Entre a preguiça e a concisão, um certo desprazer no escrever, um desencanto com os rumos do mundo e uma maior preocupação com a morte, Luis Fernando Verissimo, 76 anos recém-completados, mantém uma curiosidade nascente e um agitado ritmo de vida.
Autor de romances e cronista vitalício (com textos semanalmente publicados em O Globo, O Estado de S.Paulo e Zero Hora), Verissimo viaja incessantemente pelo Brasil e pelo mundo para bater papo com leitores e participar de feiras literárias, sem nunca deixar de lado as apresentações de sua banda Jazz 6, em que toca saxofone, e reservar um precioso tempo para brincar com sua neta, Lucinda. Com mais uma coletânea de crônicas lançada, Diálogos impossíveis (editora Objetiva), o escritor conversou com O Globo em Paris, onde costuma passar temporadas.
O gênero crônica sobrevive, mas sofreu mudanças deste o tempo de Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Antônio Maria ou Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta). Que mudanças foram estas?
Luis Fernando Verissimo – Acho que o melhor representante desta crônica antiga é o Rubem Braga. Era uma crônica extremamente lírica e impressionista. E mesmo literária, apesar de ele escrever despretensiosamente, sempre com muita clareza. Acho que foi isso que essencialmente mudou. Talvez daquele grupo de cronistas, o mais moderno, quem poderia ainda escrever hoje como fazia antes, seria o Antônio Maria. Ele escrevia sobre todos os assuntos, às vezes era sério, também era lírico. E por vezes era também muito engraçado. Daquela turma acho que era quem sobreviveria hoje fazendo crônica. E o Paulo Mendes Campos, que na minha opinião talvez fosse o melhor deles em termos puramente literários, mas não sei se hoje ele faria o mesmo tipo de crônica.
O senhor começou a escrever crônicas em jornal aos 33 anos. O que mudou no seu jeito de escrever de lá para cá?
L.F.V. – Acho que a gente vai ficando cada vez mais exigente consigo mesmo. Gosto muito de uma definição do Zuenir (Ventura), que diz que escrever não é bom, bom é ter escrito, ler depois o que escreveu e gostar do escreveu. Mas no ato de escrever não há muito prazer, na minha opinião.
De uns tempos para cá, algumas de suas crônicas vão além da melancolia, adquirindo quase o tom de uma despedida.
L.F.V. – Isto é algo diretamente ligado à velhice. E eu sou do grupo de risco, por todos os problemas que tenho, de diabete, cardíacos e tudo o mais. Já estou na idade de morrer mesmo. E claro que isto afeta o modo de a gente pensar, e também o modo de escrever. Tem um pouco de autopiedade aí, mas também é esta preocupação constante com a morte, que temos de uma certa maneira desde os 35-40 anos, e que obviamente só aumenta com o tempo. E podemos encará-la como uma grande piada final, porque a morte torna a vida no fim meio sem sentido, uma coisa absurda. Ou encaramos a morte com este sentido do absurdo ou então nos desesperamos. Eu prefiro encarar como uma piada.
Em relação ao mundo, o senhor sente um tipo de desilusão histórica?
L.F.V. – Acho que quem tem algum tipo de perspectiva digamos de esquerda, para simplificar – se bem que hoje não há muito mais sentido falar de esquerda e de direita -, esperava que o mundo marchasse para outra coisa. Não necessariamente o comunismo, que fracassou na União Soviética, mas um socialismo, a solidariedade, enfim, um outro tipo de sociedade, que ao que parece está cada vez mais longe. O capitalismo se perdeu, se entregou ao capitalismo financeiro, que hoje domina, e a ideia de solidariedade humana, de sociedades solidárias, de justiça, está cada vez mais remota. E neste sentido é um desencanto que se tem.
E a situação no Brasil?
L.F.V. – Nunca escondi minha simpatia com o PT, o Lula. Acho que o Lula não fez exatamente um governo de esquerda, e por isto decepcionou a esquerda, mas também decepcionou a direita porque não foi um fracasso completo. Coisas boas aconteceram no governo Lula, acho que a distribuição de renda melhorou bastante. Hoje se diz que existe uma classe média que não existia há oito ou dez anos. Essas coisas são positivas, mas ao mesmo tempo faltou muita coisa. Nossos problemas continuam os mesmos. Mais de 50% da população não tem saneamento básico, essas coisas. São problemas que não foram mexidos em quase dez anos de PT no poder. Mas algumas coisas mudaram. E hoje mesmo sendo críticos do Lula e do PT no poder a gente deve ter um certo cuidado para não se alinhar com o reacionarismo que cada vez cresce mais.
O senhor deu nota 7 aos anos Lula, principalmente por causa de problemas de corrupção não esclarecidos. Como vê o julgamento do Mensalão?
L.F.V. – A decisão de condenar toda esta gente foi do Supremo Tribunal Federal, que são todos homens honrados, não há por que achar que não tenha sido uma decisão honesta. E que sejam todos punidos. Não tenho nenhuma informação para dizer que tudo isto não houve, que foi invenção. Não, aparentemente houve mesmo compra de votos, o que é lamentável, e que sejam punidos.
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[Fernando Eichenberg é correspondente de O Globo em Paris]