidades.
Analistas frisavam ontem que essa nova unidade que será criada com a sociedade entre as duas companhias terá um valor de mercado de US$ 1,7 bilhão, superior ao restante da Barnes & Noble, que ontem estava em cerca de US$ 800 milhões. Nos últimos anos, a empresa fechou uma série de livrarias ao redor dos Estados Unidos, optando por se focar no mercado de livros eletrônicos. A Borders, sua principal rival em lojas físicas, decretou concordata no ano passado. Logo depois do anúncio, as ações da Barnes & Noble dispararam e fecharam em uma gigantesca alta de 60%. Os papéis da Microsoft, que estão em seu patamar mais elevado nos últimos quatro anos, permaneceram inalterados.
A nova empresa criada pela sociedade entre a Microsoft e a Barnes & Noble ainda não tem um nome. A Microsoft, em comunicado, a denominava apenas pelo nome genérico de “Newco”. Segundo a Microsoft, um dos benefícios da parceria será a inclusão de um aplicativo do Nook no sistema operacional Windows 8, que deve ser lançado nos próximos meses em tablets, e também celulares, como já existe no iPad e em tablets que utilizam o sistema Android, do Google. William Lynch, presidente da Barnes & Noble, acrescentou que o acordo “tem a estratégia” de colocar sua empresa “na liderança do mercado de e-books”.
Uma revolução da leitura
Analistas demonstram ceticismo sobre esta possibilidade. Atualmente, a Amazon possui 60% do setor de livros digitais nos Estados Unidos, sendo acusada por algumas editoras de monopólio. A Barnes & Noble, com o Nook, ocupa a segunda colocação, com 30%, seguida pela Apple, com sua livraria digital associada ao iPad. Em uma ação que contribuiu ainda para a liderança da Amazon, no mês passado, a Apple, junto com seis editoras, foi acusada pelo Departamento de Justiça dos EUA de agir em cartel para elevar o preço das obras vendidas digitalmente. A decisão foi celebrada pelas rivais, que costumam vender os livros sem lucro ou até mesmo com perdas para ganhar mercado.
Além dos tribunais, os e-books da Amazon e da Barnes & Noble têm a vantagem de serem mais leves que o iPad, que é bem mais do que um e-book. A emissão de luz pelo aparelho da Apple também incomoda alguns leitores. Nos outros dois, a experiência da leitura se aproxima mais da de um livro físico.
“A mudança para os livros digitais está colocando todas as bibliotecas e livrarias do mundo na palma da mão de uma pessoa. É o começo de uma era que impactará na forma como as pessoas leem”, afirma Andy Lees, diretor da Microsoft. “Nossas qualidades complementares (de sua empresa e da Barnes & Noble) devem acelerar a inovação dos e-books por meio de aparelhos Windows, permitindo não apenas que as pessoas leiam histórias, mas sejam parte delas. Estamos no início de uma revolução da leitura”, acrescentou. No comunicado, as duas empresas também disseram que pretendem ampliar as operações globais do Nook, hoje focadas nos EUA. A unidade de e-book registrou um crescimento no faturamento de 38% no último trimestre.
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[Gustavo Chacra, correspondente em Nova York do Estado de S.Paulo]
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Mercado de conteúdo digital em expansão
Filipe Serrano
Apesar de a Amazon ter anunciado na sexta-feira uma queda de 35% no lucro, outro número do balanço trimestral chama a atenção. As vendas de conteúdo digital da varejista online cresceram 19% nos primeiros três meses do ano. Isso mostra que a estratégia de vender eletrônicos a preços baixos para incentivar o consumo de produtos digitais tem dado certo e agora chama a atenção também da Microsoft. Parte desse crescimento é em razão das vendas do tablet Kindle Fire, lançado em novembro nos Estados Unidos, onde é vendido por US$ 199 – bem abaixo do preço do iPad, que nos EUA custa a partir de US$ 499. Com um produto acessível, a Amazon aumentou suas vendas de produtos digitais como livros eletrônicos, músicas digitais, além de filmes e séries de TV que podem ser comprados – e baixados – pelo serviço online da loja.
A Amazon não está sozinha. Concorre há anos com a loja de conteúdo digital da Apple e, mais recentemente, do Google, entre outros rivais. A livraria norte-americana Barnes & Noble, em 2009, decidiu não ficar atrás da varejista – que saiu na frente ao lançar o leitor de e-books, o Kindle – e criou o seu próprio aparelho de leitura e consumo digital.
O Nook é um desconhecido do mercado brasileiro, mas tem uma importante fatia das vendas de leitores de livros eletrônicos. Ele representa cerca de um quarto das vendas de livros digitais nos EUA, atrás apenas das vendas do Kindle, da Amazon. É aí que está o interesse da Microsoft. Ao se aliar à livraria, a empresa dá mais um passo para ter um fatia das vendas de conteúdo digital. A fabricante de software – que vende filmes e séries de TV pela rede do console Xbox 360 – anunciou um aplicativo do Nook para o Windows 8, que chega neste ano. E é de se supor que deve fazer o mesmo para seus smartphones, o que deve expandir o público consumidor dos serviços do Nook.