Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carta aberta a um desenhista de amigos

E aí, Laudo, tudo bem? Recebi suas Histórias do Clube da Esquina. Muito obrigado. Na primeira noite com o álbum de quadrinhos, fiquei folheando-o. Dando aquela saboreada inicial no produto-livro, parando numa ou noutra passagem digna de atenção fugaz, esta ou aquela expressão facial risível, um ou outro diálogo instigante. A apreciação de todo o conteúdo vem depois desse “namoro” com o livro. Uma apreciação de fato, e não uma leitura crítica. Feito um vinho sorvido aos goles, e não uma cerveja bebida aos borbotões.

A capa do álbum é uma sacada sutil. No alto da página, em vez do rosto do principal personagem do Clube da Esquina, cercado dos companheiros de vida e canções, veem-se dois braços: o do violão, num acorde em sol maior, e o do dono do violão. Dois braços em um. Braços que deram uma mãozinha para o grupo do bairro Santa Tereza, de Belo Horizonte. Grupo identificável nas caricaturas no rodapé da capa. Aliás, na capa, nas fotos internas ou nas histórias do álbum, um prazer a mais reservado ao leitor é a identificação dos rostos dos protagonistas e coadjuvantes. Nas fotos-sépia, a mistura de rostos dos músicos e rostos dos seus amigos de traço reforça a identificação com o leitor.

O prefácio do Marcio Borges e o posfácio do autor do livro introduzem o leitor ao tom do álbum: emocional acima de tudo. Bem a cara do ideário musical do Clube, expresso em outros álbuns – não de HQ, mas de vinil.

Imprima-se a lenda

Já as histórias em quadrinhos desse álbum… Viagens de ácido, como a do cabeludo hipotético-patético que aborda o Ronaldo Bastos, perguntando a respeito do Trem Azul? Não, não. São viagens de Minas. Já visitei Ouro Preto, sentindo, lá do meu vagão de turista, essa mística dos trilhos de um trem bão, sô!

Uma opção acertada, a técnica de divisão das histórias em pequenos causos. Melhor ainda a descentralização narrativa, deixando de focar a atenção do leitor no líder silencioso e incontestável da história. Os coadjuvantes ladrões de cena foram dona Maricota (“Ah, essa molecada, viu?”) e os sapos que coaxaram junto à música do Milton. Impagável o desmentido de Fernando Brant sobre o Toninho Horta, a respeito da história de Manoel, o Audaz.

Compadre Laudo, obrigado por me conduzir a essa reunião de causos. Ousadia sua de transpor um imaginário musical a uma linguagem que ganha força neste novo século, neste novo Brasil: a linguagem das histórias em quadrinhos. Ousadia sua que retribui, na medida justa, a ousadia musical da turma do Clube, oferecida à sua geração e às seguintes.

Felizes somos, leitores e fãs de música, os que desfrutam dessa homenagem. Imprima-se a lenda, agora nas páginas de um livro, não apenas nos sulcos de um long-play.

Um abraço, Érico

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[Érico San Juan é cartunista, radialista, designer gráfico e caricaturista]