Não sei se você sabe, mas eu faço caricaturas ao vivo em festas e eventos. Nessas ocasiões, as pessoas da festa se postam à minha frente, e eu desenho os rostos delas. Em geral, as mulheres às quais faço as caricaturas emitem uma fala-padrão: “Me faz mais bonita?” E eu faço, para não desagradar à cliente.
Os dicionários dizem que “caricatura” é um desenho exagerado, deformado ou grotesco de uma pessoa. Os mesmos livrões falam da origem latina da palavra “humor” e da sua função terapêutica ou crítica. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, falou e escreveu a respeito. Freud, aliás, é muito desenhado pelos caricaturistas desde sempre.
Por mais que um caricaturista alivie a barra das mulheres, e o humor tenha as suas doses ocasionais de poesia e candura, a linguagem do humor não dispensa o riso sacana dos que veem um pobre coitado escorregando numa casca de banana. Some-se a isso o estado politicamente correto incrustado no imaginário coletivo dos dias de hoje. Como é que fica o humor, a sátira, o riso, a ironia? E a casca de banana, e a banana pra quem merece?
As respostas, cada um tem a sua, por mais que se insista na promoção de debates a respeito dos “limites do humor”. Debates com todo o respeito, é claro. Só que um dos caricaturistas resolveu responder a esse mundo cruel com uma atitude construtiva. A resposta é o livro Brasil do Bem, uma edição cooperativa da editora Virgo.
Personalidades caricaturadas pelo senso comum
Brasil do Bem junta-se a outros livros de humor da editora de Mário Mastrotti, cartunista e professor universitário de São Caetano do Sul, cidade posta no mapa do esporte nacional por conta do seu time de futebol. Este que vos digita participou de obras anteriores da editora: um livro de quadrinhos (Tiras de Letra Outra Vez) e outro de cartuns (Celularidades).
Mastrotti costuma reunir seus iguais do traço para coletâneas cooperativas, concedendo duas páginas para cada cooperado. No livro Brasil do Bem, caricaturistas de diversas partes do país contribuíram com três caricaturas cada um. Os retratados são figuras proeminentes da arte, da política e da cultura nacional. Gente que faz, entende?
A maioria dos desenhistas do livro escolheu personalidades exaustivamente caricaturadas pelo senso comum: Oscar Niemeyer, Rubens Barrichello, Raul Seixas, Rita Lee, Betinho, Ariano Suassuna. Alguns traçadores optaram por desenhar figuras ligadas ao universo do humor gráfico e televisivo: Ziraldo, Zacarias, Falcão, Costinha, Jô Soares e Zé Bonitinho (interpretado por Jorge Loredo). Cada caricatura é acompanhada de breves biografias dos homenageados.
Livro cumpre a missão e a intenção
Os estilos dos caricaturistas “do bem”, em geral, mostram aquele absoluto domínio técnico do desenho da figura humana, tão incensado em salões de humor e no que restou da imprensa escrita-impressa. Domínio que muitas vezes engessa a expressividade desejável de uma caricatura. O temor de muitos caricaturistas de fugir do padrão politicamente-correto, padrão que pode existir apenas na cabeça de quem desenha, é visível nos rostos do livro.
O que pode deixar o leitor de fígado azedo – e vista cansada – é a escolha das letrinhas de balãozinho de história em quadrinhos para os textos. Isso pode cansar muito mais que os adjetivos floreados e as definições-clichês. Todo atleta tem apenas “garra e determinação”? Todo artista é só um “ferrenho defensor da causa”? Todo cantor-chave deixa “imitadores, mas não substitutos”?
Para não dizerem que não falei de flores… o melhor do livro, irregular como qualquer coletânea que se preze, são os desenhistas de trabalho mais sólido: DaCosta, Laudo, Spacca, Stegun, Fernandes, Bira, Alecrim e Mastrotti, o organizador da obra. Essa turma, cada um por si, pode fazer livros de qualidade. Alguns já fazem.
Brasil do Bem cumpre sua missão e intenção. Não sei se o inferno está cheio de almas bem-intencionadas, como se apregoa no ditado. Cá na terra abençoada por Deus, algumas delas continuam tentando melhorar a vida.
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[Érico San Juan é cartunista, radialista, designer gráfico e caricaturista]