Não só de fórmulas vivem as aulas de física. Os romances literários podem ser um poderoso instrumento para preencher lacunas deixadas pelos livros didáticos nas explicações de conceitos da física moderna. A proposta foi desenvolvida pelo físico Emerson Gomes durante seu mestrado no Programa Interunidades em Ensino de Ciências, da Universidade de São Paulo (USP). Gomes, que é professor de física no ensino básico, avaliou o uso de obras literárias para explicar a teoria da relatividade, formulada pelo físico alemão Albert Einstein (1879-1955).
À primeira vista, física e literatura parecem duas disciplinas distantes. Mas o físico apaixonado por arte acredita que a literatura permite investigar todo o contexto sociocultural em que a ciência está inserida, além de explorar o imaginário do aluno. “Imaginação e criatividade também são fatores importantes na compreensão de uma teoria da física e a teoria da relatividade é um exemplo disso”, diz ele, lembrando que os conceitos relativísticos não podem ser experimentados em sala de aula.
O pesquisador analisou três romances que tratam da teoria da relatividade, levando em conta o conteúdo e a aceitação por parte dos alunos. As obras foram: O tempo e o espaço do tio Albert, de Russel Stannard; Tau zero, de Poul Anderson; e Sonhos de Einstein, de Alan Lightman.
Inicialmente, Gomes examinou a estrutura narrativa dos textos na tentativa de verificar se havia o objetivo de apresentar os conceitos físicos ao leitor. Para completar a análise das obras, ele também levou em conta quem eram os autores, o contexto em que elas foram produzidas, o tipo de abordagem do tema e o público a que elas se destinam.
A partir dessa avaliação, o pesquisador elaborou questões relacionadas aos livros para identificar se os alunos reconheciam neles conceitos teóricos, epistemológicos e socioculturais associados à teoria da relatividade.
Essas questões foram apresentadas, por meio de debates e questionários, a aproximadamente 90 alunos entre 15 e 17 anos que cursavam turmas do primeiro ao terceiro ano do ensino médio de um colégio particular e um estadual no interior de São Paulo. “Fizemos a mesma avaliação com doze estudantes que ingressaram neste ano em um curso da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP”, acrescenta.
Muito além dos conceitos didáticos
De acordo com o professor, os alunos perceberam que os livros os levavam a identificar aspectos da teoria da relatividade que ultrapassam os conceitos didáticos, trazendo aspectos históricos, filosóficos e sociais.
Em relação à aceitação por parte dos alunos, a obra que recebeu aprovação da maioria foi O tempo e o espaço do tio Albert, que, segundo Gomes, aborda a teoria da relatividade de forma didática e contextualizada. Tau zero, que traz os conceitos físicos associados a questões sociais e existenciais, atraiu o estudante mais familiarizado com as ciências exatas.
“Já Sonhos de Einstein, que discute novas concepções de tempo entremeadas com elementos de ficção e dados biográficos do físico alemão, tem uma boa recepção por parte do estudante inclinado para a história e filosofia”, completa.
Estudos como o de Gomes não são raros, o que mostra que a interação entre arte e ciência é um tema que tem ganhado força na área de ensino. “Em nosso grupo de pesquisa, por exemplo, temos trabalhos que investigam o uso de contos, histórias em quadrinhos, literatura infantil, filmes e canções para o ensino de ciências”, diz o professor, que já utilizou contos e filmes em suas próprias aulas de física. Mas como fazer essa união?
Gomes defende que o professor deve adotar novas metodologias no processo de ensino. “Os recursos da arte contribuem para que o estudante tenha acesso a uma física menos dura e mais saborosa.”
Ele ressalta que, ao levar produtos artísticos para dentro da sala de aula, é preciso refletir antes sobre as finalidades didáticas da atividade e as competências do aluno a serem exploradas. “Não devemos apenas tentar encontrar erros conceituais que a obra possa ter, mas permitir que o estudante investigue as similaridades entre a ciência e outras áreas e que isso estimule nele um novo olhar crítico”, avalia.
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[Camille Dornelles, do Ciência Hoje On-line]