Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Obras, contratos e, vá lá, água fresca

Distração para quem está na Feira do Livro de Frankfurt: tirar uma foto segurando uma plaquinha com uma palavra especial. Há 22 anos participando da feira, Alexandre Dórea Ribeiro, da DBA, resolveu experimentar agora. Respirou fundo, escreveu “calma” e fechou os olhos. Assim ele estará em uma das imagens que a organização espalha pelos pavilhões. A palavra escolhida pelo editor resume a lição aprendida com a prática pela maioria dos brasileiros que visitam, todos os anos, a maior feira de livros do mundo.

“Comprar com pressa e com editoras dando lances em leilões só é bom para quem vende. Os livros são comprados no desespero e, mesmo que vendam bem, geralmente não pagam o investimento”, conta Diego Drummond, diretor da Escala, que fez sua primeira visita à feira em 1997, mas só começou a frequentá-la assiduamente em 2006. A Escala, que sempre editou livros mais segmentados – de culinária ou de música, por exemplo –, reposiciona-se no mercado e, com o selo Lafonte, pretende entrar nas listas de mais vendidos. Se esta é a ideia, a calma deve desaparecer, pois, na hora do leilão, vale tudo – e a brincadeira custa caro. Comenta-se que o editor brasileiro paga alto pelas promessas de best-seller, e agora todos os estrangeiros querem o seu quinhão.

“Não podemos ouvir o canto da sereia. Todo mundo quer vender para nós, mas tento explicar que o Brasil não é essa ilha da fantasia. E ainda digo: 'Você quer vender? Eu também quero'“, comenta Breno Lerner, superintendente da Melhoramentos, 35 anos de mercado e 27 de Feira de Frankfurt e apaixonado por eventos assim.

Essas quase três décadas lhe ensinaram algumas lições, como marcar todas as reuniões próximas, “para não morrer de andar”. Também usar sapatos confortáveis e impermeáveis – costuma chover nos dias da feira. Pé machucado, aliás, é uma das reclamações mais ouvidas. Pudera, a feira se espalha por uma área de 14 campos de futebol e percorrer distâncias diárias de 10 km (ou mais) é tão certo como almoçar um pão e duas salsichas, ou um pretzel ou ainda um sanduíche qualquer. Não há tempo para coisas rotineiras.

Por falar em tempo, a experiência também ajudou os editores a serem práticos – como os colegas de outros países. Se em cinco minutos perceber que o livro sobre o qual está ouvindo não tem nada a ver com seu negócio, o melhor a fazer é agradecer, levantar e partir para outra.

Reunião

É disso, e da troca de cartões de visita, que a feira é feita, voltada apenas para negócios – compra e venda de direitos, licenciamento. Florencia Ferrari, diretora editorial da Cosac Naify, participa pela primeira vez com nada menos que 44 reuniões marcadas. Raïssa Castro, do grupo Record, soma mais de 60. Tais encontros, marcados dois, três meses antes do evento, acontecem em todos os espaços da feira – no estande de quem está vendendo ou comprando, na enorme área reservada aos agentes literários, nos cafés. Ou fora do evento – em jantares reservados e no lendário hotel Frankfurter Hop, cujo saguão se transforma numa espécie de anexo da feira. Não duram mais que 30 minutos. Tudo muito prático, profissional. E, às vezes, estranho.

No pavilhão que concentra as editoras de infantis e juvenis, por exemplo, é comum ver editores e agentes engravatados sentados ao lado de bichos de pelúcia. Em um dos estandes da área de turismo, os direitos são negociados numa espécie de minifloresta, pois o espaço é cercado por plantas.

Nas mesas de negociação, livros, folders, iPads, bolachinhas, café e maçãs – por ser época, estão em todos os lugares. Ao lado das cadeiras, carrinhos e malas onde os editores vão depositando todo o material que recebem ou vão pegando pelo caminho.

Em geral, os estandes são simples, menos ostensivos que os brasileiros da Bienal do Livro. A exceção, claro, fica por conta dos estandes coletivos, como o da Arábia Saudita, e os das maiores editoras do mundo, como Random House, Hachette e HarperCollins. Esta, aliás, que há alguns anos monta o mesmo estande, aposta nas estrelas de seu catálogo para decorar o espaço. Paulo Coelho é uma delas. Sua foto está ao lado da imagem da britânica Hilary Mantel, que pode vencer, na terça, o Booker Prize, e perto do best-seller George R.R. Martin, de Crônicas de Gelo e Fogo.

Apesar da aura que circunda o mercado, ainda existe um certo romantismo, aquela ideia de que vale mais para um autor manter a fidelidade ao editor que o descobriu quando o sucesso ainda não tinha chegado. Mesmo que a editora não seja grande. Foi o que aconteceu entre Jeff Kinney, autor de Diário de Um Banana, sucesso internacional (no cinema, inclusive), e a V&R. Fabrício Valério apostou no autor, então desconhecido. Ele estourou e a V&R vendeu mais de 1,3 milhão de exemplares da coleção sobre o garoto Greg. Em jantar na véspera da feira, sua editora brasileira ouviu que ele escreveria mais três títulos e acertou a compra. Aproveitou para convidá-lo a ir ao Brasil, quarto país que mais vende sua obra, no final do primeiro semestre de 2013, e ele aceitou.

Para além dos negócios fechados, nela ou na volta para casa, a feira serve também para acompanhar as tendências. Há muito mais do que apenas editoras, como gráficas, distribuidoras, outras feiras internacionais, brinquedos e pijamas relacionados a personagens. Para os mais interessados em literatura do que no negócio do livro, há o espaço dos antiquários, que negociam, por exemplo, um livro de Hemingway acompanhado de um bilhetinho do autor por 2.400. Há ainda o Sofá Azul, evento da rede de TV 2DF e por onde passaram escritores como Herta Müller e Ken Follett. É a chance de se ver autores conhecidos e, no caso de quem fala alemão, ouvi-los. Não há tradução simultânea e, pior, no caso de escritores não germânicos, é feita dublagem.

Frankfurt acabou ontem para os mais de 180 mil profissionais que definiram, nos últimos dias, o que será editado nos próximos meses e anos em seus países. Hoje, a feira será aberta para o público, com o já tradicional desfile de adolescentes vestidos de personagens de livros ou desenhos.

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[Maria Fernanda Rodrigues, enviada especial a Frankfurt do Estado de S.Paulo]